Cartas aos Amigos – exposição homenageia Lúcio Sampaio, ex-editor do Cometa, no 50º Festival de Inverno de Itabira

Fotos: Carlos Cruz

A professora de português e literatura aposentada Ângela Sampaio, a Danja, irmã de Lúcio Vaz Sampaio, idealizador e um dos fundadores do jornal O Cometa Itabirano, salientou que um dos aspectos mais importante na vida do seu irmão jornalista e psicólogo, e como editor do hebdomadário, foi o seu estreito contato com o poeta Carlos Drummond de Andrade.

Lúcio faleceu aos 69 anos, em uma triste tarde de sábado, 11 de fevereiro deste ano, vítima de um ataque cardíaco.

Esse contato epistolar aconteceu até a morte do poeta, também por um fulminante ataque cardíaco, em 17 de agosto de 1987, por meio das correspondências trocadas entre eles desde o primeiro número do jornal, lançado em 1979, quando o país ainda vivia sob o jugo de uma ditadura militar, sob o comando do general João Batista de Figueiredo (1979 a 1985), último presidente do regime militar, imposto ao país pelo golpe de 1º de abril de1964.

Danja Sampaio, irmã de Lúcio, Carlos Cruz, repórter e ex-diretor do Cometa, e o jornalista Marco Antônio Lage, na abertura da exposição Cartas aos Amigos, no Centro Cultural (Foto: Rodrigo Oliveira)

O jornal fazia forte oposição ao regime militar, ao ponto de ser enquadrado na Lei de Segurança Nacional, em 1981, julgado e absolvido depois de muitas pressões, audiências e intimidações em 1983, pela IV Auditória Militar de Juiz de Fora. Lúcio Sampaio foi editor do jornal até dezembro de 1987.

“Desde o primeiro número do jornal foi salientado que a presença de Drummond seria a luz a nortear o trabalho dos jovens do Cometa e assim foi. Em quase todas as edições do jornal algo sobre o poeta itabirano era publicado”, relembrou Danja, na abertura da exposição  Cartas aos Amigos, nessa sexta-feira (12) – e que fica aberta à visitação até 9 de agosto.

Maria Leandro em visita à exposição: ela foi capa do jornal, na edição de fevereiro de 1981

A exposição, sob curadoria do artista plástico Marconi Drummond, reporta a trajetória desse que foi o criador do jornal O Cometa Itabirano, o mais longevo tabloide alternativo do país, tendo circulado por mais de 32 anos – e profissional psicólogo,  que foi também um ativista na luta antimanicomial no país.

“Nas páginas do Cometa, o filho ilustre de Itabira pôde se reencontrar com a sua terra natal e manifestar as suas preocupações com a cidade”, acentuou a professora, falando com emoção sobre a vida e a trajetória profissional e cidadã doe seu irmão morto quando ainda fazia muitos planos, depois ter-se aposentado pouco tempo antes.

Capa da edição de Carnaval, fevereiro de 1981

Iniciativa

A sugestão para a realização da exposição em homenagem póstuma a Lúcio Sampaio foi do prefeito Marco Antônio Lage, jornalista também que acompanhou a trajetória de O Cometa. Segundo ele, a exposição dá sequência à série de homenagens a personalidades que contribuíram e contribuem para a cultura itabirana.

“Primeiro homenageamos dona Myriam Brandão, grande figura da nossa cultura e depois Márcio Sampaio. Pelo mesmo motivo, estamos homenageando Lúcio Sampaio, pelo legado que ele deixou no jornal, mas também na luta antimanicomial, como psicólogo”, justificou o prefeito em entrevista a este portal de notícias.

“Lúcio liderou uma geração criativa e irreverente de itabiranos, que trouxe de volta a Itabira o poeta Carlos Drummond ao publicar nas páginas do jornal os seus artigos, crônicas e poesias, com o poeta voltando a dialogar com a cidade. O Cometa, idealizado por ele, foi um jornal irreverente e crítico, produzido por jovens idealistas e que projetou Itabira para Minas Gerais e para o país. O jornal é um patrimônio cultural de Itabira”, considera o prefeito.

Poemas inéditos e visita ao poeta
Carlos Drummond de Andrade e o editor do Cometa, Lúcio Sampaio: visita ao poeta (Foto: Altamir Barros/Acervo O Cometa)

Foi nas páginas do Cometa que Drummond publicou pela primeira vez o poema Lira Itabirana (“O Rio? É doce. A Vale? Amarga. Ai, antes fosse mais leve a carga”), em dezembro de 1983.

E, também, O Maior Trem do Mundo (“O maior trem do mundo/ Transporta a coisa mínima do mundo/ Meu coração itabirano/ Lá vai o trem maior do mundo/ Vai serpenteando, vai sumindo/ E um dia, eu sei não voltará/ Pois nem terra nem coração existem mais”, publicado na edição de agosto de 1984 do jornal, pouco antes da realização do I Encontro Nacional das Cidades Mineradoras. Lúcio Sampaio foi o primeiro a ler esses poemas.

“O ponto culminante dessa relação foi quando a turma do Cometa foi recebida num apartamento da rua Conselheiro Lafaiete, em Copacabana, em um clima de amizade e cumplicidade entre o poeta e a turma do Cometa”, relembrou Danja Sampaio.

Linha do tempo com a trajetória de Lúcio Sampaio (Foto: Rodrigo Oliveira)

“Finalizo recorrendo a uma expressão que o cronista Drummond usou  ao se despedir dos seus leitores do Jornal do Brasil, em 1984, com uma expressão que sintetiza o que queremos dizer a todos os responsáveis pela bela homenagem a Lúcio Vaz Sampaio. E aqui repito as mesmas palavras, agora em nome da memória de Lúcio. ‘Gratidão, essa palavra tudo’”, agradeceu.

