Após nove meses da retirada do nível 1 de emergência, Vale ainda não sabe quando reinicia obras de alteamento de Itabiruçu

Carlos Cruz

Mesmo depois de ter sido retirado o nível 1 de emergência da barragem de Itabiruçu, em 11 de fevereiro deste ano, com a concordância do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), com base em parecer da Aecom do Brasil, a Vale ainda não sabe quando irá reiniciar as obras de alteamento da barragem Itabiruçu para a cota 850 metros em relação ao nível do mar. A cota atual é de 836 metros.

De acordo com relatório técnico assinado por consultores do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), João Carlos de Melo, e do Sindicato da Indústria Mineral do Estado de Minas Gerais (Sindiextra), Francisco de Assis Lafetá Couto, anexado ao processo de regularização da barragem Itabiruçu, construída em 1980, o seu projeto original previa que a estrutura só seria alteada até a cota 833 acima do nível do mar. Já está, portanto, três metros acima dessa projeção inicial.

Leia aqui Itabiruçu foi projetada para ser alteada só até a cota 833, é o que diz relatório técnico

Obras foram paralisadas há mais de dois anos e não há prazo para retorno do projeto de alteamento (Fotos: Reprodução e Carlos Cruz)

Para prosseguir com as obras, a mineradora depende do sinal verde da Agência Nacional de Mineração (ANM) – e também da curadoria de Meio Ambiente da Comarca de Itabira, o que ainda não aconteceu. Técnicos da agência reguladora das atividades minerárias acompanham os estudos geotécnicos realizados na barragem desde que as obras foram paralisadas em 30 de setembro de 2019.

Esse aval ela ainda não obteve mesmo depois de ter comunicado ao mercado, em 23 de fevereiro, a retirada do nível de emergência que pesava sobre a estrutura, podendo inclusive retornar com a disposição de rejeitos na barragem.

No comunicado ao mercado, a Vale informa que a retirada do nível de emergência ocorreu “após profunda análise sobre suas caraterísticas geotécnicas.” E que “a partir desse momento, a barragem está desinterditada e dentro dos parâmetros legais de segurança.”

Ainda segundo a mineradora, a retirada nível de emergência veio após a realização de uma extensa campanha de investigação geotécnica da estrutura, que teve duração de cerca de um ano.

“Nesse período, com o apoio das empresas especializadas, foram realizados diversos estudos de fundação, geologia, método construtivo, entre outros, que indicaram, com maior precisão, as condições atuais da barragem.”

Estágio atual

A promotora Giuliana Fonoff propôs o TAC no bojo da ação civil das barragens

Procurada pela reportagem deste site, a promotora Giuliana Talamoni Fonoff, curadora do Meio Ambiente, disse que ainda não há previsão para o retorno das obras de alteamento, mesmo com a retirada do nível 1 de emergência.

“Entendo que a intenção da Vale é altear (a barragem), mas o estágio atual é de elaboração e análises de projetos”, respondeu a promotora quando indagada se o MPMG já havia dado o sinal verde para o reinício das obras de alteamento.

Sobre o retorno das obras de alteamento, a Vale é evasiva em sua resposta a este site, sem apresentar data para o reinício. “O estudo para a retomada do alteamento da barragem Itabiruçu, do Complexo Itabira, em Itabira-MG, está em desenvolvimento e leva em consideração todos os requisitos técnicos atuais e as boas práticas de engenharia na elaboração do projeto geotécnico, um trabalho que é acompanhado pela Aecom.”

Acrescentou ainda que a “barragem Itabiruçu possui Declaração de Condição de Estabilidade (DCE) vigente e é monitorada permanentemente pelo Centro de Monitoramento Geotécnico (CMG) e por diversos instrumentos, além de ser submetida a inspeções rotineiras de campo.”

Avaliações

Obras de alteamento foram paralisadas em setembro de 2019 com o aparecimento de fissuras na estrutura

De acordo com relatório da Aecom encaminhado ao Ministério Público, a concordância com a retirada do nível 1 de segurança se deu após quase 20 meses de conhecimento da estrutura, por meio de uma campanha de investigação sobre a fundação, assim como também da instrumentação da barragem (piezômetros, inclinômetros, radares etc.).

Foram realizados também estudos de tensão e de deformação da estrutura por três empresas (Engecorps, BVP e Walm), que monitoram e realizam estudos geotécnicos na barragem desde o surgimento das trincas. Os resultados desses estudos foram também encaminhados à ANM.

Ainda de acordo com relatório da Aecom, as deformações máximas esperadas para cada inclinômetros, com base no modelo de tensão e deformação, foram apresentadas pela empresa Engecorps. Já a empresa 3GEO avaliou a margem de erro para cada instrumento e profundidade de leitura.

