Chateaubriand, o advogado da Itabira Iron x Artur Bernardes, governador de Minas Gerais

A Vila de Utopia publicará, sequencialmente a esta apresentação, dois artigos assinados pelo jornalista e magnata da imprensa Assis Chateaubriand, dono dos Diários Associados. Os dois artigos relatam a sua viagem à Itabira do Mato Dentro.

Chatô não visitou a Itabira do poeta Drummond, como só pensava em vacas, sobrevoou o lendário Pico do Cauê, a maior e mais cara jazida de minério de ferro do mundo, nove meses depois da criação da CVRD.

O jornalista Fernando Morais, que está nos devendo a biografia do governo do presidente Lula da Silva, o jararaca que já virou jacaré – escreveu a biografia de Assis Chateaubriand, Chatô, o rei do Brasil, pela Cia das Letras.

Um livro altamente recomendável. Recortamos alguns trechos, sobretudo um pouco de sua relação com a Itabira Iron Ore Company. A partir do próximo parágrafo, sem aspas, o texto é do barbudo charuteiro e autor do livro, A Ilha (1976), Fernando Morais (Cristina Silveira):

Chateaubriand, chegou ao Rio precedido por uma fama de que poucos brasileiros da época podiam desfrutar tão precocemente. Com 25 anos recém-completos, era visto como a grande fulguração, o nome que se destacava daquilo que a preconceituosa elite do Sul chamava de “o exército do Norte” – os intelectuais que migravam para o Rio em busca de sucesso.

Desconfiado do farfalhar que cercava o novo personagem da vida carioca, o poeta Olavo Bilac comentou que se tratava efetivamente de “um talentoso publicista”, mas que as pessoas deveriam tomar cuidado com ele: “Chateaubriand tem brilhantes na cabeça, mas carrega cascalhos nos bolsos.”

Profético, Bilac garantia que o jovem nordestino não se mudara de Recife em busca apenas de uma banca de advocacia ou de espaço nos jornais: “Ninguém traz um arsenal intelectual como o que dizem ter para gasta-lo em panfletos ou na tribuna – o destino desse moço aqui no Rio é poder”.

Em 1921, Alexander Mackenzie chamou-o para um encontro no escritório da Light, e lá chegando deu com um velho conhecido seu: o industrial americano Percival Farquhar.

No ano anterior, em uma de suas viagens a Paris, Chateaubriand jantara uma noite no casarão da avenue Iéna em que Farquhar vivia sozinho, servido por catorze criados.

O dono da casa recebeu-o de fraque e calça listrada, e quando os garçons começaram a servir o jantar o convidado espantou-se com a lista impressa que lhe foi posta diante dos olhos, contendo as centenas de marcas de vinhos disponíveis na adega da casa, cujo dono era abstêmio.

No escritório da Light, no Rio, Chateaubriand deparava com o mesmo Farquhar de antes: além de seco, taciturno, incapaz de um sorriso, ao contrário do jornalista, que já falava com absoluta fluência, o industrial era gago. Ele foi direto ao assunto:

– Doutor Assis, o Mackenzie chamou-o aqui porque o doutor Afonso Pena Júnior, advogado de minhas empresas no Brasil, vai assumir a direção do Banco do Brasil e terá de nos abandonar. Gostaria que o senhor assumisse o lugar dele.

Chateaubriand sabia do que se tratava e achava que aquela era uma causa perdida – guerra em que Farquhar estava metido no Brasil havia vários anos. Uma empresa de propriedade dele, a Itabira Iron Ore Company, havia adquirido na região de Natividade, no vale do Rio Doce, em MG, uma área de 3 mil alqueires, em cujo subsolo calculava-se que estivesse escondido um tesouro de mais de 1 bilhão de toneladas de minério de ferro. Simultaneamente, Farquhar assumiria o controle acionário da Estrada de Ferro Vitória-Minas, caminho natural para o escoamento do minério até o Espírito Santo. Uma persistente campanha de setores nacionalistas combatia a entrega de concessões como aquela a grupos estrangeiros.

