As lágrimas de um corpo celeste caídas na Cordilheira do Espinhaço até a Cidadezinha

Por Cristina Silveira

Um – Quase uma repetição

Nostradamus (1503-1566), o francês, era boticário, médico, autor, tradutor, consultor, astrólogo e vidente. Ingressou no curso de medicina da Universidade de Avignon aos 14 anos, mas deu xabú. Um ano depois, a Peste Bubônica, ou Peste Negra, fechou as portas da universidade.

Nostradamus, by Cesar. No destaque, meteoro visto em MG em 15 de janeiro deste ano (imagens: acervo de Cristina Silveira e Reprodução)

Nostradamus tirou proveito do tranca-rua ao viajar por oito anos pelo interior da França, a pesquisar a flora para o uso medicinal. Em 1529, começa o doutorado em medicina, na Universidade de Montpellier, mas se ferrou. Quase no final do curso é denunciado por ser boticário, atividade proibida pelos estatutos da universidade. Foi expulso, uma injustiça.

Em 1534 a Peste Negra chega à sua cidade, Saint-Rémy-de-Provence. O médico Nostradamus combateu o árduo combate contra a pandemia, ganhou respeito pelo empenho e fama ao criar a miraculosa “Pílula Rosa”, preventivo contra a doença.

O sucesso d’ As Profecias fez dele um homem riquíssimo e celebridade, entre populares e nobres era adorado. A poderosa mãe de três reis, Catarina de Medici, pagou pelo mapa astral dos filhos e para servir de conselheiro e médico da família, incluindo o filho Carlos IX, o rei de França.

Ainda vivo foi desmoralizado como astrólogo. No século 20, As Profecias foram estudas e constatou-se que tudo era tradução livre ou paráfrase – que ia de Galeno a Savonarola – que hoje se conhece como plágio.

Para o ano de 2021 o vidente previu uma chuva de meteoros que destruiria a Terra. Errou. E o pior, não sabia de ecologia e não previu a Covid-19 no século 21. Mas foi um grande médico e boticário!

Dois – O meteoro de 24 de julho de 1886

“Havendo notícia de ter sido observado no Serro, de Minas Gerais, a 24 de julho último, um meteoro notável, procurou o sr. dr. Orville Derby, no interesse dos estudos desta classe de fenômenos, coligir informações à cerca do mesmo meteoro, tendo achado para este fim valiosa cooperação da parte do sr. Raymundo Augusto da Silva, negociante estabelecido na cidade daquela denominação, de quem o nosso Museu Nacional tem recebido, em diversas épocas, concurso prestante.

O sr. dr. José C. Tocantins, promotor público da comarca do Serro, informou do seguinte modo: ‘Pouco depois de 9 horas da noite, achava-me à janela, que dá para o norte, quando vi elevar-se de nordeste um grande globo ígneo, com diâmetro aparente de mais de metro, o qual, depois de oscilar por dois ou três segundos tomou direção rápida para o sueste, despedindo na sua carreira faíscas ou lágrimas, à maneira dos nossos balões.’

‘Estas faíscas extinguiam-se de pronto, parecendo o corpo luminoso nada perder do seu volume. A luz do meteoro era de cor prateada, e viva sem ser cintilante, tão viva que ofuscou a luz de um lampião de querosene, que se achava ao meu lado.’

‘Parecia o meteoro ter-se aproximado muito da terra, tendo durado cinco segundos a sua passagem. Logo após o desaparecimento ouviu-se distintamente um ruido, semelhante em tudo ao de trovão longínquo, durando o mesmo ruido ou trovoada surda por mais de cinco minutos, e enchendo de terror a população.’

O reverendo vigário Joaquim Gomes assevera que no Patrocínio, 15 léguas a leste da cidade, foi visto àquela hora o meteoro, sendo medonho o terror da população, a qual mais se assustou com o rugido do que com a intensidade da luz. O meteoro dirigiu-se de nordeste para sueste, tendo surgido do horizonte com oscilações e tomando depois direção rápida, sem ter deixado rastro luminoso.

