Cáritas Diocesana sugere condicionante que impediria a Vale de fazer uso da água do Rio Tanque com a transposição, mas Codema rejeita
Foto: Reprodução/ Aecom
Trecho do rio Tanque onde vai ser feita a captação de água para abastecer Itabira, atrair novas indústrias, com volume maior ficando com a mineração. Ausência de mata ciliar e assoreamento são recorrentes em vários trechos do rio
Carlos Cruz
Por entender que precisa haver maior controle social, além de ser uma concessão complexa, o representante da Cáritas Diocesana, professor Leonardo Reis, pediu a retirada de pauta do processo de anuência (declaração de conformidade), concedida pelo Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema) para uso e ocupação do solo por onde vai passar o emissário para a captação e transposição de 600 litros por segundo (l/s) de água do rio Tanque até a cidade de Itabira.
“Itabira sonha com essa transposição há mais de 40 anos, já estamos atrasados nessa conquista por culpa da Vale, que só agora está reconhecendo esse nosso direito”, protestou o conselheiro Sydney Almeida Lage, representante do Rotary no Codema, manifestando-se contrário ao pedido de vista.
“Eu era menino e já ouvia falar dessa necessidade. A população de Itabira e as autoridades deram a nossa água para a Vale. A transposição é necessária para Itabira crescer e desenvolver sem a mineração”, defendeu o conselheiro.
O pedido de retirada de pauta foi derrotado por 18 votos contrários pelos conselheiros do Codema, na reunião de sexta-feira (15).
Já a anuência foi aprovada com sugestões de condicionantes. Elas podem ou não ser acatadas pelos órgãos ambientais estaduais, que irão analisar tecnicamente o pedido de transposição.
Espera-se que isso ocorra com a urgência necessária que a situação de escassez hídrica em Itabira está a exigir.
Ajuste ministerial
Por força de um termo de ajustamento de conduta (TAC), firmado com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), a mineradora vai arcar com os custos de implantação do sistema de captação, adução e tratamento.
Para isso, será também construída uma nova Estação de Tratamento de Água (ETA), a ser instalada na região do Pousada do Pinheiro, bairro Campestre.
Essa transposição foi seguidamente postergada pela própria mineradora, sob o argumento de que, com a exaustão das Minas do Meio, Itabira teria acesso a água dos aquíferos Cauê e Conceição, de classe especial, tornando-se a cidade como uma das que mais teria recurso hídrico disponível para o abastecimento público e atração de novas indústrias em Minas Gerais.
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Mas isso ficou só na promessa. Se a promessao fosse real, e não de ficção, desde 2016, com a exaustão da mina Chacrinha, entre outras minas, essa água de classe especial já estaria disponível para a população de Itabira, jorrando nas torneiras das residências, além de servir para atrair novas indústrias que demandam pelo insumo.
No entanto, com as restrições para dispor rejeitos em barragens, principalmente depois que foi suspensa essa movimentação na barragem Itabiruçu, a Vale requereu e obteve licença ambiental do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) para passar a depositar esse material na cava exaurida.
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Com a decisão, foi sepultado o “legado” da água de classe especial que ficaria disponível para Itabira abastecer a sua população e promover a diversificação de sua economia, quando enfim se tornará independente da mineração.
Sem o prometido “legado”, e ainda por não ter cumprido as condicionantes da água da Licença de Operação Corretiva (LOC), restou à mineradora aceitar os termos do TAC proposto pelo MPMG.
Lei de Gerson
Mas como invariavelmente acontece nas “negociações” entre Itabira e a mineradora, que busca sempre levar vantagem em tudo que faz, como na famosa lei de Gerson, ex-craque da seleção de 70 , que assim dizia em propaganda de cigarro, a Vale conseguiu ampliar o projeto de captação para 600 l/s, quando inicialmente a previsão era de 200 l/s, suficientes para atender a demanda de Itabira por 30 anos.
Esse excedente, três vezes mais que o projeto inicial, que previa um parceria público-privada, cujo investimento seria pago pela população com aumento da tarifa de água, será utilizado pela mineradora em seu processo de concentração de minério de ferro.
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Em “troca”, a Vale assumirá o custo das obras, manutenção do sistema de captação, incluindo o gasto energético enquanto estiver utilizando desse recurso hídrico.
O Saae passaria a arcar com esse custo somente quando a mineradora não mais precisar desse insumo para as suas operações no complexo de Itabira. Ou seja, Itabira arcará com o custo dessa conta de energia assim que exaurir a mineração da Vale em seu território.
