“Ao apoiar Lula, Marco Antônio sinaliza que pretende compor frente de centro-esquerda na disputa da Prefeitura de Itabira com a direita”, acredita Marcus Vinicius
Fotos: Carlos Cruz
Antes mesmo da redemocratização do país, já no finalzinho da ditadura militar, no início dos anos 1980, por pressão do povo nas ruas clamando por Diretas Já, Anistia Ampla, Geral e Irrestrita, o país vivia uma efervescência política muito grande. Novos ares da nascente democracia começavam a soprar no país e chegaram a Itabira.
Foi nesse período que o decano e atuante advogado Marcus Vinicius Lage Moreira retorna à política itabirana, participando da fundação do Partido Democrático Brasileiro (PMDB), inicialmente formado pela ala autêntica do antigo MDB. Foi também quando Itabira passa a discutir com mais premência o seu futuro sem a mineração.
À frente da subseção da OAB, e como cidadão, Marcus Vinicius teve participação em tudo isso, contribuindo com os debates e com as campanhas municipais, estaduais – inclusive pela Assembleia Nacional Constituinte, livre e soberana, na qual Itabira marcou presença que culminou na instituição da Compensação Financeira pela Exploração Ambiental (Cfem), os royalties do minério, além de outras pautas ambientais.
Nesta segunda e última parte da entrevista concedida a este site Vila de Utopia, Marcus Vinicius discorre sobre esses e outros temas, como a sucessão municipal que já está em curso – e que deve ser polarizada entre o prefeito Marco Antônio Lage (PSB) e grupos da direita e da extrema-direita, é o que avalia o nosso entrevistado. Confira
(Carlos Cruz)
Você voltou à política com o início da redemocratização, com a campanha das Diretas Já?
Foi um pouco antes, com a reformulação partidária que aconteceu no governo de Figueiredo (João Batista de Figueiredo, último presidente do regime militar. 1979-85).
Eu me filiei ao PMDB que, em Minas Gerais, inicialmente ficou com o chamado grupo autêntico do MDB, extinto junto com a Arena, que era de apoio ao regime militar. Os dois partidos eram os únicos permitidos, o MDB era a oposição consentida.
No início, em Itabira o PMDB só tinha doutor Jairo (Magalhães Alves, ex-prefeito de Itabira,1978-82) de liderança expressiva, alguns que estavam retornando à política e jovens iniciando na vida partidária.
O grosso do antigo MDB ficou no PP (Partido Popular), liderado por Tancredo Neves. Mas o PP não cumpriu alguma cláusula da reformulação partidária e teve o seu registro negado.
Aí veio todo mundo para o PMDB, com Virgílio Gazire se candidatando e elegendo prefeito de Itabira pela segunda vez em 1982. Ficou pouco tempo, já estava muito enfermo. Infelizmente, com pouco mais de seis meses na Prefeitura, ele morreu.
Zé Maurício (José Maurício Silva, advogado, veio também do PP para o PMDB, 1983-88), que era o vice de Virgílio, assumiu a Prefeitura de Itabira.
Foi a última vez que o PMDB governou Itabira. Mas você, nessa época, não ocupou cargo na Prefeitura, ficou só na militância na OAB?
Nessa época eu tinha demandas contra a Prefeitura, por uma questão ética, não podia ocupar cargo municipal. Na OAB, fui presidente e ocupei quase todos os cargos. Só não fui secretário, pois tinha que lavrar as atas das reuniões à mão e a minha letra é horrível (risos). Ninguém ia entender.
Participei da fundação da nossa subseção, já com o número de 52ª. Para isso tivermos o prestimoso auxílio do professor Raimundinho (Raimundo Campos), um grande advogado mineiro, falecido precocemente.
Pelo estatuto da ordem, naquela época só podia participar quem tivesse, no mínimo, cinco anos de militância na advocacia e que não ocupasse cargo de confiança na administração pública. Com isso, éramos um grupo pequeno, mas muito atuante desde o início. Fiquei por um tempo revezando a presidência com Mauro Márcio.