Quem foi o homenageado do Festival de Inverno de Itabira em seu cinquentenário
Fotos com Lúcio Sampaio e o cartaz do I Salão Nacional de Hmor de Itabira, idealizado pelo então editor do Cometa

Psicólogo por formação acadêmica, jornalista e escritor por vocação, no final da década de 1970, ainda estudante de psicologia em Belo Horizonte, Lúcio Sampaio foi um dos itabiranos a liderar o movimento estudantil na capital mineira, tendo presidido o Diretório Acadêmico (DA) da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Foram momentos de grande tensão e mobilização estudantil na luta pelo fim da ditadura militar, pela anistia e convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte – e pela reconstrução da União Nacional dos Estudantes, fechada pela ditadura militar após o golpe de 1964.

Foi um movimento que marcou a história pela redemocratização do país com várias mobilizações de rua – e um evento que não aconteceu, mas que por isso mesmo virou histórico, o 3o Encontro Nacional de Estudantes, em 4 de junho de 1977, reprimido fortemente pelo aparato militar.

O Cometa

Linha do tempo: da criação do Cometa até 2023

Dois anos depois das manifestações estudantis de rua em Belo Horizonte,  Sampaio apareceu com a ideia de se criar um jornal em Itabira, uma forma de continuar participando, em sua cidade natal, da luta contra a ditadura e pela redemocratização, além de denunciar as mazelas itabiranas, como a devastação pela mineração, com humor e irreverência.

Foi nessa conjuntura que começou a circular a nova versão de um antigo jornal estudantil, O Cometa, dessa vez tendo o Itabirano acrescido ao seu nome.

Lúcio foi o seu criador, idealizador. Ele já tinha o jornal formatado em sua cabeça quando propôs a sua criação, fortemente inspirado no jornal O Pasquim, do qual era assíduo leitor e colecionador.

Capas históricas do jornal O Cometa

Lúcio foi também o responsável por trazer o poeta Carlos Drummond de Andrade de volta a Itabira, pelas páginas do jornal, ao ponto de o poeta escrever, em uma carta, que “ele era uma invenção do Cometa”, tantas eram as referências elogiosas à sua pessoa e à sua obra literária no jornal itabirano.

Carta do poeta: Meu Caro Lúcio Vaz Sampaio

Missivas

A troca de amabilidades entre Lúcio e o poeta teve início com a publicação da primeira carta de Drummond ao Cometa, em dezembro de 1979:

“Prezado Lúcio Vaz Sampaio: Grata surpresa O Cometa Itabirano. Espírito independente, diagramação moderna, impressão ótima. Gostei. Só que me pareceu um tanto … drummondiano em demasia. Claro que me tocou a generosa lembrança do meu nome em várias páginas.

Mas eu entendo que a missão de vocês deve ser antes crítica do que enaltecedora, e há muita coisa a fazer em defesa e benefício de nossa Itabira.

A entrevista com Dom Mário Gurgel, excelente. Dá que pensar o que ele observa com propriedade: as pessoas se interessam mais pela Vale do que por Itabira.

É lamentável isto. Outra coisa: com mais de 100 mil habitantes, Itabira ainda precisa imprimir seus jornais em BH! Quando teremos uma boa gráfica. Abraço cordial e agradecido do velho itabirano, Carlos Drummond de Andrade.”

No jornal, Lúcio Sampaio ficou como editor até dezembro de 1987, quando ele decidiu se dedicar exclusivamente à psicologia, depois de ser aprovado em concurso público, primeiro no governo do Estado, depois na Prefeitura de Itabira, que formava a primeira equipe de saúde mental no município.

Lúcio no apartamento de Drummond, em visita em visita ao poeta, em março de 1981 (Foto: Altamir Barros/Acervo O Cometa)

Luta antimanicomial

Juntamente com o psicólogo Marcelo de Castro e o médico psiquiatra José Romualdo Oliveira, a nova equipe de saúde mental da Prefeitura participou ativamente da luta antimanicomial no país, atingindo o seu ápice em 24 de novembro de 1992, com a instalação em Itabira do Centro de Atenção Psicossocial (Caps), um dos primeiros no estado de Minas Gerais.

Abertura da exposição Cartas aos Amigos, no Centro Cultural (Foto: Humberto Martins)

Com a implantação do Caps, Itabira deixou de ser a cidade que mais enviava “doidos” para tratamento nos hospitais psiquiátricos de Belo Horizonte e Barbacena. Foi quando as pessoas com algum tipo de sofrimento mental passaram a ser cuidadas na própria cidade, com atendimento humanizado junto aos seus familiares, pondo fim às internações compulsórias.

Lúcio trabalhou no Caps até se aposentar, há pouco mais de dois anos. Com a sua morte fica um legado importante para todos os que com ele conviveram, de uma pessoa culta, humanista e engajada politicamente tanto na profissão, como no jornalismo à frente da turma do jornal O Cometa Itabirano.

Serviço

Exposição: Cartas aos amigos – Lúcio Sampaio

Curadoria: Marconi Drummond

Pesquisa: Genin Guerra e Lelinho Assuero

Período expositivo: 12.07 a 09.08

Local: Galeria da FCCDA

Horário de visitação: 8h às 18h – Segunda a Sexta-feira

10h às 16h – Sábado e Domingo

Confira a programação do Festival de Inverno de Itabira aqui.

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