Cobrança e denúncia das mazelas da mineração são partes constitutivas da luta de Drummond pelos direitos de Itabira
Carlos Cruz
Na cobertura da visita da equipe do jornal O Cometa ao poeta Carlos Drummond de Andrade, numa manhã de sábado (14 de fevereiro de 1981), foi erroneamente publicado que o poeta havia lutado para que a Companhia Siderúrgica Nacional fosse instalada em Itabira.
Na edição seguinte à ”cobertura” jornalística, em carta enviada à redação do jornal, o poeta esclarece que a sua luta, juntamente com o tributarista itabirano José Hindemburgo Gonçalves, foi para que a sede da então Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) se transferisse para Itabira, cumprindo-se o que determinava o seu estatuto de criação.
“O que fiz, isso em outra ocasião, foi esforçar-me, pelas colunas do “Correio da Manhã”, no sentido de obter que a Cia. Vale do Rio Doce cumprisse os seus estatutos, transferindo para Itabira a sua sede, arranchada docemente no Rio de Janeiro. Nessa campanha, por sinal, a artilharia pesada de argumentos, de que me vali, foi fornecida por um valoroso conterrâneo, o José Hindemburgo Gonçalves. Nada conseguimos. É tão comum Itabira perder suas causas e seus direitos!”
Em seguida, na mesma missiva, o poeta fez um pedido à equipe de O Cometa: “Como eu tenho esperança nas novas gerações, e vocês do COMETA constituem um posto avançado da gente nova, espero que continuem se mexendo e pedindo e reclamando e orientando os demais – por amor à nossa Itabira”.
Pode-se dizer que o jornal O Cometa cumpriu esse apelo fielmente, ao publicar em suas páginas inúmeras crônicas de Drummond, repercutindo a sua luta em defesa da terra natal (leia mais aqui). E também por meio de reportagens que vasculharam os impactos da mineração sobre a cidade – e seus moradores.
Vanguarda
Entretanto, não se pode aceitar a resignação do poeta ao dizer que a campanha desencadeada com a publicação de suas crônicas no Correio da Manhã tenha sido uma luta vã, sem nada ter conseguido.
Não é verdade, tanto pela repercussão nacional das denúncias contidas em suas crônicas, como também por mostrar aos próprios itabiranos o quanto as cidades mineradas (mineradoras são as empresas, senhores redatores) são estropiadas pela mineração.
Além disso, com a arma que o cronista dispunha (a sua escrita avassaladora em defesa da terra natal), Drummond destrinchou a realidade de Itabira, município brasileiro que mais dava “divisas” ao país – e nada, ou quase nada, recebia em troca.
O cronista e o seu fiel escudeiro José Hindemburgo Gonçalves foram vanguardistas na luta pelos direitos de Itabira. E foram parcialmente vitoriosos com a criação do Imposto Único sobre os Minerais (IUM), pelo governo federal, em 1966.
Antes disso, a mineradora era isenta de pagar impostos, como ainda acontece com a Lei Kandir, que a exonera de pagar ICMS sobre o minério de ferro exportado, que é a quase totalidade de sua produção nacional.
Para Itabira a empresa fazia “doações” do Fundo de Melhoramentos, também previsto no estatuto, e que nunca foi distribuído com justiça à cidade que detinha, naquela ocasião, a única reserva de hematita explorável de Minas Gerais. Os recursos desse fundo eram distribuídos para todos os municípios da zona do rio Doce, sobrando migalhas para Itabira.
Trincheiras
Foi assim que nas páginas do Correio da Manhã e do Jornal do Brasil o cronista Carlos Drummond de Andrade deu repercussão nacional aos conflitos permanentes de sua cidade natal com a “Companhia”, que deixou de ser do rio Doce para virar apenas Vale S.A.
Na crônica Só isso, publicada no Jornal do Brasil, em 3 de outubro de 1964, Drummond fala do projeto de criação do IUM. O imposto, conforme foi aprovado dois anos depois da publicação da crônica, foi sancionado contendo uma distribuição extremamente injusta aos municípios minerados, onde ficam as crateras, a poeira, a destruição dos cursos d´água, assim como os demais impactos de vizinhança que o itabirano tão bem conhece.
