Asilo político e narrativas de poder: como a direita brasileira explora o caso Nadine Heredia, ex-primeira-dama do Peru, exilada no Brasil

Foto: Luis Iparraguirre/
Presidência do Peru

Valdecir Diniz Oliveira*

O recente asilo político concedido pelo Brasil à ex-primeira-dama do Peru, Nadine Heredia, condenada a 15 anos de prisão por lavagem de dinheiro no escândalo envolvendo a Odebrecht, reacendeu debates acalorados no cenário político brasileiro.

A direita, liderada por figuras bolsonaristas, tenta explorar o episódio para traçar paralelos com a campanha contra a anistia dos golpistas de 8 de janeiro e, por extensão, do próprio ex-presidente Jair Bolsonaro.

Heredia, esposa do ex-presidente peruano Ollanta Humala, buscou refúgio na Embaixada do Brasil em Lima logo após sua condenação.

O governo brasileiro justificou o asilo com base em critérios humanitários, citando a necessidade de tratamento médico e a proteção de seu filho menor de idade.

No entanto, a oposição bolsonarista rapidamente rotulou o asilo como uma forma de ‘proteção a corruptos’.

Com isso, tenta criar uma narrativa que associe essa decisão ao governo Lula, desviando o foco da responsabilização dos golpistas de 8 de janeiro e, por extensão, promovendo a anistia como estratégia para livrar Bolsonaro de uma quase certa condenação, tornando-o elegível em 2026.

O Caso Nadine Heredia e a Lava Jato peruana

A condenação de Nadine Heredia está diretamente ligada ao esquema de corrupção envolvendo a Odebrecht, que também foi o pivô da Operação Lava Jato no Brasil.

A Lava Jato foi amplamente criticada por levar a condenações baseadas em indícios frágeis e delações premiadas sem provas concretas. Daí que acabou sendo desmantelada após diversas sentenças, incluindo as contra o presidente Lula, anuladas por falta de provas.

No Peru, o caso de Nadine Heredia apresenta semelhanças preocupantes. “A acusação não está lastreada em provas, apenas na palavra de um único delator, que está sendo questionado no próprio Peru”, sustenta o advogado de Heredia, Marco Aurélio de Carvalho.

Segundo ele, a condenação foi baseada apenas em delações premiadas e documentos controversos, como agendas atribuídas à ex-primeira-dama, cuja autenticidade e relevância são contestadas.

A defesa de Nadine Heredia e Ollanta Humala, acrescenta ainda que além das provas serem frágeis, o processo foi politizado, ecoando críticas feitas à Lava Jato brasileira.

No Brasil, casos emblemáticos que seriam resultados de corrupção, como o sítio de Atibaia e o tríplex no Condomínio Solaris, no Guarujá, litoral de São Paulo, foram amplamente questionados.

Tanto que as acusações relacionadas a esses imóveis não foram comprovadas, levando à anulação das condenações contra Lula. O tríplex, inclusive, foi leiloado para o pagamento de dívidas da construtora Odebrecht, reforçando a ausência de vínculo direto com o ex-presidente.

Esses episódios no Brasil servem como referência para Humala, que optou por não pedir asilo político, acreditando que as acusações contra ele, serão desmascaradas judicialmente.

A decisão de Humala reflete sua confiança na possibilidade de reverter a condenação, que, segundo seus advogados, carece de provas robustas e segue um padrão de politização semelhante ao observado na Lava Jato brasileira.

A estratégia bolsonarista e a resposta do governo Lula

A direita brasileira tenta usar o caso Heredia para reforçar sua narrativa de que o governo Lula estaria “protegendo corruptos”, enquanto promove uma campanha contra a anistia de golpistas.

Essa estratégia busca confundir a opinião pública, equiparando episódios distintos e desviando o foco das investigações sobre a tentativa de golpe de Estado liderada por apoiadores de Bolsonaro – e pelo próprio ex-presidente.

O governo Lula, por sua vez, tem a oportunidade de desconstruir esse discurso ao destacar as diferenças fundamentais entre os casos. Enquanto o asilo de Heredia segue normas internacionais, como a Convenção de Caracas, a campanha contra a anistia dos golpistas é uma questão de defesa da democracia e do Estado Democrático de Direito.

Além disso, o governo pode reforçar que o Brasil tem uma tradição de acolhimento humanitário, como no caso de Heredia, e que a decisão foi tomada com base em critérios técnicos e legais, sem interferência política.

De todo modo, o caso Nadine Heredia expõe não apenas as fragilidades do sistema judicial peruano, mas também as estratégias da direita brasileira para manipular narrativas e desviar o foco de questões centrais, como a responsabilização de golpistas.

Uso de avião da FAB

O governo Lula, por meio do Itamaraty, justificou a vinda da ex-primeira-dama do Peru, Nadine Heredia, ao Brasil em um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) com base em razões humanitárias.

Segundo o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, Nadine estava em recuperação de uma cirurgia grave na coluna vertebral e acompanhada de seu filho menor de idade, que ficaria desprotegido, já que o pai, o ex-presidente Ollanta Humala, está preso no Peru.

O uso do avião da FAB foi explicado como uma necessidade logística para garantir rapidez e segurança na transferência de Nadine ao Brasil, especialmente considerando o contexto delicado de sua saúde e a urgência do caso.

Além disso, o governo peruano concedeu um salvo-conduto para que Nadine pudesse deixar o país, o que foi interpretado como uma concordância entre os dois governos

Diferenças fundamentais

Cabe ao governo Lula comunicar de forma clara e objetiva as diferenças entre os episódios, reafirmando seu compromisso com a democracia e a justiça.

É essencial evitar que se repita o erro histórico cometido durante a transição democrática, quando o Brasil, por meio da Lei da Anistia de 1979, deixou de responsabilizar torturadores e assassinos que atuaram sob o comando da ditadura militar (1964-85).

Essa decisão, amplamente criticada, permitiu que crimes graves contra os direitos humanos fossem esquecidos, criando um precedente que ainda ecoa na política nacional nas vozes dos golpistas que participaram dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro e que buscam, por meio de casuísmos políticos, escapar da responsabilização judicial.

A tentativa de anistiar esses indivíduos não apenas desrespeita os princípios democráticos, mas também abre caminho para que figuras como Jair Bolsonaro, diretamente implicadas na tentativa de golpe, possam evitar condenações e, com isso, se tornarem elegíveis para as eleições de 2026.

Ditadura, nunca mais!

O governo Lula tem a oportunidade de desconstruir essa narrativa ao reforçar que a anistia não pode ser usada como ferramenta para apagar crimes contra a democracia.

Ao contrário, é necessário reafirmar que a justiça deve prevalecer, garantindo que os responsáveis pelos ataques às instituições democráticas sejam devidamente punidos.

Essa postura não apenas fortalece o Estado Democrático de Direito, mas também impede que o Brasil volte a cometer os mesmos erros do passado, perpetuando a impunidade e enfraquecendo os valores democráticos duramente conquistados e que ainda precisam ser consolidados.

*Valdecir Diniz Oliveira é cientista político, jornalista e historiador

 

Posts Similares

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *