Congresso derruba decreto do IOF e freia avanço da justiça tributária no país

Foto: Lula Marques/
Agência Brasil

Valdecir Diniz Oliveira*

Nesta última semana de junho de 2025, o Congresso Nacional derrubou, por ampla maioria, o decreto presidencial que elevava o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).

A decisão indica um possível desfecho semelhante para o projeto de tributação de dividendos mensais acima de R$ 50 mil – ainda não encaminhado para apreciação – diante de um Parlamento conservador e majoritariamente rico, avesso a medidas que afetem diretamente seus próprios interesses econômicos.

Com a taxação do IOF, a medida previa aumento de alíquotas sobre operações de crédito, câmbio e remessas ao exterior, com o objetivo de ampliar a arrecadação e compensar o impacto fiscal da nova faixa de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil.

Embora a derrubada não tenha afetado formalmente a proposta de taxar dividendos acima de R$ 50 mil mensais, essa medida integra a estratégia mais ampla do governo de ampliar a progressividade tributária, hoje travada no Congresso.

A decisão parlamentar representa mais do que um revés técnico para o Executivo. Ela evidencia a força de um Legislativo conservador, economicamente privilegiado e resistente a iniciativas redistributivas.

O que previa o decreto do IOF

O texto derrubado alterava a incidência do IOF sobre diversas operações financeiras, inclusive revogando isenções sobre atividades digitais, como fintechs e apostas online.

A estimativa da equipe econômica era de que a medida arrecadaria cerca de R$ 20 bilhões em 2025 e até R$ 41 bilhões em 2026. Essa receita seria fundamental para equilibrar o orçamento em um cenário de ampliação de isenções fiscais, como a do IR para a classe média e baixa.

Embora o decreto não incluísse explicitamente a tributação de dividendos, ele fazia parte de um plano fiscal mais amplo que incluía essa proposta como contrapartida distributiva – ainda em debate no Congresso como parte da segunda etapa da reforma tributária.

Controvérsia jurídica

Juristas como Daniel Sarmento (UERJ) e Vanessa Canado (FGV) apontaram que o decreto respeitava o artigo 153, §1º da Constituição, que autoriza o Poder Executivo a regular o IOF por decreto devido ao seu caráter extrafiscal.

A derrubada por meio de Projeto de Decreto Legislativo (PDL), portanto, seria uma invasão de competência e abriria um precedente perigoso, fragilizando a capacidade regulatória do Estado.

Já opositores afirmam que o governo utilizava o IOF como imposto arrecadatório, excedendo sua função original.

Segundo o senador Izalci Lucas (PL-DF), relator do PDL no Senado, “o aumento de alíquota via decreto agrava o ambiente de negócios e penaliza os mais pobres” . Esse argumento é questionado por analistas, já que as medidas atingiriam grandes operações financeiras, e não o consumo popular.

Interesses em jogo

A composição do Congresso ajuda a explicar a resistência à política fiscal progressiva. Mais de 60% dos parlamentares têm vínculos com empresas ou participações societárias que seriam sensíveis a qualquer nova tributação de dividendos, lucros ou patrimônio.

A derrubada do decreto foi conduzida com rapidez e contou com apoio simbólico no Senado, demonstrando que a aliança entre elites econômicas e políticas segue coesa.

A narrativa de “defesa do povo contra impostos” contrastou com a realidade da medida, que buscava justamente poupar os assalariados e alcançar os grandes detentores de capital.

A desconexão entre discurso e interesse revela uma prática recorrente: a apropriação da retórica popular para proteger privilégios.

Consequências da derrubada

Com a queda do decreto presidencial, haverá redução da arrecadação estimada pelo governo, que deixará de contar com os R$ 10 bilhões previstos para 2025 e os R$ 41 bilhões para 2026.

Haverá uma pressão orçamentária crescente, uma vez que a meta de superávit de R$ 30 bilhões para 2026 pode se tornar inatingível, exigindo cortes em áreas sensíveis ou uso de receitas extraordinárias.

Será também inevitável o contingenciamento social. Ministérios e autarquias já operam com sinal de bloqueio em áreas como educação, saúde e ciência.

E, ainda, aumenta a insegurança jurídica no país. A interferência do Legislativo em dispositivos típicos do Executivo levanta preocupações sobre a previsibilidade institucional e o ambiente de negócios no país.

Justiça tributária no mundo: o que o Brasil ignora

Nos países desenvolvidos, a carga tributária costuma ser mais progressiva e redistributiva. A maioria das democracias tributa dividendos e grandes fortunas, que são os temas com maior resistência da elite brasileira.

A tributação de dividendos ocorre nos Estados Unidos, Alemanha, França, Reino Unido. Nesses países, sofrem tributação entre 15% e 30%. No Brasil, são isentos desde 1995.

A justiça tributária ocorre também com o imposto sobre patrimônio na Suíça, Noruega, Espanha e França, que impõem tributos anuais sobre grandes fortunas.

Outro meio de fazer justiça tributária é com o cashback tributário e isenções sociais. A medida ocorre, por exemplo, com as políticas redistributivas do Reino Unido, que devolve parte de impostos indiretos para a população de baixa renda, tornando o sistema menos regressivo.

A OCDE e o G20 também implementam a taxação mínima global de 15% sobre lucros de multinacionais, como forma de combater a evasão fiscal. Já países como Chile e Colômbia reformaram seus sistemas para tributar o capital com mais justiça social.

Reforma tributária brasileira: promessa e bloqueio

A primeira etapa da reforma tributária no Brasil, focada no consumo, foi aprovada em 2023 e prevê a criação de um IVA dual (CBS e IBS), com implementação gradual até 2033.

No entanto, a segunda fase – centrada na renda, nos lucros e no patrimônio – encontra forte resistência no Congresso. A proposta de taxar dividendos acima de R$ 50 mil mensais, por exemplo, continua parada em comissões, apesar do apoio técnico e popular.

Enquanto isso, o sistema tributário brasileiro continua penalizando a base da pirâmide, cobrando proporcionalmente mais de quem vive do trabalho do que de quem vive da renda do capital.

É assim que a derrubada do decreto do IOF é mais do que um gesto político: é um retrato institucional da dificuldade em avançar sobre privilégios consolidados.

Embora o Brasil tenha capacidade técnica e respaldo constitucional para promover justiça tributária, a resistência vem de dentro do próprio Legislativo, em sua maioria composto pelos que seriam atingidos por essas medidas.

Enquanto o mundo caminha para tributar mais quem tem mais, o Brasil hesita. E cada hesitação custa caro ao pacto social, à credibilidade fiscal e à construção de um país menos desigual, além do próprio desenvolvimento do capitalismo brasileiro, tão caro aos congressistas.

Enquanto o mundo avança na direção de tributar mais quem concentra renda e patrimônio, o Brasil segue hesitante.

E cada recuo impõe um custo elevado: corrói o pacto social, compromete a credibilidade fiscal e adia a construção de uma sociedade mais justa – além de enfraquecer o próprio desenvolvimento do capitalismo nacional, que a maioria dos congressistas tanto defende.

*Valdecir Diniz Oliveira é cientista político, jornalista e historiador

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