Eu me lembro de uma OAB atuante, inclusive participou da fundação do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente (Codema). Mauro Márcio, se não me engano, foi o primeiro representante da ordem no recém-criado órgão ambiental do município.
Sim, foi quando a cidade começou a tomar consciência e a cobrar mais medidas ambientais da Vale. Foi um período de muita efervescência política na cidade.
Participamos do grande comício pelas Diretas já, em Belo Horizonte, e depois ajudamos a organizar o comício de Itabira com as presenças de deputados e do então senador Itamar Franco (ex-presidente e ex-governador de Minas Gerais. O comício das Diretas Já aconteceu em Itabira em 14 de abril de 1984).
Tivemos também, como representante da OAB, participação nos fóruns de debates das alternativas econômicas para Itabira, também em 1984, antes do encontro de cidades mineradoras (I Encontro Nacional de Cidades Mineradoras, realizado em Itabira, em agosto de 1984).
Foi quando Itabira começou a discutir os seus problemas frente à mineração e a ter uma participação nacional também, como foi a atuação de Zé Maurício na Assembleia Nacional Constituinte pela aprovação dos royalties do minério e o fim do IUM.
Exatamente, Zé Maurício articulou muito bem os apoios parlamentares necessários para a aprovação, uma pequena reforma tributária que foi muito boa para as receitas de Itabira. Ele fez um bom governo, mas não elegeu o seu sucessor.
Voltou à política ao ser eleito vice de Jackson Tavares (1997-2000), numa dobradinha PMDB-PT. Foi quando você ocupou a Procuradoria Jurídica do município.
Sim, na ocasião foi articulada uma frente política necessária para derrotar o grupo que estava no poder, o que possibilitou eleger Jackson que disputava a Prefeitura pela segunda vez. Sem essa frente ele não se elegeria.
Na procuradoria, teve alguma demanda jurídica importante?
Demos continuidade à ação indenizatória que foi aberta pelo prefeito Li (Olímpio Pires Guerra, 1883-96) contra a Vale, cobrando as perdas históricas e o não pagamento de diversas dívidas com o município. A Vale omitia muitos dados à Prefeitura.
Além disso, a empresa não recolhia IPTU da linha férrea e nem de suas instalações na cidade, como não recolhe até hoje. Alega que está na zona rural, como se a mineração não estivesse dentro da cidade.
Eu achava que essa ação indenizatória era causa ganha, pelas provas apresentadas. No entanto, se arrasta até hoje.
Como avalia o governo Jackson? Por que ele não conseguiu se reeleger?
Foi um bom governo. Não fez grandes obras, mas executou muitas pequenas obras de saneamento básico. No seu governo tinha o orçamento participativo e muitas melhorias foram executadas nos bairros, priorizadas pelos moradores.
Mas ele perdeu muitas oportunidades de fazer coisas melhores. Foi mal assessorado em muitos aspectos, inclusive por pessoas próximas. Errou muito na campanha, teve até atrito com o bispo (dom Mário Gurgel, ex-bispo de Itabira, já falecido, que foi muito ativo na política local).
O que parecia ser uma reeleição fácil, ele acabou perdendo. Pesou também o desgaste do próprio PT, que nunca mais conseguiu ter expressão política em Itabira.
E o governo Marco Antônio Lage, como você avalia?
Acho que está indo bem, ainda meio sem voz de comando, me parece, mas que agora está se acertando. A cidade está mais bem cuidada e as obras devem começar a deslanchar.
Acho que assim como fez Jackson Tavares, Marco Antônio não deve deixar uma grande obra. Mas se concluir as obras de saneamento nos bairros e nos distritos, como prometeu fazer, terá feito muito. E melhor ainda se executar outras demandas urgentes para atender as pessoas que realmente necessitam.
