A vitória popular na Audiência Pública sobre o risco das barragens da Vale em Itabira-MG

Avaliação coletiva do Comitê Popular dos Atingidos pela Mineração em Itabira e na Região

No dia 09 de dezembro de 2019 ocorreu a Audiência Pública sobre o risco das barragens de rejeito da Vale em Itabira, marcada após 300 dias de sua aprovação na Câmara dos Vereadores, e que representa uma vitória da pressão popular. Desde o dia 01 de fevereiro o Comitê Popular dos Atingidos pela Mineração em Itabira e Região vem lutando pela divulgação de informações sobre as barragens, e por espaços efetivos de voz do povo para apresentar suas demandas e exigências, tanto à empresa Vale, quanto ao poder público.

Neste sentido foram organizadas manifestações de rua, rodas de conversa nos bairros de Itabira e Santa Maria de Itabira e exibição de filmes. O Comitê também realizou uma Reunião Pública no auditório da FUNCESI, com a participação da deputada estadual Andreia de Jesus, e participou de Audiências Públicas em Belo Horizonte e Barão de Cocais. Somado a pressão popular em outubro deste ano as barragens de Pontal, Itabiruçu e Santana foram elevadas para grau de risco de insegurança 1, tornando insustentável a omissão do poder público de Itabira.

A Audiência Pública sobre o risco das barragens de rejeito da Vale em Itabira sofreu diversas tentativas de censura e restrição à participação popular, mesmo após a Câmara marcar sua data. Primeiro houve o anúncio de que a participação e as perguntas deveriam ser feitas por meio de inscrição prévia, presencial, em horário comercial, o que inviabilizaria a participação das trabalhadoras e trabalhadores de Itabira. O Comitê Popular, em tempo, lançou uma nota crítica a esta censura e protocolou um ofício exigindo que as inscrições fossem realizadas durante a Audiência Pública e que a participação pudesse ser realizada através de intervenções orais e por escrito, derrotando os censores, que recuaram neste quesito.

Depois, logo no início da audiência, em uma manobra sórdida, houve a tentativa do presidente da Câmara de impedir a participação de duas representantes de movimentos sociais na mesa de trabalhos da audiência, e que receberam convite formal da Câmara de vereadores de Itabira, são elas a ambientalista Maria Teresa Corujo, representando o Gabinete de Crise da Sociedade Civil, e Tuani Guimarães, representando o Comitê dos Atingidos pela Mineração em Itabira e Região.

Novamente, por pressão popular ocorreu outra reviravolta à favor da população e após intervenção da plenária, que apoiou a participação das representantes dos movimentos sociais na composição da mesa, garantimos a representação da população e dos trabalhadores na mesa da Audiência com a presença de Maria Teresa Corujo, representando o Gabinete de Crise da Sociedade Civil, de Tuani Guimarães, representando o Comitê dos Atingidos pela Mineração em Itabira e Região; de Maria José, representando moradores das áreas de risco das barragens, e de Carlos Estevam (Cacá), representando o sindicato Metabase.

Todas as tentativas derrotadas de impedir a participação do povo demonstram o medo que a Vale e o poder público têm da organização popular, e como nos subestimam. Também nos deixam mais alertas sobre novas tentativas de perseguição e coerção que podem ser criadas para impedir o avanço socioambiental das nossas demandas.

A participação popular na Audiência foi intensa e o povo apresentou várias demandas, encaminhamentos, requerimentos, questões e fez exigências seja pelo uso do microfone, seja por escrito. Cabe destacar a qualidade das intervenções, demonstrando que o povo itabirano está cada vez mais consciente dos seus direitos e das consequências da mineração predatória da cidade.

A principal demanda da população é a de cumprimento da condicionante 46 da Licença de Operação Corretiva, que trata do reassentamento da população nas áreas de risco das barragens. Porém, deixamos claro que qualquer negociação neste sentido deve ocorrer coletivamente, pois sabemos que a Vale usa a negociação individual para coagir os atingidos.

Também deixamos clara a necessidade de preservação dos nossos territórios, para evitar a expropriação que ocorreu em Mariana e Brumadinho, pelo rompimento de barragens, e que ocorre em Barão de Cocais pela ameaça de rompimento de outra barragem da Vale.

Diante disso, a empresa Vale sinalizou que o reassentamento pode ser feito, em um modelo ‘temporário’, porém nos perguntamos, por quanto tempo? É a população atingida quem deve responder a esta pergunta, que decidirá sobre suas próprias vidas e territórios, mas é de responsabilidade da empresa e do poder público investir todos os recursos e tecnologias disponíveis para a eliminação do risco que leva à necessidade de reassentamento, ou seja, é preciso eliminar as barragens-bomba-relógio.

Enquanto isto não ocorre, é preciso impedir a expansão, alteamento ou construção de mais barragens de rejeito em Itabira, o que, segundo o Comitê, deve ser feito através da inclusão de uma ementa à Lei Orgânica do município, vedando qualquer uma destas ações. É preciso a assinatura de seis vereadores para colocar em pauta esta emenda, mas se não tiverem coragem suficiente para fazê-lo, os movimentos sociais da cidade irão recolher 4508 assinaturas, o que corresponde a cinco por cento dos eleitores do município, criando uma proposta popular de alteração desta lei!

Quanto às barragens existentes, a população exigiu que todas elas sejam re-licenciadas pela Lei Mar de Lama Nunca Mais. Neste sentido, também foi exigida a implementação imediata de uma CPI na câmara dos vereadores para investigar o cumprimento das condicionantes da Licença de Operação corretiva de 2000. A população de Itabira precisa saber porquê as condicionantes ainda não foram cumpridas, e quando serão realmente efetivadas.

