Chuvas voltam assustar moradores de Santa Maria de Itabira neste início de ano
Foto: Reprodução
Com chuvas persistentes, moradores de Santa Maria de Itabira voltam a se preocupar com os seus impactos e estragos no município, principalmente na cidade, instalada em um vale cortado pelo rio Jirau, que não raro é entancado pelo rio Tanque, provocando o retorno da água do rio menor para o centro da cidade.
De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia, só no domingo (2) choveu entre 50 milímetros (mm) e 100 mm, provocando deslizamento de encostas e encharcamento do solo.
“O problema maior, nesses dias de chuvas, tem sido o carreamento de solo e areia dos lotes irregulares e sem controle ambiental, abertos nos últimos anos sem a observância da legislação”, denuncia uma moradora, cobrando providências da Prefeitura de Santa Maria.
“É só observar o volume de areia retirado das ruas da cidade pela Prefeitura para comprovar a irregularidade e os impactos decorrentes desses loteamentos, assoreando ainda mais o leito do rio Jirau.”
Na zona rural do município, segundo essa mesma moradora, boa parte das estradas estão intransitadas, prejudicando moradores, fazendeiros e sitiantes que ficam ilhados, além da economia local pela dificuldade de escoar a produção, principalmente de leite.
Pontes que foram reconstruídas recentemente pela Prefeitura foram danificadas. E há deslizamento de terra por todas as estradas vicinais do município, além de muita lama e empoçamentos.
Apreensões
O sentimento na vizinha cidade é de muita apreensão – e não é para menos. Afinal, os moradores ainda não se recuperaram do trauma das mortes e destruições ocorridas na madrugada do fatídico domingo de 21 de fevereiro do ano passado.
O triste saldo da “cabeça d’água” foram seis mortes, 2.476 pessoas atingidas, sendo que 1.085 foram desalojadas de suas casas, segundo informou a Defesa Civil do município.
Ainda que as autoridades locais atribuam a tragédia como sendo “natural” pelas sucessivas “cabeças d’água”, não se pode desconhecer as causas antrópicas que contribuem pelas enchentes na cidade.
Sem um plano diretor aprovado e efetivado, as ocupações desordenadas nas encostas e em outras áreas de risco continuam fazendo estragos, agravando a situação e as apreensões dos moradores.
Em Santa Maria, loteamentos foram abertos ao arrepio da lei – e do bom senso urbanístico. E seguem impunemente, sem as medidas mitigadoras necessárias e urgentes. Foram abertos sem a observância das curvas de níveis, em encostas íngremes e instáveis.
A vegetação natural foi suprimida para a abertura de lotes, ruas e avenidas, sem os cuidados urbanísticos e ambientais, que são necessários e exigíveis, como é possível observar bem no centro da cidade.
Areais existentes à montante da cidade também contribuem com o assoreamento do leito e margens do rio. Precisam ser fiscalizados e punidos, com cobrança de medidas mitigadoras.
Sem isso, pouco adianta realizar obras de contenção de fluxo d’água, assim como o desassoreamento, alargamento e aprofundamento do leito do rio Jirau. além de amortecer o seu encontro com o Tanque.
Áreas de pastagens com braquiárias nas encostas também devem ser suprimidas, revegetando-as com espécies arbóreas nativas para conter o deslizamento e carreamento de terra para o leito do rio.
Leia mais aqui: Santa Maria de Itabira tem ocupação desordenada em suas encostas e nas bacias de contenção
Calha e barragens
A cidade de Santa Maria, por razões históricas observáveis, foi edificada em uma calha topográfica sem saída. E a população sofre as consequências sempre que o rio Tanque entanca o Jirau.
Além disso, até a década de 1970, quando foi construída a barragem de Santana, o antes caudaloso rio foi minguando com o assoreamento de seu leito e margens pelo “fino” de minério, sem que fosse retirado em toda a sua extensão.