“Se Marco Antônio Lage investir no saneamento básico, como tem prometido, e resolvido o problema da água, terá feito um bom governo.”
Reclamam muito dos buracos nas ruas, mas isso em todo governo é assim nesta época do ano. É tempo de chuva e os buracos aparecem, remenda de novo e voltar a aparecer, até parece que o asfalto foi feito para não durar, senão, como as empreiteiras faturam? (risos). O trânsito na cidade é muito intenso e buraco no asfalto vai ter sempre, assim como as reclamações de quem paga impostos.
Não tenho tido tempo para acompanhar a sua administração de perto, mas politicamente gostei do apoio que ele deu à candidatura de Lula, quando encontrou com ele em Ipatinga. Acho que serviu como divisor político em Itabira, marcando posição no campo progressista e isso é muito bom.
Você acha que a eleição municipal, no ano que vem, vai refletir a mesma polarização política que se viu nacionalmente?
É possível, embora não seja desejável. Mas política não acontece no campo ideal. Penso que a polarização será inevitável, com os bolsonaristas também querendo disputar a Prefeitura de Itabira.
Mas isso vai depender de como o ex-presidente vai ficar na política. Bolsonaro fez tanta bobagem que tende a perder força, e junto com ele, também o seu grupo político pode ficar fragilizado.
Esse caminho que ele tomou do negacionismo e do golpismo foi um grande fracasso. Hoje está claro o que ele queria, que era permanecer no poder se não pelo voto, que fosse pelo golpe. Mas não deu certo. Ele foi de uma burrice franciscana, que me perdoem os padres franciscanos. Bolsonaro se mostrou um presidente totalmente despreparado para o cargo.
Foi um mau militar e um péssimo presidente, mas não era de esperar por algo diferente. E foi muito mal assessorado. Esse tal de general Heleno (Augusto Heleno Ribeiro, ex-ministro de Segurança Institucional) era bem conhecido na época da ditadura.
Ele fazia parte da linha-dura do regime militar, foi assessor do general Sylvio Frota, então ministro do Exército, que tentou derrubar Geisel (general Ernesto Geisel, 1974-78), e impedir a candidatura de Figueiredo (general João Batista de Figueiredo, 1979-85). A sua intenção era golpista para impedir a abertura lenta e gradual do regime militar, iniciada por Geisel e que a contragosto Figueiredo completou. Esse Heleno sempre teve vocação golpista.
A disputa municipal pode ficar entre o prefeito e os bolsonaristas ou vai acontecer com o grupo do ex-prefeito Ronaldo Magalhães (PTB)? Ou podem sair coligados?
Difícil de prever, não acompanho de perto a política itabirana. Mas como o prefeito assumiu a candidatura de Lula, isso pode ser um divisor, o que o fará se aproximar do campo da esquerda, enquanto o grupo de Ronaldo Magalhães tende aproximar dos bolsonaristas. Vamos ver se vai ser isso mesmo, ainda teremos muitos fatos relevantes para acontecer na cidade e no país.
A turma do Ronaldo é muito organizada e até certo ponto perigosa politicamente. Se ainda é forte eleitoralmente, não tenho como avaliar. Mas em Itabira a política é sempre polarizada, mesmo que saiam mais candidatos a prefeito.
Como muita gente estava querendo ficar livre de Bolsonaro, que perdeu nos dois turnos em Itabira, pode ser que o apoio do prefeito a Lula seja eleitoralmente favorável à sua pretensão de se reeleger.
Mas isso vai depender também de como estará o governo Lula. Se sofrer desgaste, isso pode prejudicar a candidatura de Marco Antônio. Mas se o seu governo estiver bem encaminhado até as eleições municipais, o reflexo será positivo.
Pode ser que o prefeito consiga compor uma frente de centro-esquerda em Itabira, a exemplo do que aconteceu nacionalmente com a candidatura de Lula. Quem imaginaria que Armínio Fraga (economista neoliberal, ex-presidente do Banco Central, 1999-2002) e Fernando Henrique Cardoso, além de outras expressões do neoliberalismo, iriam apoiar Lula nessa eleição?
