Audiência pública da pilha de estéril da Vale teve críticas ao estudo de impacto ambiental e ao cerceamento da participação popular

Definitivamente não convenceram as explicações do superintendente Rodrigo Ribas, da Superintendência de Projetos Prioritários (Supri), da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), para a exclusão da Cáritas Diocesana como protagonista na audiência pública que precede o licenciamento ambiental da Pilha de Disposição de Estéril (PDE) Canga Sudeste, realizada virtualmente nessa quinta-feira (21).

Por uma manobra muito mal explicada, a Cáritas, que havia solicitado primeiramente a realização da audiência pública, juntamente com o Comitê Popular dos Atingidos pela Mineração em Itabira e Região, teve a autoria do requerimento negada após a Vale pedir o cancelamento do primeiro processo de licenciamento.

Após isso, um novo processo foi aberto, dessa vez sem que fosse incluída a instituição social e religiosa como autora do requerimento. Com isso, a Cáritas ficou impedida de se pronunciar por 30 minuto na abertura da audiência, assim como por mais dez minutos no encerramento.

A exclusão comprometeu o caráter democrático que deveria ser a essência da audiência pública, conforme salientou a ativista do Comitê Popular, a professora Tuani Guimarães. “Por mais que seja legal (a mudança do processo de licenciamento), é imoral por impedir a participação popular num processo que é público”, acentuou a ativista itabirana.

Com isso, mesmo tendo havido 591 inscrições para acompanhar a audiência, com 25 pessoas inscritas para se manifestarem, não se pode dizer que a audiência foi democrática e participativa. Isso mesmo com as restrições de um evento virtual que, por si, embora seja justificável em tempos de pandemia, é inibidor da participação popular.

O superintendente Rodrigo Ribas, da Superintendência de Projetos Prioritários, rebateu as críticas de Tuani Guimarães, mas não convenceu: “manobra” impediu que a Cáritas Diocesana fosse protagonista na audiência pública

Parceria

Com a abertura de novo processo de licenciamento, a Prefeitura de Itabira, ainda na administração do ex-prefeito Ronaldo Magalhães (PTB), virou autora do requerimento da audiência, ocupando espaço que deveria ser da Cáritas Diocesana.

O secretário de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, o advogado Denes Martins da Costa Lott foi quem se manifestou em nome da Prefeitura.

Com um pronunciamento vazio de conteúdo crítico, Lott acenou para uma nova forma de relacionamento com a mineradora, fazendo profissão de fé e esperança em um novo tempo de parceria, o que tem sido recorrente em todos os governos anteriores.

“Itabira pode virar vitrine da Vale para todo mundo”, disse ele, ao colocar a administração municipal como parceira “profícua” (sic) para ajudar a melhorar a imagem da mineradora.

Imagem que que está bastante desgastada, principalmente após o rompimento da barragem da mina de Córrego Feijão, em Brumadinho, no fatídico dia 25 de janeiro de 2019, resultando nas mortes de 269 pessoas, além de deixar um rastro de destruição irreparável em toda a extensão do rio Paraopeba.

No final da audiência, o secretário pelo menos assegurou que tudo que afete a vida população de Itabira é assunto a ser tratado pela Prefeitura, numa crítica velada à ex-secretária de Meio Ambiente, Priscila Braga Martins da Costa.

Em sua gestão, Priscila Braga agiu – e levou o Codema a reboque –, como se a mineração e os seus impactos ambientais não fossem da alçada do governo municipal em suas deliberações.

“De agora em diante, não mais haverá silêncio por parte da Prefeitura”, assegurou Denes Lott. Segundo ele, a sua pasta dará vez e voz à população itabirana que se sentir atingida pela mineração e por qualquer empresa estabelecida e ou que venha a se estabelecer no município.

Menos mal – e que comece a ouvir desde já os moradores que não se sentem seguros vivendo abaixo das barragens, mesmo com os reforços estruturais que a empresa terá de fazer para aumentar o nível de segurança dessas estruturas.

Denes Lott, secretário de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, propôs parceria para melhorar imagem da Vale, mas garantiu que nada relacionado aos impactos da mineração na cidade será alheio à sua pasta

Críticas

Outro episódio que chamou a atenção na audiência pública foi a intervenção do ex-gerente da Vale Joaquim Toledo, morador da Vila Técnica Conceição, que está a poucos metros à jusante do local da ampliação da pilha Canga Leste.

Toledo apontou falhas nos estudos prévios de impacto ambiental, realizado pela empresa Bicho do Mato. E pediu a sua revisão.

De acordo com ele, os moradores da Vila Técnica Conceição, assim como de Conceição do Meio, sofrerão impactos com ruídos acima de 60 decibéis, o que extrapola o nível aceitável.