Os adversários de Farquhar sustentavam que, se abrisse a exploração das jazidas de minério de ferro a grupos internacionais, o país iria sofrer, dois séculos depois, sangria idêntica à provocada pelo ciclo do ouro: exauridas as reservas, as empresas retornariam a seus países de origem, em prejuízo da economia brasileira.

Um dos mais destacados líderes do movimento nacionalista era um advogado mineiro que se elegera deputado federal por duas vezes e que agora era governador de Minas Gerais e candidato declarado à presidência da República: o mesmo Artur Bernardes que Chateaubriand dizia ter sido a causa de sua saída do Jornal do Brasil.

Percival Farquhar

Nos dez anos seguintes Chateaubriand jogou com Artur Bernardes um interminável braço de ferro. O que era uma modesta oposição provincial à assinatura do contrato de permissão acabou se transformando em uma campanha nacional, que contava com políticos de expressão e de industriais.

Irredutível em suas posições, Bernardes não concordava com o projeto de Farquhar de construir em Minas uma usina siderúrgica capaz de produzir 150 mil toneladas anuais de aço.

Nas reuniões que tinha em Belo Horizonte com Chateaubriand, Bernardes insistia em que, para os interesses nacionais, o que convinha era a manutenção do sistema então vigente – o estimulo à instalação de várias pequenas usinas, cuja construção deveria ser precedida de uma exigência: os empreendimentos podiam ser controlados por capitais privados ou estatais, desde que brasileiros.

– “A grande siderúrgica estrangeira”, dizia ele a Chateaubriand, “matará a pequena, que é um patrimônio do povo mineiro. O senhor não acha que estaremos fazendo coisa mais útil ao Brasil, guardando esses depósitos de ferro por mais trezentos anos? Que patrimônio não iriamos legar aos nossos compatriotas… Não posso ter apreço por uma empresa estrangeira que quer esburacar Minas Gerais, doutor Assis…”

Depois de um ano de negociação, Bernardes mandou avisar que autorizava a assinatura do contrato, tal como Farquhar pretendia, mas que o imposto estadual por tonelada exportada, que era de trezentos réis, seria duplicado para três mil-réis.

Por mais absurdo que pudesse parecer um governante multiplicar por dez, da noite para o dia, o valor de um imposto, Bernardes imaginava ter dado um xeque-mate em Farquhar e Chateaubriand.

Farquhar mandou responder que aceitava a exigência. E mais: já tinha mandado refazer o projeto para instalar uma siderurgia com capacidade para produzir não 150 mil, mas 250 mil toneladas de aço por ano.

Embora o governo acabasse assinando o contrato o Tribunal de Contas da União recorreu a filigranas jurídicas e não aceitou registrá-lo, alegando que descumpriria a legislação brasileira.

E mesmo tendo a sua validade reconhecida por meio do decreto 5568, assinado por Washington Luís em novembro de 1928, o contrato acabou sendo declarado caduco por Getúlio Vargas em 1931.

Persistente, Farquhar ainda investiria no Brasil, criando a Companhia Aços Especiais de Itabira – Acesita, empreendimento cujo controle acionário cairia nas mãos do Banco do Brasil em 1952.

Destino idêntico ao que fora dado à Itabira Iron Ore, que depois de passar às mãos de um grupo nacional transformou-se, durante a Segunda Guerra Mundial, na Companhia Vale do Rio Doce, uma empresa estatal. Como, aliás, sonhava o governador Artur Bernardes. E para indignação eterna de Chateaubriand, que amaldiçoou o episódio até o último dia de sua vida.

No destaque, reunidos no Pico do Cauê, 1935, estão o presidente da Itabira Iron Ore Co., Percival Farquhar (4⁰ da esquerda para a direita), ao seu lado, o administrador sr. Thomas Charlton, e o geólogo alemão dr. Grosse (de paletó claro). Fotos: Reprodução

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