Bloqueio de R$ 500 milhões da Vale é para garantir reparação integral, não é para pagar por danos imediatos aos moradores do BV e NV, diz promotora.

Fotos: Carlos Cruz

Diferentemente do que foi noticiado pela imprensa local, e também pela nacional, a ação civil pública proposta pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) contra a mineradora Vale não pede a imediata indenização aos atingidos, até porque ainda não se sabe o número exato das pessoas que serão removidas para a construção da segunda Estrutura de Contenção a Jusante (ECJ), na barragem do Pontal.

O pedido de indisponibilidade de R$ 500 milhões de bens da mineradora visa assegurar direitos e a justa reparação aos moradores dos bairros Bela Vista e Nova Vista que serão removidos, como também aos que serão atingidos indiretamente mesmo permanecendo nesses bairros após a construção ECJ2.

A ação pede, também, mas só para o caso de ser necessária a remoção ou a evacuação emergencial de moradores, que a mineradora pague também um salário-mínimo para os adultos e meio salário para os menores de 18 anos (adolescentes), além de um quarto de salário para as crianças atingidas, entre outros benefícios.

Mas assim como a indenização, esse pagamento não está para acontecer de imediato, esclarece a promotora Giuliana Talamoni Fonoff, titular da 2ª Promotoria de Justiça da Comarca de Itabira, Curadoria do Meio Ambiente.

“Não é isso. Esse recurso é para assegurar a reparação integral dos atingidos no futuro, numa ação que é estruturante, que visa organizar e assegurar direitos em decorrência da construção da segunda ECJ não somente para as famílias que serão removidas, mas também para os moradores que permanecerem nesses bairros e que também serão impactados”, explica a representante do Ministério Público em Itabira.

“Vamos ter vários problemas pontuais e esse recurso é para assegurar a reparação integral pelos danos e impactos socioeconômicos decorrentes da perda de estabilidade (das estruturas internas alteadas à montante) no sistema Pontal”, acrescenta.

Da mesma forma, os recursos da ordem de R$10 milhões para ressarcir o município pelo atendimento de moradores que estão sofrendo com distúrbios à saúde física e mental em decorrência dessa pressão, somente serão utilizados visando fortificar o sistema de Saúde local, via Sistema Único de Saúde (SUS), em caso de necessidade.

“É inegável as repercussões negativas diretas na saúde mental dos moradores, nas relações sociais, econômicas e comunitárias. Já verificamos que a população desses bairros está sofrendo com o estresse, com depressão, ansiedade por conta de não saber quando e quem será removido. Se for mesmo necessário, o Ministério Público vai acompanhar a utilização desses recursos em prol da saúde desses moradores”, assegura a promotora de Justiça.

Giuliana Fonoff esclarece que o bloqueio é para assegurar as indenizações futuras aos atingidos direta e indiretamente pela construção de uma segunda ECJ e requer a imediata contratação de assessoria técnica independente aos moradores

Cadastro

O número de moradores que será diretamente atingido ainda não é sabido. A Vale não informa, diz que ainda não tem esse quantitativo exato. Esse é outro fator que tem gerado muita insegurança e incertezas entres os moradores desses bairros.

Entretanto, de acordo com dados informados pela mineradora ao MPMG, em documento denominado “Informações Socioeconômicas – Pontos de interesse para Remoção – Itabira – MG”, em 2 de abril de 2021, com a atualização do Plano de Ação de Emergência de Barragens de Mineração (PAEBM), cerca de 377 núcleos familiares já foram identificados como passíveis de remoção compulsória.

“Esses mesmos dados dão conta da existência de 1.227 pessoas, dentre as já cadastradas, que comporiam o quantitativo de pessoas a serem removidas compulsoriamente”.

Ou seja, “são pessoas atingidas já reconhecidas pela requerida (a mineradora), mas que para serem assumidos como válidos, dependem de análise pericial independente e imparcial para verificação da adequação e suficiência dos critérios adotados pela Vale”, sustenta o MPMG na petição inicial que deu origem à Ação Civil Pública.