“O produto da arrecadação desse imposto será distribuído entre a União, os Estados e os Municípios, e é claro que não pode ir para Sancho, Martinho e esse vosso criado. Mas a União terá 10%, o Estado 70% e o Município apenas 20%, o que me parece terrivelmente injusto.” O cronista lembra ainda que para o município, minério “é riqueza que não se recompõe, e com a exploração intensiva se esgota para sempre”.
É assim que Drummond considera que “os 20% destinados aos municípios – só isso? – em contraste com os 70% atribuídos aos Estados, têm algo de mesquinhamente ridículo, que não pode passar despercebido à sensibilidade municipal de nossos legisladores, na maioria procedente de pequenos núcleos habitacionais, onde a miséria coletiva definha sob a miséria dos orçamentos”.
Para ele, o que ficava para o município eram migalhas diante da fabulosa riqueza aqui gerada que só o trem maior do mundo consegue transportar, e que um dia não mais voltará. Foi essa riqueza que possibilitou o crescimento extraordinário dessa que virou uma das maiores empresas de mineração do mundo, a mineradora Vale S.A.
Estatuto não cumprido
Já nas crônicas publicadas no jornal carioca Correio da Manhã, em parte publicada neste site no transcorrer da Semana da Comunidade, por obra da jornalista Cristina Silveira, arquivista, memorialista e pesquisadora reconhecida nacionalmente, ex-secretária do professor Arp Procópio, Drummond mostrou ao país a necessidade de a então CVRD cumprir o que determinava o seu estatuto, transferindo a sua sede do Rio para Itabira.
Naquela ocasião, Drummond, José Hindemburgo e tantos outros itabiranos acreditavam que, ao cumprir o seu estatuto, a Companhia iria enfim dotar o município com uma infraestrutura digna e à altura da riqueza extraída das entranhas do Cauê.
Esperava-se com a transferência movimentar a economia local, inclusive com os gordos salários de seus altos executivos, dirigentes em sua maioria mineiros, deslumbrados com a beleza e os atrativos mundanos da cidade maravilhosa, então capital do país.
Foi essa vontade de não querer trocar as praias do Rio pela poeira da “boca da mina” que prevaleceu, descumprindo-se o que estava no estatuto. Esse foi o “pecado original” da Vale, que seguidamente passou a não cumprir o que antes havia prometido.
Fazer o quê na “mina”? O conforto do asfalto e os prazeres mundanos da então capital federal falaram mais alto, sob o argumento sofista de que a estatal deveria permanecer sob a guarda do poder central, então sediado no Rio.
Visto esse descumprimento do estatuto como fato histórico, pode-se dizer que se tornou um precedente recorrente em toda a história desse conturbado relacionamento da Vale e Itabira, quase sempre de subserviência dessa diante do poder econômico daquela.
Pode-se dizer que a mineradora deve a Itabira a soma de tudo o que ela retirou sem pagar imposto até a edição do IUM, quase um quarto de século depois da criação da estatal, fruto do acordo de Washington, essencial para a vitória dos aliados contra os nazifascistas.
A justificativa para a isenção era para que a empresa pudesse crescer e acumular capital para só depois distribuir dividendos, o que é outra história recorrente no país, de triste lembrança.
Dívidas recorrentes
Mas existem outras dívidas que já estão sendo cobradas judicialmente. É o caso da venda da mina de Camarinha, cuja parte de sua exploração não foi paga pela Vale ao município, ficando devendo por força de escritura pública de venda e compra.
Outras dívidas estão relacionadas na ação de indenização aberta pelo então prefeito Li Guerra (1993/96), como também existem outras que estão sendo cobradas judicialmente, com a reabertura das ações civis públicas instauradas a pedido do Ministério Público, com base em reportagens do jornal O Cometa, em 1986, contra a Vale.
Essas ações foram desarquivadas pela Procuradoria-Geral do Município. Elas pedem que sejam apuradas as responsabilidades e as ações decorrentes para mitigar a poluição do ar, além de obrigar a empresa fazer a restauração paisagística da Serra do Esmeril (Minas do Meio).