Da cidade do Serro escreveu o sr. major Jacintho Pereira Magalhães e Castro: ‘O trajeto do grande corpo foi de nordeste para sueste. O volume pareceu-me pouco maior do que a lua cheia e a luz incontestavelmente mais clara e mais forte do que a do nosso satélite.’

‘Logo após a passagem ouviu-se por mais de cinco minutos a detonação de trovoada longínqua, surda e arrastada. Observei que o meteoro fez como que uma parada, e imediatamente elevou se com grande rapidez, sendo neste momento que se manifestou o seu maior volume.’

Noticias Telegraphicas: notícia do meteoro que caiu na Cordilheira do Espinhaço, nesta região do Mato Dentro, em 24 de julho 1887 .(Jornal de Recife, PE, 30-01-1887)

‘Pareceu-me que nesse instante tinha o meteoro o apêndice de um corpo ou cabo preto, mais ou menos de um metro do qual se escapavam lágrimas ou faíscas que logo se extinguiam. Acompanhei toda a carreira do meteoro, pois me achava em nossa farmácia voltada para o norte, e por isto posso assegurar que ele não se dividiu. Sei que o fenômeno foi observado nas cidades de Montes Claro, Minas Novas, Suassuhy, Diamantina e Caeté, algumas das quais distam daqui mais de cinquenta léguas.’

De São Gonçalo, entre Serro e Diamantina, escreveu o sr. Matheus Nogueira Brandão: ‘O meteoro foi visto de muitas povoações do norte da serra de Itambé, desde Serro, Três Barras, S. Gonçalo e Diamantina até Montes Claros e outros pontos do sertão.’

‘Todos quantos foram surpreendidos pela manifestação do fenômeno, concordam no indicar para a trajetória do astro a direção do norte para o nascente. O seu aspecto e volume, segundo dizem, eram comparáveis aos da lua cheia, dividindo-se o meteoro em dois globos luminosos e depois em numerosas lágrimas semelhantes às dos fogos de artifício.’

‘Em algumas localidades, Serro, Diamantina, Itabira, etc., ouviu-se detonação surda e arrastada como de trovoada longínqua. Aqui, porém, foram acusadas fortes detonações sucessivas após o clarão, que durou segundos, produzido por luz azulada que me fez lembrar a de focos elétricos.’

Notando que a discrepância sensível destes dados versa sobre a divisão do meteoro, positivamente afirmada pelo observador de S. Gonçalo e negada por um dos da cidade do Serro, presume o sr. Derby que o fato será talvez explicável por se achar mais próxima àquela localidade de sítio onde o corpo deve ter caído, o que ainda parece indicado pela intensidade das detonações dali ouvidas.

Outro dado interessante é a parada ou oscilação do corpo luminoso, afirmada por dois observadores: o que constitui fenômeno até agora não notado em relação a nenhum outro meteoro.

É muito para desejar (pondera o sr. Derby em nota que nos dirigiu), não só que outras informações possam ser recolhidas quanto ao fato da divisão do meteoro, mas também que concorram, quanto à parada do corpo luminoso, seu aspecto e, outras particularidades, testemunhas de Montes Claros, Suassuhy, Patrocínio, Diamantina, Conceição e Itabira, particularmente das localidades situadas à leste da estrada que vai do Serro à Diamantina, onde é possível tenha caído o meteoro e talvez fragmentos tenham sido apanhados.

No interesse da ciência deseja o sr. Derby que tais testemunhas lhe sejam comunicadas bem como lhe sejam remetidas pelas competentes administrações as folhas locais que hajam publicado notícia do fenômeno.”

[Jornal de Recife (PE), 1 de janeiro de 1887. Hemeroteca da BN-Rio]

 

 

 

 

 

 

 

 

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