“Esse número pode ser bem maior, uma vez que mesmo as famílias que não terão de sair para a construção da ECJ2 também sofrerão, como já estão sofrendo, com os impactos decorrentes”, sustenta a promotora Giuliana Fonoff. “Entendemos que não pode ficar nas mãos da do empreendedor a decisão de definir quem será indenizado.”

Indicação, apresentada pela Vale ao Ministério Público, das residências que terão de ser removidas para a descaracterização de estruturas internas e construção da ECJ2 (Fonte: Apresentação Vale, em 18/02/2021

Ação estruturante

Daí que a promotora considera a ação civil pública, a primeira aberta em Minas Gerais para assegurar a aplicação em sua integralidade da lei estadual 23.795, de 15 de janeiro de 2021, que trata da Política Estadual dos Atingidos por Barragens, como sendo estruturante de todo o processo de reparação integral aos atingidos, direta e indiretamente pela construção da ECJ2.

Além disso, outro objetivo dessa ação é assegurar a imediata contratação de uma assessoria técnica independente (ATI), que dará consultoria aos moradores, já na fase inicial de negociação.

“A nossa ação é a primeira instaurada no estado que se fundamenta na aplicação dessa lei em sua integralidade, principalmente para assegurar a contratação da ATI”, diz a representante do Ministério Público.

“Já existem decisões judiciais que determinaram que a Vale deve custear a assessoria técnica independente, que é uma instituição que vai auxiliar os atingidos nas negociações individuais e coletivas com a empresa”, conta a promotora.

Segundo Fonoff, a mineradora entende que essa ATI não se faz necessária – e que as negociações podem ser feitas individualmente, quando a legislação privilegia a negociação coletiva.

O entendimento do Ministério Público é que que as negociações podem ocorrer pelas duas formas. É a população que vai decidir. Mas para isso, é preciso ter acesso a todas as informações, o que não tem ocorrido, conforme testemunham vários moradores.”

Informações sem restrições

A primeira Estrutura de Contenção a Jusante está sendo concluída e tem impactado moradores do bairro Nova Vista (Foto: Aecom)

De acordo com a promotora, o direito à informação está também previsto na legislação estadual e não está sendo cumprido em sua plenitude. “As informações precisam ser repassadas aos moradores de forma imparcial, o que não tem ocorrido, principalmente pelo histórico que se tem de todos os acontecimentos relacionados à barragem em Minas. A população já não mais acredita na palavra das mineradoras”, constata a promotora.

Para Giuliana Fonoff, é a assessoria técnica independente que vai garantir aos moradores o acesso às informações técnicas, sociais e econômicas independentes, sejam elas provenientes da própria empresa, os órgãos do estado ou da auditoria técnica do Ministério Público, por meio da empresa Aecom do Brasil.

“A população desses bairros clama por informações confiáveis. Tivemos várias reuniões com moradores no ano passado e o que mais ouvimos foi eles dizerem não estão informando nada, portanto o direito à informação não está sendo respeitado”, relaciona a promotora.

O MPMG pede em juízo que a empresa banque também a assistência técnica à Promotoria de Justiça, para também vai acompanhar as negociações com os atingidos. “Além dessas duas assessorias, uma terceira pode ser contratada, e paga pela requerida, para servir como perito judicial”, explica a promotora.

Pois foi justamente pelo fato de a empresa não ter concordado, até aqui, em contratar essas assessorias que a ação civil pública foi proposta pelo MPMG. “A Vale só concordou com a contratação da assessoria técnica para cuidar dos interesses coletivos e não para assessorar as pessoas em suas causas individuais”, conta a promotora.

“Não concordamos, pois entendemos que a assessoria deve ser coletiva e individual, para assegurar não só a reparação financeira integral, mas também todos os direitos dos atingidos direta e indiretamente pela construção dessa segunda estrutura de contenção”, acrescenta a promotora.

Mas segundo ela, mesmo com a propositura da ação, ainda pode haver espaço de negociações com a empresa, encerrando o processo. “Sempre é possível (um acordo), desde que os direitos dos moradores estejam assegurados. Para isso, a empresa terá que recuar do seu ponto de vista que apresentou ao Ministério Público”, condiciona.

Comunicados

Na ação civil pública, o MPMG requer que seja determinado à Vale para que proceda à comunicação específica ao mercado de capitais, por meio de comunicação de fato relevante, dos fatos e dos pedidos constantes nessa peça inicial.

O comunicado deve ser divulgado na página “relações com o investidor” do sítio eletrônico da requerida na rede mundial de computadores.

Requer, ainda, que seja determinado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a divulgação aos agentes do mercado financeiro, por meio adequado, dos pedidos e dos fatos constantes na inicial da ação civil pública.

O que diz a Vale

Estruturas internas alteadas a montante estão sendo descaracterizadas no sistema Pontal com enorme impacto de vizinhança (Foto: Aecom)

Procurada pela reportagem deste site, por meio de sua assessoria de imprensa a Vale disse, na ocasião, em 26 de abril, ainda não havia sido citada sobre a abertura da ação civil pública pelo MPMG.

Mas esclarece que o sistema Pontal está paralisado e não mais recebe rejeitos desde março de 2019, encontrando-se em nível 1 de alerta pelo Plano de Ação de Emergência de Barragens (PAEBM), o que não representa risco iminente de rompimento.

“Os diques Minervino, 2, 3, 4 e 5 e o cordão Nova Vista compõem o Sistema Pontal, cujo processo de descaracterização foi iniciado em 2020. Dessas estruturas, o dique 5 já foi eliminado e não possui mais a função de barragem. Estão em processo de descaracterização os diques 3 e 4”, informa a empresa, que acrescenta:

“Além de consultores externos da Vale, todo o processo de descaracterização das estruturas a montante do Sistema Pontal está sendo acompanhado pelas autoridades competentes, auditoria técnica independente do Ministério Público de Minas Gerais e Prefeitura.”

E assegura ainda que “todos os requisitos legais estão sendo observados, inclusive aqueles voltados ao monitoramento, mitigação e controle de eventuais impactos.”

Perguntada sobre a denúncia do MPMG de que não estaria cumprindo a Lei Mar de Lama Nunca Mais, o que inclui a contratação da assessoria técnica independente, a empresa nada respondeu.

 

 

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2 Comentários

  1. Excelente reportagem e esclarecimento a respeito dos fatos, meu colega repórter Carlinhos Cruz. Trouxe para mim bastante respostas que venho procurando entender. Parabéns a você meu amigo, e espero que Deus continue a ti abençoar e iluminar, para que nossa cada vez mais, contribuir com a nossa sociedade Civil. Receba a minha gratidão e admiração pelo trabalho!!!

  2. Esse processo, pelo visto, irá se arrastar por pelo menos 5 anos. É muita burocracia para nos moradores dentro da área operacional que incluem 11 famílias e que a média de idade supera os 65 anos. “ISSO, MEDIA. PORQUE HA CASOS DE MORADORES, CUJA IDADE BEIRA 75 ANOS” Esse processo é longo e desumano pra nós com idade avançada. Peço encarecidamente que o ministério público se isente por ora das tratativas já em curso, referente a esse número de famílias.
    Acredito que o bom senso será prevalente por parte da empresa no quesito valores, uma vez q a operacionalizacao já se faz com certa frequência, (transito de veiculos leves, caminhoes e equipamentos de medio e grande porte) dificultando os trabalhos da mencionada e causando desconforto em nos moradores expostos aa essas ações. Sabemos da importância desse orgao publico e sua pertinente preocupacao com a comunidade. Nao obstante, recursaremos a esse respeitado orgao, caso nao logremos sucesso nas negociações .

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