Críticas ao parecer da SMMA
No documento apresentado ao Codema, a Caritas Diocesana requereu a inclusão de condicionante que proíba a Vale de fazer uso dessa água da transposição. A sugestão foi rejeitada por 14 votos contrários.
Mas contraditoriamente foi aprovada a sugestão de condicionante da mesma entidade social e religiosa, limitando o volume de captação ao que for necessário ao abastecimento público e atração de novos empreendimentos, excetuando a mineração.
Se acatada essa sugestão de condicionante pelo órgão licenciador ambiental estadual, ela impedirá o uso desse recurso pela mineração. Mas é pouco provável de a sugestão ser acatada pelos órgãos ambientais estaduais.
A anuência concedida pelo município é premissa antes de o Estado conceder a licença ambiental para novos empreendimentos.
É uma garantia que o Estado requer para saber se o empreendimento está de acordo com a legislação, normas e regulamentos ambientais locais, o que inclui o uso e a ocupação do solo, como é o caso da transposição da água do rio Tanque.
Condicionantes
Para o licenciamento ambiental, o Codema apresentou sugestões de condicionantes, que podem ou não ser acatadas pelos órgãos licenciadores ambientais.
Além das sugestões apresentadas pelos técnicos da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMMA), foram incluídas outras, incluindo duas das condicionantes apresentadas pela Cáritas Diocesana.
Entre as sugestões está a que pede para ser dobrado o número de mudas que está no documento encaminhado pela Vale aos órgãos licenciadores estaduais, como forma de compensação ambiental pelo volume de árvores nativas que será suprimido, inclusive em áreas de preservação.
Entretanto, a sugestão dessa condicionante não explicita o local onde essas mudas devem ser plantadas como forma de compensação ambiental.
É preciso que isso ocorra na forma de reabilitação da mata ciliar ao longo do rio Tanque, que nasce limpo na serra das Bandeirinhas, região limítrofe ao Parque Nacional da Serra do Cipó, em Senhora do Carmo.
A partir do distrito, torna-se poluído por efluentes domésticos, por inexistência ainda de estação de tratamento de esgoto em Senhora do Carmo, além do assoreamento de seu leito.
Sem essa reabilitação, com as mudanças climáticas em curso e com o mau uso desse recurso hídrico, corre-se o risco de o rio definhar ainda mais, como já vem ocorrendo ao longo dos anos,
Historicamente isso ocorre pela ocupação irregular e pelo uso inadequado do solo em suas margens, principalmente com a abertura de áreas para pastagens, além de ocupações construtivas indevidas em suas margens.
Que a reabilitação da mata ciliar se torne uma das principais condicionantes ambientais dessa transposição, o que deve ocorrer desde a sua nascente até o rio Tanque desaguar no Santo Antônio, no município de Ferros, incluindo as margens descobertas nos municípios de Itambé e Santa Maria de Itabira.
Afinal, esses municípios também podem sofrer com a perda de vazão do rio, caso não ocorra essa reabilitação. Santa Maria abastece a sua população com água do rio Tanque.
Saiba quais são as condicionantes sugeridas pela equipe técnica da SMMA
- Priorizar a retirada dos indivíduos de Euterpe edulis (palmeira da qual se retira o palmito) sem corte e transplantá-la em local adequado para manutenção dos indivíduos adultos. A SMMA possui interesse em receber os sete exemplares da espécie para enriquecimento florestal do Parque Natural Municipal do Intelecto – PNMI;
- Apoiar junto a Prefeitura Municipal de Itabira e o Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Itabira – SAAE, no planejamento de alternativas que garantam o fornecimento de água tratada e o tratamento de efluentes domésticos das residências nas comunidades inseridas na área diretamente afetada pela intervenção ambiental proposta para instalação da adutora;
- Dar continuidade as ações de Educação Ambiental realizadas junto a Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Itabira durante as programações do calendário ambiental do município a ser realizadas preferencialmente nas Unidades de Conservação;
- Atender a Lei Estadual 20.922/2013, que em seu artigo 75o diz que o empreendimento minerário que dependa da supressão de vegetação nativa fica condicionado à regularização fundiária e implantação de Unidade de Conservação de Proteção Integral por parte do empreendedor, independentemente das demais compensações previstas em lei;
- Atender as legislações ambientais vigentes referentes as compensações ambientais, dando preferência para recuperação de APP na mesma sub-bacia hidrográfica e, prioritariamente, na área de influência do empreendimento ou na cabeceira do rio Tanque e recuperação de área degradada pela implantação do empreendimento.
Estão mais do que certos, há outros lugares para captar águas aos itabiranos que geram menos impacto ambiental como o previsto para o Rio Tanque, aliás, no Inverno o córrego do Tanque.