Sobretudo a condicionante 12 que trata do abastecimento de água de Itabira. É obrigação da Câmara dos Vereadores fazer esta investigação e defender os interesses da população, porém, na atual configuração do legislativo municipal, tememos que apenas os interesses da Vale serão ouvidos. Pois na audiência ficou claro que Itabira tem que ter maior controle social sobre o cumprimento das condicionantes, e sobre o processo de extração do minério como um todo, recurso natural que deve ser controlado pela soberania popular sobre os territórios onde se encontram.

Outra demanda histórica de Itabira, e que o Ministério Público e a empresa Vale se recusam sistematicamente a atender, é o acesso às informações sobre o risco real que corremos por viver embaixo das mais de 15 barragens existente no município. Também denunciamos o terrorismo feito com as barragens, por exemplo, em André do Mato Dentro onde está sendo realizada uma obra gigantesca para conter o suposto rompimento de uma barragem, o que levou à destruição de vastas áreas preservadas e a expulsão de dezenas de pessoas.

Em Itabira esse terrorismo se dá com o sigilo nos processos do Ministério Público, quebrados pelo judiciário, mas que ainda se encontram com acesso inviável para a população, ou o toque de sirenes por ‘erro técnico’ e um simulado que mais criou confusão que orientou a população. A saúde mental da população de Itabira está extremamente prejudicada por causa deste terrorismo, tendo sido relatados casos de insônia, ansiedade, depressão e outros problemas fruto do medo de rompimento das barragens da Vale. Também foi relatado o caso de adoecimento dos seus trabalhadores, que além de sofrerem com o risco das barragens destruírem suas casas, são pressionados pela empresa para atingirem metas de produção cada vez maiores.

Ressaltamos ainda que o representante da AECOM, que realiza a Auditoria Externa das barragens, foi questionado se tinha conhecimento da licença recentemente obtida pela Vale para despejar rejeito nas cavas da Mina do Meio, e o mesmo alegou desconhecer este processo.

Ou seja, sequer a auditoria indicada pelo Ministério Público, em Itabira, possui informações sobre as arbitrariedades cometidas pela Vale para obtenção de licenças ambientais. Para piorar esta situação, quando questionada sobre o impacto sobre o aquífero existente nas Minas do Meio com o depósito do rejeito, o representante da Vale, sarcasticamente, respondeu que o rejeito não teria impacto negativo sobre nossas águas, pelo contrário, a qualidade da água do lençol freático poderia até melhorar.

No entanto as análises químicas do rejeito no leito e peixes do Rio Doce, do Rio Paraopeba e nos corpos dos bombeiros que auxiliaram no resgate das vítimas da Vale em Brumadinho são claras: o rejeito é tóxico e seu depósito sobre o aquífero do Piracicaba irá contaminar as águas de Itabira e toda região. A escassez de água em Itabira já é grave, assim, a população exigiu na audiência pública que a licença ao depósito de rejeito na Mina do Meio fosse suspensa imediatamente, e que fossem revistas todas as outorgas de uso de água pela empresa Vale, sendo priorizado o uso para a população, principalmente das águas de classe especial dos aquíferos itabiranos.

A exploração predatória pela empresa Vale, que já anunciou abandonar a Itabira em 2028, após a exaustão do minério, deixará apenas as cavas e as barragens-bomba-relógio para a população. Mas se depender do povo organizado, a história de Itabira será diferente! O Comitê Popular avalia que a Audiência Pública realizada no dia 9 de dezembro foi histórica para o município de Itabira, sendo uma vitória da mobilização popular, que juntou no mesmo espaço dezenas de bairros, classes sociais, credos religiosos e toda diversidade de opiniões, sendo registradas as denúncias e demandas reais do povo de Itabira e região. A luta por segurança, água em quantidade e qualidade, dignidade da vida em comunidade deu um passo firme na direção da soberania popular sobre nossos recursos naturais.

Águas Gerais, porquê Água vale mais que minérios! 

ENCAMINHAMENTOS DA AUDIÊNCIA PÚBLICA

  • Retirada de todos moradores das zonas de alto risco de morte em negociações coletivas.
  • Tratamento da saúde mental da população, na atenção básica do município, sob responsabilidade da empresa Vale e da Prefeitura Municipal sobre os investimentos.
  • CPI das condicionantes da LOC de 2000 e encaminhamento das irregularidades aos órgãos estaduais e federais para que sejam cumpridas pela empresa Vale.
  • Estabilidade no emprego para todos trabalhadores diretos ou terceirizados da Vale até que se resolva de fato a situação das barragens de Itabiruçu e Pontal.
  • Divulgação ampla de informações sobre o risco das barragens de Itabiruçu, Pontal e Santana.
  • Re-licenciamento de todas as barragens segundo a Lei Mar de Lama Nunca Mais.
  • Que a população tenha prioridade sobre o uso da água e sejam investigadas as outorgas de água para a mineração.
  • Responsabilização da Vale pelas doenças respiratórias causadas pela poeira.
  • Criação de emprego e renda voltada para proteção ambiental e sustentabilidade.
  • À Promotoria Pública, solicitou-se a cópia de todas as atas das reuniões entre o Ministério Público, AECOM e Vale, para a Câmara Municipal e para o Comitê Popular dos Atingidos pela Mineração em Itabira e Região, que já ocorreram e que ocorrerão.
  • Pedido de Audiência Pública no Congresso Nacional sobre a situação das barragens em Itabira-MG para 2020.
Foto: Carlos Cruz

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