“As providências recomendadas na auditoria foram atendidas pela Vale. Mas o que será feito daqui para frente, ainda não fomos comunicados”, disse a promotora, ao comentar com a reportagem sobre a suspensão do nível 1 de emergência.

Somente com o aval do MPMG e a aprovação da ANM –  e “após o desenvolvimento de todos os requisitos técnicos atuais e as boas práticas de engenharia na elaboração do projeto geotécnico”, conforme informa a Vale, é que haverá o sinal verde para o alteamento da barragem Itabiruçu.

“A Vale já foi recomendada para que, antes de retornar com as obras, que faça um comunicado também à sociedade itabirana”, disse a promotora. É o mínimo que se espera.

Barragem já passou por sucessivos alteamentos

Itabiruçu foi projetada para ser alteada até a cota 833. Com o alteamento deve atingir a cota 850 metros acima do nível do mar

Desde que foi instalada na década de 1980, Itabiruçu passou por sucessivos alteamentos. Um dos últimos ocorreu recentemente com a elevação da cota 833 para 836, para o qual a Vale obteve Licença de Operação Corretiva (LOC), aprovada após a execução da obra.

Mesmo assim, por insistência deste site, e por requerimento do vereador Neidson Freitas (MDB), então presidente da Câmara Municipal, foi realizada uma reunião, arremedo de audiência pública, para tratar da LOC da barragem em Itabira, em 28 de julho.

Leia mais aquiReunião com a Vale é encerrada com interrupção do pronunciamento do gerente Rodrigo Chaves

Já a licença ambiental para o último alteamento da barragem foi obtida pela Vale junto ao órgão ambiental, em 30 de outubro de 2018, depois de receber parecer favorável da Superintendência de Projetos Prioritários (Supri).

Leia também aqui: Licença ambiental para o alteamento da barragem do Itabiruçu é aprovada pelo Copam

Advertências

Na aprovação da licença ambiental pelo Copam não foram consideradas as objeções e os pedidos de esclarecimentos apresentados na reunião pública da LOC.

Para a sua aprovação, o órgão ambiental estadual desconsiderou também as advertências do engenheiro Antônio Carlos Lambertini, que foi responsável por uma das etapas do alteamento da barragem.

Lambertini renunciou da função em maio de 2015, depois de apontar falhas e imperfeições geotécnicas na barragem. E encaminhou denúncia ao Ministério Público Federal (MPF) e ao Conselho Regional de Engenharia (Crea), ambos no estado de São Paulo, onde reside o engenheiro.

Para saber mais, leia também aqui Consultores analisam situações de risco das barragens no vale do rio de Peixe, em Itabira

Posteriormente à aprovação da licença ambiental, a Aecom apresentou relatório ao Ministério Público com a recomendação para paralisar as obras de alteamento de Itabiruçu. Isso por terem sido constatadas fissuras e rachaduras em sua estrutura, além de falhas geológicas no terreno onde a barragem está localizada.

Alteamento

Tabela com os volumes de rejeitos e água nas diferentes etapas do alteamento de Itabiruçu (Fonte: Supri/Semad)

Caso aconteça a elevação do nível da barragem para a cota 850, como é o projeto da Vale, o alteamento será executado pelo método à jusante, considerado mais seguro.

Consta ainda do projeto a instalação de drenagem profunda, alteamento do muro lateral direito da calha do vertedouro operacional, reconstrução da estrada de acesso principal e o alteamento da torre do vertedouro operacional.

Com o alteamento, o “volume máximo previsto em projeto de armazenagem será de 313 milhões de metros cúbicos (Mm³)”, conforme confirma a Vale em resposta à reportagem deste site, em 29 de agosto de 2019.

Leia aqui: Itabiruçu já comporta 222,9 Mm³ de rejeitos e água, registra a Supri. Volume só deveria ser alcançado com o alteamento

Até então, era divulgado um volume atual do reservatório de 130,7 Mm³ – e que a capacidade máxima do projeto seria de 223 Mm³, conforme consta no cadastro nacional de barragens da ANM.

Só que pela tabela apresentada em relatório da Supri (leia aqui), com base em estudo de impacto ambiental realizado pelo empreendedor, Itabiruçu já dispõe dessa capacidade de armazenamento.

A mineradora sustenta também que o volume máximo de 313 Mm³, apresentado pela Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam), é “coerente com a ocupação máxima, previsto em projeto e que foi também divulgado”.

 

 

 

 

 

 

 

 

Posts Similares

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *