Após negociar minério da Serra Serpentina com a Anglo, Vale dá início a processo de licenciamento ambiental para ampliar minas de Itabira
Carlos Cruz
Depois de desistir de trazer “minério rom” da Serra da Serpentina, localizada em Conceição do Mato Dentro, para ser processado nas plantas de concentração Cauê e Conceição I e II, em Itabira, a Vale já está com processo de licenciamento ambiental para ampliar s cavas das minas Conceição e Minas do Meio, junto à Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam).
Essa ampliação é uma forma de a mineradora ampliar, ou manter, a produção local nos níveis atuais, chegando a 30 milhões de toneladas/ano (Mta) – sendo que as três plantas têm capacidade produtiva de 50 Mta –, como também prolongar o horizonte temporal de exaustão das minas de Itabira, previsto para 2041, conforme foi divulgado à Securities and Exchange Commission (SEC), por meio do relatório Formulário 20 (Form-20), em 2022 e reiterado no ano passado.
Esse horizonte de exaustão pode se estender até 2060, o que deve ser relatado nos próximos relatórios, se não em abril deste ano, certamente nos próximos anos, conforme adiantou o ex-diretor José Martins Viveiros, em 2003, na Acita, com base nas prospecções geológicas realizadas no início deste século, quando as reservas de Itabira saltaram de 677 milhões de toneladas para 1,135 bilhão de tonelada.
Lavra subterrânea
Isso fora os recursos ainda disponíveis, a exemplo da hematita remanescente que estaria abaixo do itabirito duro, na mina Conceição, com o veio se estendendo até a mina Chacrinha, “uma inversão da geologia só encontrada em Itabira”, segundo um geólogo aposentado da Vale, ouvido pela reportagem na condição do anonimato.
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Conforme explica esse geólogo, normalmente o itabirito fica abaixo da hematita concentrada nas camadas superiores, como ocorreu no pico do Cauê, cuja cava encontra-se exaurida desde 2003, sem que a Vale comunicasse esse “fato relevante” a Itabira, fugindo do compromisso com o descomissionamento da mina, que já deveria ter tido início, conforme projeto apresentado em 2013 ao antigo Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM).
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“O processo geológico normal concentra o ferro da rocha inferior em direção à superfície. Para se ter uma camada ou lente de hematita rica abaixo do itabirito precisa ter havido uma inversão das camadas, por ruptura tectônica”, admite esse mesmo geólogo. “No preço que está o minério de ferro e o custo de extrair e esticar estéril na lavra a céu aberto, isso pode justificar a lavra subterrânea”, acrescenta.
A mineradora não confirma essa ocorrência de remanescente de hematita em Itabira, mas também não nega. “Os estudos da Vale para o aumento do aproveitamento das reservas indicadas estão em constante evolução. Esses estudos levam em consideração aspectos tecnológicos ambientais, legais e sociais”, explica.
“Após conclusão de viabilidade, os resultados serão submetidos ao processo de obtenção das licenças requeridas para a continuidade de qualquer empreendimento da empresa”, respondeu a mineradora à reportagem deste site, em janeiro de 2021.
Ampliação
É o que agora acontece, não necessariamente, ainda, para viabilizar a exploração dessa lâmina remanescente de hematita, por meio de cava subterrânea, mas expandindo as minas Conceição e Minas do Meio. Para essa expansão, a Vale já deu entrada ao pedido de licenciamento ao órgão ambiental estadual.
“A Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) informa que em 2 de agosto de 2023, a Vale S.A formalizou processo visando a regularização ambiental da ampliação das Cavas Conceição e Minas do Meio, na modalidade de licenciamento ambiental concomitante (Licença Prévia + Licença de Instalação + Licença de Operação)”, informa a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), em resposta à reportagem deste site.
A mineradora confirma à reportagem o pedido de licenciamento, assegurando que essa ampliação não implicará na remoção de moradores de bairros vizinhos, conforme havia indagado a Agência Nacional de Mineração (ANM), em junho de 2021, antes de aprovar o novo plano econômico para as minas de Itabira. Foi quando solicitou relatório circunstanciado de todas as suas reservas e recursos existentes nas minas e nas barragens do complexo minerador de Itabira.
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O relatório solicitado foi uma exigência da agência reguladora para revalidar a licença operacional do chamado Grupamento Mineiro de Itabira, com base no novo plano de aproveitamento econômico apresentado pela mineradora.
Sem fazer referência a esse relatório, sobre o qual este site cobrou a sua divulgação por ocasião da cobrança da ANM, a Vale esclarece “que o projeto de ampliação das cavas de Conceição e Minas do Meio, que está em análise pelo órgão ambiental, será desenvolvido nos limites do Complexo Itabira, em propriedades da empresa, numa área de 1.148,60 hectares, sendo a maior parte antropizada, e já com atividades minerárias”.
Diz ainda que não haverá intervenção em Reserva Legal ou em Reserva Particular de Patrimônio Natural (RPPN). “De acordo com os estudos ambientais desenvolvidos, os impactos levaram em consideração os meios físico, biótico e socioeconômico e apresentam medidas de controles ambientais e propostas de monitoramentos. A ampliação do pit das cavas não prevê aumento da produção licenciada, nem realocação do trecho da ferrovia.”
Faltou à mineradora explicar se essa não realocação da ferrovia tem a ver com mudança ou supressão de condicionante, imposta pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) com a antecipação da concessão ferroviária – e autorizado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), em julho do ano passado, da antecipação, que prevê a eliminação das passagens de níveis ferroviários em áreas urbanas, como é o caso da Vila Paciência, Vila Amélia e Areão, em Itabira.
Exaustão mineral
“Importante reforçar que a projeção da exaustão das minas do Complexo de Itabira, conforme divulgado no Relatório 20F, foi ajustado para até o ano de 2041 em função da revisão dos planos estratégicos de lavra e de produção da empresa”, reforça a mineradora, que prossegue:
“Os estudos para aumento do aproveitamento das reservas minerais, bem como para os planos de fechamento de mina, estão em constante evolução. Além disso, é importante ressaltar que a Vale tem se dedicado às ações que busquem o desenvolvimento de oportunidades para o município de Itabira dentro do conceito de visão sistêmica e integrada”, salientou a mineradora.
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Negócio da China com a Anglo
Coincidentemente ou não, a ampliação das minas de Itabira vai ocorrer depois de a Vale fechar parceria com a Anglo American do Brasil, pela qual incorpora 4,3 bilhões de toneladas de itabirito friável da mina da Serra de Serpentina, pertencente à Vale, ao complexo minerador local, “que já tem bom relacionamento com a comunidade”, segundo a CEO da multinacional anglo-americana, Ana Sanches, em entrevista à revista Brasil Mineral, em uma clara indireta à Vale que tem tido atritos com inúmeras comunidades vizinhas.
A negociação foi concluída recentemente, mas já havia sido antecipada por este site, quando a Vale, em resposta a questionamento do Conselho Municipal de Meio Ambiente, (Codema), provocado por este repórter, em reunião no dia 11 de novembro de 2022, confirmou que não mais traria itabiritos da Serra da Serpentina, em Conceição do Mato Dentro, para ser processado nas plantas de concentração de Cauê e Conceição I e II.
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Em troca do minério da Serra da Serpentina, a Vale passa a ter 15% do empreendimento minerário da Anglo em Conceição do Mato Dentro.
A incorporação foi considerada bastante positiva para a multinacional anglo americana, que passará a “processar um material friável da Serra da Serpentina, mais fácil de ser processado e beneficiado, pois é menos compacto, com teor médio de 40% de ferro, bem mais valorizado que os recursos remanescentes do empreendimento original, com itabiritos mais pobres, com teor de ferro na ordem de 32%”, ressaltou efusivamente a CEO da Anglo.
Mais vantajosidade para quem?
“Outro aspecto positivo é que em Conceição não existirão duas mineradoras operando, mas apenas a Anglo que já mantém boas relações com as comunidades de Conceição”, diz a CEO da multinacional, numa sub-reptícia crítica à Vale, que mantém relações conflituosas com muitas comunidades onde opera, agora parceira econômica da Anglo no vizinho município mato-dentrense, como um dia Itabira foi também do Mato Dentro.
A negociação entre as mineradoras já foi aprovada pelo Conselho de Administração da Vale. Só falta agora receber o sinal verde do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), caso não veja cartelização nessa fusão.
