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Com a Lei Paul Singer, Economia Solidária ganha espaço no Código Civil

Foto: Carlos Cruz

A nova legislação estabelece a Política Nacional de Economia Solidária e o Sistema Nacional de Economia Solidária (Sinaes), marcando um momento histórico ao criar o primeiro marco regulatório para o setor no país

Por Anne Wendler*

Acaba de entrar em vigor a Lei nº 15.068/2024, batizada como Lei Paul Singer de Economia Solidária, em homenagem ao renomado economista brasileiro que dedicou sua vida ao estudo e promoção deste modelo econômico.

A nova legislação representa um marco histórico ao incluir os empreendimentos de economia solidária como uma modalidade de pessoa jurídica no Código Civil, sendo regidos, subsidiariamente, pelas normas aplicáveis às associações.

A nova legislação estabelece a Política Nacional de Economia Solidária e o Sistema Nacional de Economia Solidária (Sinaes), marcando um momento histórico ao criar o primeiro marco regulatório para o setor no país.

A economia solidária difere do modelo econômico tradicional, baseado na competição e na busca pelo lucro. Na economia solidária os participantes trabalham juntos para atender às suas necessidades sociais e econômicas, com foco na igualdade e na justiça.

O economista Paul Singer aponta que seria preciso que a economia fosse solidária em vez de competitiva, que tivéssemos uma sociedade em que predominasse a igualdade entre todos os seus membros.

Isso significa que os participantes na atividade econômica deveriam cooperar entre si em vez de competir. O que está de acordo com a divisão do trabalho entre empresas e dentro das empresas. Cada um desempenha uma atividade especializada da qual resulta um produto que só tem utilidade quando complementado pelos produtos de outras atividades (SINGER, 2002, p. 9).

Referido modelo, esclarece Singer, nasceu pouco depois do capitalismo industrial, como reação ao empobrecimento dos artesãos provocado pela difusão das máquinas e da organização fabril da produção.

A Grã-Bretanha foi a pátria da primeira revolução industrial. E a massa de camponeses, se transformou no proletariado moderno. Passaram a trabalhar nas fábricas – num regime de muita exploração do trabalho.

Não existiam limites legais, as crianças começavam a trabalhar desde cedo, as escalas eram muito longas, havia esgotamento físico dos trabalhadores, o que elevava morbidade e mortalidade (SINGER, 2002, p. 24).

Por conta desse cenário, industriais mais esclarecidos começaram a propor leis de proteção aos trabalhadores, dentre eles, o britânico Roberto Owen, proprietário de um imenso complexo têxtil em New Lanark. Em vez de explorar plenamente os trabalhadores que empregava, Owen decidiu, ainda na primeira década do Século XIX, limitar a jornada e proibir o emprego de crianças, para as quais fez escolas (SINGER, 2002, p. 24).

O tratamento generoso que Owen dava aos assalariados, resultou em maior produtividade do trabalho, o que tornou sua empresa mais lucrativa, apesar de gastar mais com a folha de pagamento. Owen tornou-se objeto de grande admiração e respeito, adquirindo a fama de filantropo.

Visitantes do mundo inteiro vinham a New Lanark tentar decifrar o mistério de como o dinheiro gasto com o bem-estar dos trabalhadores era recuperado sob a forma de lucro, ao fim de cada exercício (SINGER, 2002, p. 25).

No Brasil, segundo Singer, a economia solidária começou a ressurgir de forma esparsa na década de 1980 e tomou impulso a partir da segunda metade dos anos 1990. Ela resulta de movimentos sociais que reagem à crise de desemprego em massa, que tem seu início em 1981 e se agrava com a abertura do mercado interno às importações, a partir de 1990 (SINGER, 2000, p.25).

Os participantes da economia solidária têm como objetivo principal melhorar as condições de vida de seus membros, promover a inclusão social e econômica, bem como reduzir as desigualdades.

A economia solidária estabelece as bases e fundamentos para uma outra globalização, mais equilibrada e mais solidária com os outros e com o meio ambiente. Também pode ser definida como um conjunto de atividades econômicas geridas democraticamente como resposta aos problemas sociais, onde os interesses humanos prevalecem sobre os interesses materiais e econômicos. (LAVILLE, apud SOUZA, 2011, p.15)

A economia solidária também pode ser definida como “uma corrente de pensamento e de ação que visa recuperar o sentido social e ético da economia para enfrentar a desigualdade, a pobreza e a exclusão.

Trata-se de um enfoque baseado na supremacia do indivíduo e da sua capacidade de realização, mas de um indivíduo capaz de apoiar e ser apoiado por outros e de reconhecer restrições à sua liberdade perante os direitos dos demais. (…) A lógica da economia solidária é a procura da satisfação das necessidades e não apenas o acumular de lucros. (FRANÇA, apud SOUZA, 2011, p. 15)

Conforme a nova lei, no seu artigo 7º, são princípios da Política Nacional de Economia Solidária: I – não discriminação e promoção da igualdade de oportunidades; II – geração de trabalho e renda a partir da organização do trabalho com foco na autonomia e na autogestão; III – articulação e integração de políticas públicas para a promoção do desenvolvimento local e regional;

E mais: IV – coordenação de ações dos órgãos que desenvolvem políticas de geração de trabalho e renda; V – estímulo à economia solidária como estratégia de desenvolvimento sustentável; VI – participação social na formulação, na execução, no acompanhamento, no monitoramento e no controle das políticas e dos planos de economia solidária em todas as esferas de governo; e VII – transparência na execução dos programas e das ações e na aplicação dos recursos destinados ao Sinaes.

A economia solidária é orientada pela ideia da prática da solidariedade – atua em diversas dimensões, a saber: cultural, étnica, de sustentabilidade e, tem como característica combinar dinâmicas de iniciativas privadas com propósitos centrados não no lucro, mas no interesse coletivo.

O viés econômico da economia solidária é acompanhado por um fim social, de criar vínculos sociais e solidários, fundados numa solidariedade de proximidade, de auxílio recíproco.

Fazendo um paralelo entre a economia solidária e a responsabilidade social empresarial, esta é uma abordagem adotada no mundo corporativo, que busca contribuir para o desenvolvimento sustentável da sociedade, assim como busca minimizar o impacto negativo da sua atividade junto ao meio ambiente, promover e apoiar projetos sociais de forma a beneficiar as comunidades onde a empresa atua.

A economia solidária é um modelo que se funda na cooperação, solidariedade e participação ativa dos membros da comunidade na produção, distribuição e consumo de bens e serviços, enfatizando a igualdade, justiça social, inclusão social e sustentabilidade.

A complementariedade entre elas (economia solidária e responsabilidade social empresária) se dá pelo fato de que buscam promover práticas econômicas mais sustentáveis e socialmente responsáveis. Isto é, a complementariedade entre a economia solidária e a responsabilidade social empresarial reside na capacidade de promover uma economia mais sustentável, justa e inclusiva.

Quando essas abordagens são combinadas, elas têm o potencial de criar um impacto positivo na sociedade e no meio ambiente. As sociedades empresárias e os empreendimentos solidários que trabalham juntos podem alcançar objetivos de desenvolvimento sustentável e responsabilidade social.

*Anne Wendler é sócia no escritório Rücker Curi – Advocacia e Consultoria Jurídica.

Referências 

LIMA, Graziela Luísa de; ANDRADE, Edinara Terezinha de. Responsabilidade Social Empresarial e Economia Solidária: Uma Parceria Possível. Pelotas, 2007. Disponível em:  https://revistas.ucpel.edu.br/rsd/article/download/413/367/1529. Acesso em: 4 set. 2023.

SINGER, Paul. Introdução à Economia Solidária. São Paulo. Editora Fundação Perseu Abramo. 2002.

SINGER, Paul. A Economia Solidária no Brasil. São Paulo: Contexto, 2000.

SOUZA, Thalyta Taumaturgo de. A economia solidária como meio para o desenvolvimento sustentável – Caso Banco Palmas. 2011.

 

 

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