Criticou também o fato de os estudos prévios não apontarem a poluição do ar como impacto decorrente do empreendimento. Segundo ele, a estação de monitoramento da qualidade do ar do bairro Fênix, que é a mais próxima, fica a três quilômetros do empreendimento.

E os dados apresentados por essa estação, entre 2018 e 2019, registraram índices oito vezes maior que o aceitável – o que indica que a poluição do ar nas comunidades vizinhas tende a agravar.

Joaquim Toledo criticou também o fato de a empresa Bicho do Mato não ter ouvido mais moradores das comunidades vizinhas. Outra crítica foi pelo fato de não ter sido realizada amostragem da qualidade da água do córrego Conceição, que está à jusante do empreendimento. E pediu a revisão do estudo de impacto ambiental, para que as medidas mitigadoras sejam de fato eficientes.

Por seu lado, o representante da Bicho do Mato assegurou que os cursos d´água provenientes da pilha não irão drenar para o córrego Conceição. “A água vai ser drenada pelos canais da pilha e conduzida para reservatórios da barragem do rio de Peixe para conter sedimentos, que depois retornarão para a pilha”, disse ele, que não respondeu se serão revistos os estudos de impacto ambiental.

O mesmo representante disse ainda que a poeira gerada pelo empreendimento, na fase de implantação, não terá forte impacto sobre as comunidades vizinhas, conforme estudo da dispersão de particulados.

“O vento sopra no sentido contrário da vila”, disse ele, sem mencionar o fato de que, no período de estiagem, é comum haver inversão térmica, que é quando os ventos sopram em todas as direções, aumentando o nível de “partículas de poeira de minério suspensa no ar”.

Antecedentes

José das Dores, morador da comunidade dos Bálsamos quis saber se a pilha é segura e se o sistema de drenagem é suficiente para impedir deslizamentos. A resposta foi positiva, pois será instalado um “eficiente sistema de drenagem interna e superficial para captar e conduzir as águas das chuvas”.

José Maria, da comunidade do Rio de Peixe, lembrou o rompimento na barragem homônima, que transbordou com as chuvas de 1979, causando a morte de cinco operários que trabalhavam no local.

O gerente de Geotecnia da Vale, engenheiro Quintiliano Guerra, atestou a segurança da barragem do rio de Peixe.

“O extravasor da barragem tem dimensionamento hidráulico suficiente para absorver volume de água que venha a ocorrer em maior volume mesmo daqui a 10 mil anos. E funciona como regulador do curso d’água para evitar alagamento e assegurar a vazão necessária, de acordo com as boas técnicas internacionais”, assegurou.

Disse ainda que o monitoramento geotécnico nas barragens da Vale é feito 24 horas por dia e nos sete dias da semana – e que é capaz de detectar com antecedência qualquer anomalia nas estruturas.

Impactos positivos

É fato que a ampliação da pilha de estéril Canga Leste se torna imprescindível para a continuidade das operações da Vale no complexo Conceição, com as suas duas usinas de concentração de minério.

Com isso, assegura a permanência de postos de trabalho, geração de tributos e royalties para os erários estadual e municipal, conforme ressaltou na audiência pública o gerente-executivo do Complexo Itabira, Daniel Daher.

Além disso, na fase de implantação, prevista para 14 meses, serão gerados 120 novos postos de trabalho temporários.  “A prioridade é a contratação de mão-de-obra e fornecedores locais”, assegurou Daher.

O gerente da Vale disse ainda que as admissões serão feitas pela empresa contratada para o empreendimento, por meio de recrutamento no Sistema Nacional de Empregos (Sine-Itabira).

Simbolismo

A audiência pública teve início às 19h e foi concluída às 21h24 do dia 21 do século 21. Um palíndromo de muitos significados, como bem disse Mauro Moura, colaborador deste site.

 

 

 

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2 Comentários

  1. Ontem tivemos um fato interessante no calendário:
    dia 21, 21 horas, 21 minutos, 21 segundos do século 21.

    Quanto a ter muita poeira ou não com essa nova montanha de rejeitos da Conceição, sim, eu acho que as pessoas que moram ali ao derredor vão comer um pó de minério de ferro arretado igual na Vila Paciência.

  2. Se a Semad atropelou a participação da Cáritas na Audiência, maculando a legitimidade da mesma, o Secretário Denes poderia fazer uma audiência para tratar do presente e futuro da Vale em Itabira. Este é apenas um dos problemas – há outros: água, fechamento/recuperação das áreas degradadas é descaracterização das barragens da Vale me parecem os principais.

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