“Vender 85% de uma reserva world class de 4 bilhões de toneladas no seu quintal para um concorrente estrangeiro é demais para uma empresa que já foi âncora do desenvolvimento brasileiro”, critica esse mesmo geólogo aposentado da Vale ouvido pela reportagem.
Com a incorporação, a capacidade produtiva do projeto Minas-Rio, hoje de 26,5 Mta, pode saltar para 31 Mta, que é a capacidade máxima do mineroduto até o litoral fluminense – um incremento com certeza menor se ocorresse o beneficiamento do minério da Serra Serpentina nas plantas de Itabira.
“Tudo isso em troca de apenas 15% do empreendimento minerário em Conceição do Mato Dentro, o que para mim é crime de lesa pátria e contra Itabira, que perde a possibilidade de continuar com as plantas de concentração beneficiando o minério da Serpentina”, diz esse mesmo geólogo, conhecedor do processo de fusão e do futuro incerto que Itabira vive com a exaustão iminente de suas reservas e recursos minerais, sem que a Vale dê início à implantação do Plano de Fechamento das Minas locais, processo já iniciado com a exaustão da mina Cauê, em 2003..
“Um ramal ferroviário ou mineroduto traria o minério de Serpentina para ser beneficiado em Itabira e o rejeito ocuparia as cavas das minas exauridas, sem interferir tanto no meio ambiente. Essa transposição não afetaria a economia de Conceição do Mato Dentro, que receberia os royalties da Cfem, além dos empregos na mina”, observa essa mesma fonte, que considera a fusão prejudicial aos interesses dos acionistas da Vale.
“É vergonhosa. A Vale fez Carajás, S11D e tantas outras obras grandiosas de mineração. Agora não consegue desenvolver um recurso no seu quintal. A Anglo ia micar (sem essa fusão), pois não tinha reserva por muito tempo. Só itabirito duro de baixo teor de ferro”, observa esse mesmo geólogo.
“Agora a Vale abre mão do controle da mina de Serpentina para ficar com apenas 15% do negócio e prejudicar mais uma vez o seu berço na mineração que começou em Itabira. É o filho qual Édipo, que mata o seu pai e leva a mãe à morte”, ele compara com a tragédia grega, magistralmente contada por Sófocles no século V a.C. .
Pois é justamente essa morte anunciada com a exaustão das minas de Itabira, para quando ainda não se sabe, que a Vale quer postergar em Itabira, com a ampliação das minas Conceição e Minas do Meio – por certo um lenitivo que alivia e suaviza o impacto do iminente fim inexorável, como também, e principalmente, para manter por mais tempo em atividade o complexo minerador mais antigo da Vale no país.
Anuência
Segundo o secretário municipal de Meio Ambiente, Denes Lott, ainda não foi encaminhado ao Codema pedido de anuência para a ampliação das minas Conceição e Minas do Meio. “A SMMA ainda não recebeu solicitação a respeito desse processo. Pode estar a caminho”, respondeu.
Embora a definição das condicionantes e medidas compensatórias seja de competência do órgão estadual, os conselheiros do Codema devem não só aprovar a conformidade ambiental, mas também sugerir outras medidas, como por exemplo, compensações pela supressão de vegetação, que a Vale diz que será pouca, por se tratar de área já impactada pela mineração.
Uma sugestão de medida compensatória é implantar hortos florestais em áreas verdes da cidade, antes que sejam ocupadas por moradias e ou empreendimentos alheios à sua função ambiental e social, como historicamente tem acontecido na cidade e que vereador agora quer legalizar essa invasão ilegal, beneficiando os infratores.
A Vale está abrindo mão de 85% de Serpentina, mas ganhando 15% da Serra da Ferrugem.
Os dados que vi sobre a capacidade do mineroduto Minas-Rio variam de 26 a 28,5 milhões de toneladas/ano.
A Anglo American é também uma fonte de conflitos com comunidades.
O que mais espanta é esse esforço desmedido da Vale para não fechar suas minas em Itabira. O município sai prejudicado num momento de avançado processo de duplicação da 381 e da perspectiva de remodelar seu ramal ferroviário para movimentação de carga industrial.