Escritoras falam no Flitabira dos livros que escreveram e mais marcaram as suas vidas
As escritoras Eliana Alves Cruz, Conceição Evaristo e Maria Ribeiro em colóquio no 3º Flitabira
Fotos: Kevem Willian
A última mesa da noite de sexta-feira (3), na terceria edição do Festival Literário Internacional de Itabira (3º Flitabira), foi marcada por um encontro muito aguardado pelo público, no palco CDA, com as escritoras Conceição Evaristo, Eliana Alves Cruz e Maria Ribeiro, tendo como mediador o escritor Jeferson Tenório.
Para o começo do bate-papo, que arrancou aplausos e reações intensas do público, Jeferson Tenório abriu o debate com a pergunta dirigida às três convidadas. “Qual trabalho que vocês fizeram que marcaram e transformaram a vida de vocês, que começaram de um jeito e sairam diferentes?”
A escritora Eliana Alves Cruz citou o romance Água de barrela. “Fiz uma viagem de volta à minha ancestralidade na África. Esse livro foi uma espécie de iniciação, uma espécie de renascimento”.
Para Conceição Evaristo o livro marcante em sua vida foi Insubmissas lágrimas de mulheres. “Esse foi o livro que me modificou, que fez com que eu tivesse um projeto de escrita consistente”. A escritora revelou ao público que pretende fazer uma trilogia a partir desse livro, com os próximos volumes focados, respectivamente, nos homens e nas crianças.
Já a escritora Maria Ribeiro, que também é atriz, citou o filme Como nossos pais: “Foi quando eu me entendi como feminista, um caminho sem volta, como se fosse um óculos que nunca mais tirei”.
Na sequência, a atriz escritora retornou com a mesma pergunta ao mediador, que citou seu primeiro livro, O beijo na parede: “Foi um livro que escrevi em seis anos. Eu não sabia muito bem o que estava fazendo e não sabia como fazer isso. Ao terminar o desafio da escrita do meu livro de estreia, eu percebi que poderia fazer outros”.
Declaração
O público se emocionou com a declaração de Conceição Evaristo para Eliana e Jeferson, para quem estar com eles é sempre uma celebração da vida. Voltando-se para Eliana, complementou: “Vê-la ao meu lado significa que nossa briga pela autoria negra deu certo, está dando certo”.
A escritora mineira foi bastante aplaudida quando emendou: “Para aqueles povos que foram silenciados, a literatura é um lugar onde a gente vinga”.
Maria Ribeiro lamentou a ausência de figuras femininas na sua formação na infância e o quanto busca modificar essa experiência na criação dos filhos. Já Eliana Alves Cruz falou sobre o seu processo de escrita: “Personagens são pessoas. Então eu olho pro lado e procuro perceber qual é a conexão daquele personagem que estou escrevendo com quem está ao meu lado”.
Conceição Evaristo ainda citou um tema caro ao seu projeto literário, a escrevivência, negando a ideia de que esta seja uma escrita narcísica, pois, segundo ela, “no espelho de Narciso não cabe o nosso rosto”, para em seguida completar: “A valorização da beleza negra é algo muito recente. Se esse corpo negro nunca foi considerado um corpo belo, não há como pensar que o espelho de Narciso acolha a nossa face”.
E criou novas metáforas com base em outros mitos. “Por isso, nós, pessoas negras, temos outros espelhos para olhar. O primeiro é o espelho de Oxum – seu espelho é uma arma de guerra pois, nele, Oxum se contempla e também vê o inimigo atrás. O outro espelho é o de Iemanjá, que é aquela que acolhe, aquela que cria”.
A escritora mineira complementou: “A escrevivência quer sedimentar um processo criativo a partir de nossa condição histórica e de uma história ancestral. A escrevivência liberta aquela fala, aquela ficção que era obrigada a cumprir os mandos da casa grande”.
Casa Escrevivência
Esse é o nome do espaço recém inaugurado por Conceição Evaristo no Rio de Janeiro, onde está sendo instalado o seu acervo: “Me incomodava ver os livros paradinhos, eles foram feitos para circular”, recomenda.
A escritora destacou que o pilar da casa é uma biblioteca comunitária, mas também será um espaço de criação, para acolher escritores e pesquisadores. “É o que eu quero deixar como legado. Ela tem uma função pro futuro”.
Negacionismo fundamentalista
Ao final da conversa com as escritoras, Jeferson Tenório fez uma interessante provocação. Evocando o personagem Bartleby – do livro Bartleby, o escrivão, de Herman Melville – e sua clássica sentença Preferiria não, o mediador perguntou:
“O que vocês prefeririam não fazer a respeito de suas lutas diárias?”. Entre respostas marcantes e urgentes, o público se emocionou com Conceição Evaristo: “Eu preferiria não ter de falar sobre o racismo, pois o racismo não tem cuidado com a gente. Essa luta é muito desgastante.”
Ou seja, já era tempo de o país superar esse preconceito em torno do racismo estrutural. Mas, infelizmente, ainda têm muitos que o neguam, a exemplo dos fundamentalistas itabiranos que não participaram do Flitabira e não gostaram do que não viram e nem ouviram falar sobre Paulo Freire com a sua pedagoria libertadora, a valorização dos povos originários.
Não cmpareceram pois detestariam ouvir as verdades sobre a Palestina e o genocídio perpetrado por Israel na faixa de Gaza, como também, caso fossem, tapariam os ouvidos, ou se retirariam do palco CDA, para não saber das críticas ao obscurantismo que o país viveu nos últimos anos.
Esses morrerão acreditanto que a Terra é plana e que esse papo de mudanças climáticas, com o superaquecimento do planeta, é invenção de comunistas. Trata-se de uma conduta desviante e negacionista que, infelizmente, parece não ter cura. Vão continuar perdendo as coisas boas da vida como a “mulher do padre” que não quer saber de cultura.