Ou seja, a dívida histórica, que pela sua quitação Drummond e Hindemburgo tanto batalharam, não prescreve – e já foi em parte judicializada. E O Cometa teve papel importante nessa história, constituindo-se, dessa forma, em “um posto avançado da gente nova”, dando prosseguimento à luta do poeta “por amor à nossa Itabira”.
Legado imprescindível
E a luta continua principalmente agora no contexto do descomissionamento das minas itabiranas, com exaustão prevista já em 2028. A Vale deve anunciar nos próximos dias um grande investimento na continuidade da implantação do campus local da Unifei.
Esse investimento foi adiantado pelo secretário de Obras, Ronaldo Lott, em palestra na reunião itinerante da Associação Mineira dos Municípios Mineradores (Amig), realizada em Itabira no dia 27 de outubro do ano passado – cujo teor foi amplamente divulgado pela imprensa local, inclusive por este site. Se concretizado, será sem dúvida um legado importante que fica da mineração.
Mas, “só isso?” não basta. Itabira quer e irá certamente exigir muito mais. Com certeza, o “legado” mais importante, pelo qual todo itabirano deve lutar, é pelo acesso à água de classe especial dos aquíferos que estão sob as minas e a cidade.
O acesso a essa fabulosa riqueza só se tornou possível com o rebaixamento das águas profundas, hoje praticamente toda ela monopolizada pela mineração. Esse legado foi, inclusive, o que propagandeou a mineradora ao fazer o rebaixamento desses aquíferos. Leia também aqui.
Que o fim do minério represente um novo ciclo histórico para Itabira. E que a cidade possa, enfim, usufruir desse imenso legado de 338,8 milhões de metros cúbicos de água, suficientes para matar a sede para sempre de seus moradores e atrair novas indústrias que demandam por esse insumo em grande volume – e de classe especial.
Que assim seja, amém! É o que diria o saudoso professor Arp Procópio de Carvalho.
Falando em riquezas, a mineradora lava a areia do minério de ferro com água mineral de primeira qualidade e nos deixa as águas restantes de seu uso e um pouco dos ribeiros e cursos d´água.
Por conta da mineração perdemos as Forjas do Girau, a tecelagem da Gabiroba e da Pedreira.
Agora querem trazer a água do rio Tanque, que está mais para córrego, para bebermos e ainda vão juntar e misturar todas as águas de Itabira. Vai virar uma salada imbebível.
O custo desta água do córrego do Tanque vai beirar os R$100 milhões e a administração municipal teima, insiste e resiste em repassar mais este custo ao cidadão itabirano deixando a grande mineradora livre de sua obrigação.
Obrigação esta muito bem cobrada por Drummond de Andrade em suas crónicas e muito bem resgatada pela amiga Cristina Silveira na Biblioteca Nacional que fica na cidade do Rio de Janeiro e republicadas aqui nesta revista eletrónica Vila de Utopia..
. É tão comum Itabira perder suas causas e seus direitos!”
Meu Deus, que pamonha somos nós!
Levamos o maior ferro! Mas Itabira tão pertinha da capital do estado não se toca… e cheia de bubice não defende direitos, briga por picuinhas. Agora, sou objeto de ódio de um jornalzinho da cidade que insiste que eu estou copiando a pauta deles…. quando conto isso na BN e na Casa de Rui todo mundo ri da bubice-itabirana-ufanista. Aproveito pra esclarecer que estas crônicas, de domínio público, podem ser encontradas na internet, eu as recolho da BN-Rio porque a BN-Rio é o meu melhor lugar no mundo. Por demais, ao incomodo só há uma solução pra peleja provinciana, pedir ao Pedro Drummond e ao espólio do “Correio” para garantir exclusividade ao tal jornal de Itabira. Por fim, quero sugerir, dado que “sou uma velha senhora” dos caminhos da Estrada Real de Ipoema das Itabira, quem me tirem do foco e vocês produzirão muito mais… e toma visão, porque Itabira não é o centro do mundo….
Faltou uma coisinha: nós, do sítio da Vila de Utopia estamos preparando outra série que trata da exploração do ouro e das demanda de divisas, MG-ES, Itabira e outras cidades, e a demanda pela Serra do Esmeril; também nessa série vamos publicar notinhas sobre a escravidão africana em Itabira. Faço a notícia pra que o meu trabalho, quando for publicado, não se torne fofoca beócia.