Ana Maria Primavesi: a pioneira semeadora da agroecologia
Por Sucena Shkrada Resk
A construção da história se tece com ícones. Quando se trata da Agroecologia, a personagem que emerge é da engenheira agrônoma e Doutora em Cultura de Solos e Nutrição Vegetal Ana Maria Primavesi, que partiu para o outro plano, aos 99 anos, no último dia 5 de janeiro de 2020.
Deixa um importante legado para a atual e as próximas gerações: o ensinamento prático e teórico de como é possível cultivar e manejar o solo em consonância com a conservação socioambiental.
Premiada inúmeras vezes, ao longo de sua carreira, o que é digno de nota é que sempre se manteve humilde e solícita para compartilhar seus conhecimentos.
“A natureza é perfeita como Deus criou e não como o homem quer” (Ana Primavesi).
De origem austríaca, aos 22 anos, Ana Maria se formou na Universidade Rural para Agricultura e Ciências Florestais.
Segundo ela, o seu encantamento por este modelo de agricultura que já se constituía como princípios da futura Agroecologia, se deu durante este período, no qual em intensas pesquisas práticas estudava o entrosamento entre o solo, as plantas e a micro-população que o compõe.
Uma grande fonte de inspiração, segundo ela, foi ter a oportunidade de atuar em trabalho de campo com o professor Johannes Görbing, que defendia uma agricultura sustentável.
“O segredo da vida é o solo, porque do solo dependem as plantas, a água o clima e a nossa vida. Tudo está interligado. Não existe ser humano sadio se o solo não for sadio” (Ana Primavesi).
Mas bem antes disso, durante a Segunda Guerra Mundial, a jovem engenheira agrônoma teve de aprender a lidar com a terra e os extremos. Carpia, recolhia esterco, colhia e semeava.
A fome e a desnutrição deixaram um impacto importante que a acompanharia, como um dos propósitos de desafios a serem superados, nas suas pesquisas posteriores, que envolvia o conceito de alimentação saudável.
Ana Maria se mostrou uma mulher e profissional resiliente também ao ter de enfrentar uma prisão injustificável durante o período de guerra. Todas estas circunstâncias lapidaram uma característica que a acompanhou: a persistência em seus objetivos.
Já casada com o também engenheiro agrônomo Artur e com o primeiro filho chegam ao Brasil no ano de 1948. É a partir daí que sua história se solidifica por aqui. Ambos seguiram por muitos anos a carreira acadêmica na Universidade de Santa Maria, RS.
Foi um período no qual Ana Maria demonstrou a sua versatilidade, ao realizar pesquisas e dar aulas sobre produtividade de solos, deficiências minerais, além de dirigir o laboratório de biologia e análise de solos.
Mais um pioneirismo em sua biografia é o de desenvolver um projeto de transformar a dinâmica da vida do solo em desenho animado de longa-metragem. Um feito considerado o primeiro do mundo.
“…Peguemos nossa pá, perguntemos à nossa terra o que lhe está faltando e tratemo-la depois convenientemente dentro dos limites que a natureza nos impõe, e a antiga exuberância voltará aos nossos campos e a prosperidade aos nossos lares.” (Ana Primavesi)
Já com três filhos, ficou viúva em 1977 e aí decidiu seguir para um sítio em Itaí, no interior paulista, onde se enveredou nas pesquisas mais profundas. Os desafios de solos hipoteticamente improdutivos e doentes eram o que a movia. Foram 32 anos de dedicação.
No ano de 1980, lança a sua grande obra – Manejo Ecológico do Solo. Em 1985, quando perde seu filho Artur em um acidente, se envereda mais ainda em palestras e pesquisas no Brasil e no exterior.
Nesta carreira dinâmica, trabalhou por 20 anos na Fundação Mokiti Okada. Mais uma obra importante para a Agroecologia que lançou foi a Cartilha do Solo, que recebeu o nome de Manual do Solo Vivo, pela editora Expressão Popular (republicado em 2006).
Em 2012, Ana Maria Primavesi vai morar em São Paulo com sua filha Carin. Eu tive a oportunidade de conhecê-la, em 2013, quando participou de um evento no Ibirapuera, no qual foi homenageada.
Nessa ocasião, fiquei encantada em observar sua resiliência diante do passar dos anos e iniciei meu primeiro contato com ela, sedenta por conhecer sua trajetória.
A segunda entrevista se concretizou em sua casa e foi publicada à época no site da Editora Horizonte, na qual eu era editora-assistente. Depois a reencontrei em 2017, na Feira da Reforma Agrária, no Parque da Água Branca. Desta relação, nasceu um respeito que sempre manterei por esta mulher e profissional arrojada que fez a diferença em sua passagem.
Em 2019, ela teve ainda a oportunidade de ver lançado o seu livro Manejo Ecológico de Pastagens em regiões tropicais e subtropicais. No ano anterior, Manejo Ecológico de Pragas e Doenças. Em 2017, foi a vez de Algumas plantas indicadoras: como reconhecer os problema de um solo.
No ano anterior, foi publicada sua biografia Ana Primavesi: Histórias de Vida e Agroecologia, de autoria de Virgínia Mendonça Knabben, como também A Convenção dos Ventos: agroecologia em contos. No ano de 2014, lançou Pergunte ao Solo e às Raízes. Nos anos 90, Agricultura Sustentável: manual do produtor rural e Agroecologia, Ecosfera, Tecnosfera e Agricultura. Uma extensa bibliografia consolidada.
*Sucena Shkrada Resk é jornalista, formada há 28 anos, pela PUC-SP, com especializações lato sensu em Meio Ambiente e Sociedade e em Política Internacional, pela FESPSP, e autora do Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk (https://www.cidadaosdomundo.webnode.com), desde 2007, voltado às áreas de cidadania, socioambientalismo e sustentabilidade.
* Artigo originalmente publicado no Blog Cidadãos do Mundo.
in EcoDebate
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