Foi preciso formar essa frente ampla para derrotar a extrema-direita fascista, negacionista.
Sim, sem dúvida, inclusive com apoio de políticos da direita liberal e esclarecida. Se não fosse a formação dessa frente ampla, Lula não se elegeria. E Bolsonaro continuaria aprontando as suas políticas nefastas, sem distribuição de renda e sem as reformas que o país precisa para retornar com o desenvolvimento econômico e social.
Como você avalia essa última tentativa de golpe, em 8 de janeiro?
Não foi surpresa. Com Bolsonaro assessorado pelo general Heleno, só podia dar nisso. Seria cômico se não fosse trágico, com tamanha destruição de obras de arte. Foi uma grande trapalhada, um tiro no pé de Bolsonaro, que deve adiar ao máximo possível a sua volta ao país.
Com a sua derrota eleitoral e fuga para os Estados Unidos, caiu o mito. Mesmo ele tendo 58 milhões de votos, o que para mim foi surpresa, ele sequer se dirigiu aos seus eleitores para agradecer.
Você acha que Bolsonaro pode ser preso quando voltar ao Brasil?
Eu espero que ele seja preso e é bem possível que isso aconteça. Ele foi reincidente nas tentativas de golpe, a primeira foi no dia 7 de setembro de 2021. Na ocasião, em São Paulo, Bolsonaro chegou a dizer que não atenderia mais nenhuma decisão judicial. Colocou em dúvida a lisura das urnas eletrônicas, investiu contra o Estado Democrático de Direito.
Resultado: ele saiu da presidência do mesmo modo que saiu do Exército, pelas portas do fundo. Que não volte nunca mais com o seu anacrônico anticomunismo, regime político que não existe nem na Rússia.
Esse papo de defesa da Pátria, da família, dos bons costumes, da liberdade, que para eles é de espalhar fakes-news, é uma grande farsa. Foi o que a classe média conservadora defendeu em 1964, respaldando o golpe militar.
E é o que a extrema-direita repete em todo o mundo, por meio de mentiras repetidas várias vezes até que vire verdade para os seus fanáticos seguidores.
A derrota de Bolsonaro foi um alívio não só para nós brasileiros, mas para todo o mundo democrático. Isso porque os regimes autoritários estão crescendo em todo o mundo e ameaçam a democracia. Uma vitória de Bolsonaro era considerada imprescindível para o crescimento dessa extrema-direita no mundo. Ainda bem que ele perdeu..
Eu que vivi e vi o que é uma ditadura, espero que essa história não se repita no Brasil: Ditadura nunca mais.
Caso interesse, leia a primeira parte da entrevista com Marcus Vinicius Lage Moreira aqui:
Salve, salve o Marcus Vinicius, de Cacá Amoroso!
Se o Jackson Tavares se indispos com bispo, o Jackson estava com a razão, o bispo era de direita.
Oi Cristina. O Bispo , também na minha opinião, não tinha uma postura política esperada para uma Igreja engajada. Mas, como bispo numa cidade tão conservadora na época, devemos nos lembrar não só dos defeitos dele, que são muitos, mas de exemplos positivos como a Faculdade e melhorias significativas no Hospital.
Agora, falando de Marcus, ele continua sendo uma memória histórica de primeira linha. Admiro este homem
primeira linha
Oi Cacá.
O bispo era um ressentido social. Defendeu a educação privada em detrimento da pública. Já o monsenhor Zé Lopão tinha dignidade. Um tal milico queria me expulsar da Enza, e ele foi peremptório: a minha escola nao expulsa estudante, minha escola é para colocar estudante para dentro.
O Marcus, é nosso (itabira), querida Cacá.
Que ótima entrevista com o Marcus Vinícius !