Um hidrogeólogo que conhece bem a região, ouvido pela reportagem deste site na condição de anonimato, relaciona várias obras necessárias para mitigar o impacto de futuros dilúvios, além de se fazer o desassoreamento, alargamento e aprofundamento do leito do rio Jirau para aumentar a sua calha. E, também, para amortecer o encontro do Jirau com o Tanque.
Além disso, ele sugere a construção de pequenas barragens ou mesmo diques de contenção da água, posicionados abaixo de Santana, até bem próximo da cidade de Santa Maria.
Essas pequenas estruturas ao longo do rio, segundo ele, conteriam o aumento acentuado e repentino da vazão do Jirau, a exemplo do que já faz, em parte, a estrutura da barragem da Vale também à montante.
“Pode parecer um paradoxo, mas a construção de pequenas barragens, a exemplo de muitas já existentes na Europa e no Chile, para conter a água do degelo nos Alpes e nos Andes, respectivamente, podem ser uma das medidas de proteção aos moradores de Santa Maria”, sugere esse geólogo.
Segundo ele, essas pequenas barragens devem permanecer vazias durante a estiagem, enchendo nas enchentes, normatizando o fluxo da água nos períodos chuvosos.
“Se várias dessas estruturas forem construídas na rede de drenagem à montante de Santa Maria, elas podem impedir o transbordamento do Tanque no perímetro urbano, como vimos nessa enchente (do ano passado), com a água atingindo o telhado das casas mais próximas do rio.”
Ainda de acordo com esse hidrogeólogo, os recursos para a construção dessas estruturas, com vertedouros na parte inferior para que a água do rio siga o seu curso normalmente na seca, devem ser cobrados da Vale.
Isso até mesmo como investimento preventivo da mineradora para conter parte da força da água à montante do núcleo urbano e em boa parte da zona rural, em caso de ruptura da barragem de Santana, o que é improvável, mas não impossível de acontecer.
Para justificar e embasar a reivindicação, ele acrescenta que a mineradora tem também uma dívida histórica com Santa Maria de Itabira.
“Como dizia o professor Ângelo Machado (1934/2020), a Vale indenizou os bois dos fazendeiros que embucharam com o ‘fino’ do minério, mas não quitou a dívida ambiental com o rio Tanque.” E com os moradores da vizinha cidade.
Desvio e obras mitigadoras
Juntamente com essas pequenas barragens, o hidrogeólogo concorda com o projeto da Prefeitura de Santa Maria, apresentado a este site Vila de Utopia em março de 2018.
Esse projeto prevê um pequeno desvio à direita do curso do rio Jirau, antes de se encontrar com o rio Tanque, para que a sua água possa ser absorvida sem provocar o represamento e o refluxo que inundou Santa Maria.
Leia mais aqui.
A Prefeitura de Santa Maria não tem recursos suficientes para executar essas obras preventivas e saneadoras.
Portanto, pela urgência e necessidade, esses recursos devem ser buscados junto ao governo de Minas Gerais que recebeu vultosa indenização da Vale pela tragédia de Brumadinho.
E, também, podem virar realidade por meio de recursos da própria Vale, causadora de grandes impactos de vizinhança em Santa Maria.
E que ainda persistem com a barragem de Santana assombrando os santa-marienses, mesmo que esteja sendo reforçada em sua estrutura.
Se essas medidas mitigadoras e corretivas dessas situações não forem urgentemente executadas, mantém-se as atuais condições de assoreamento e dos consequentes transbordamentos dos rios Jirau e também do Tanque
E a história pode se repetir como outras tragédias anunciadas – e de proporções que podem ser ainda maiores. É que o dilúvio do ano passado pode voltar a acontecer em decorrência das mudanças climáticas. Infelizmente, muito pouco – ou quase nada – foi feito para mitigar os seus impactos.
De tudo, a suspeição impertinente é o hidrogeologo pedir anonimato no momento em que é necessário aplicar conhecimento. Então por que foi dar palpite, palpite sim, enquanto poderia ter formulado o conhecimento. Acho que não é um Garrucheiro….