Vale paga primeira parcela à FIP pela assessoria técnica independente aos moradores dos bairros Bela Vista e Nova Vista, atingidos pelo Pontal
Para Marinete Gervásio, moradora do bairro Nova Vista, e ex-moradora da comunidade da Camarinha, que virou mina da Vale, essa é mais uma história que se repete com muita violação de direitos
Foto: Carlos Cruz
Somente depois de o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) ingressar com uma ação civil pública para fazer valer o que determina a lei estadual 23.795, de 15 de janeiro de 2021, finalmente nessa segunda-feira (31), a mineradora Vale fez o depósito inicial para que a Fundação Israel (FIP), escolhida pelos moradores dos bairros Bela Vista e Nova Vista, dê início aos trabalhos de assessoria técnica independente (ATI).
A referida lei instituiu a política estadual de proteção aos atingidos por barragens, obrigando a empresa que causa esses impactos a pagar uma consultoria independente. A ATI a ser prestada pela FIP tem prazo de um ano, podendo ser prorrogado.
O depósito ocorre um ano depois de os moradores dos bairros Bela Vista e Nova Vista escolherem a FIP como ATI, eleita pela maioria dos atingidos em escolha direta pelo processo democrático conduzido pelo MPMG – e depois de a empresa protelar o cumprimento de decisões judiciais de primeira e segunda instância, vencidos todos os prazos recursais.
A ATI, em seu trabalho independente, vai prestar aos moradores informações a partir de levantamento socioeconômico, ambiental e cultural sobre os impactos e direitos violados decorrentes da remoção de moradias, além de impactos indiretos.
O número de atingidos diretamente pelas remoções é incerto, pois esse quantitativo ainda não foi divulgado pela mineradora, mesmo tendo vencido o prazo até julho do ano passado, estipulado pela própria empresa, que não o cumpriu.
Violações de direitos
O objetivo da ATI é também levantar quais são as violações de direitos que estariam sendo cometidas pela mineradora na execução das obras de descaracterização do sistema Pontal, isso antes mesmo do início da construção da segunda estrutura de contenção de rejeitos (ECJ), entre o cordão Nova Vista, o dique Minervino e os bairros vizinhos.
Segundo os representantes do MPMG, esses moradores já estão sendo atingidos pelos serviços e obras em andamento.
Os impactos, conforme foram relatados em reunião com a promotoria de justiça, vão desde a poeira e vibrações passando pelos ruídos de máquinas em operação dia e noite, além das incertezas que afetam o emocional e a tranquilidade de todos os moradores vizinhos dessa grande estrutura de contenção de rejeitos de minério de ferro.
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A apreensão dos moradores desses bairros se arrasta desde que este site noticiou, em 15 de março de 2021, “que residências próximas dos diques e do cordão Nova Vista podem ser removidas.” E que os moradores, mesmo já tendo os seus direitos violados, são os últimos a saber.
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E continuam sem saber. Passado todo esse tempo, ainda não se sabe quantos moradores serão diretamente impactados com a remoção, podendo chegar a 467 casas, conforme lembrou o ativista Leonardo Reis, do Comitê Popular dos Atingidos por Barragem em Itabira e Região, citando o procurador-geral de Minas Gerais, Jarbas Soares, que teria recebido a informação da mineradora, em março de 2021.
Para o Ministério Público, esse número pode ser muito maior, uma vez que serão atingidas por essa nova estrutura – e pelo próprio sistema Pontal – não só as famílias que terão de deixar as suas casas, mas toda a população em sua volta, por motivos diversos.
Até então, pelas informações dos próprios moradores, a Vale somente estaria negociando a remoção de 11 residências para a construção da segunda estrutura. “É a velha tática de negociar individualmente, de dividir para dominar, colocada em prática pela mineradora também nas antigas remoções em Itabira”, contextualiza Leonardo Reis.
Plano de trabalho
O pagamento da primeira parcela da ATI foi divulgado em boletim informativo distribuído pela FIP aos moradores, que assinaram um abaixo-assinado poucos dias antes, cobrando o depósito inicial pela mineradora Vale, ora efetuado.
“Enquanto ATI, reafirmamos nossos propósitos já apresentados anteriormente de, a partir de uma base comprovadamente técnica e comunitária, a ser consolidada por nossa equipe multidisciplinar de profissionais comprometidos com os resultados deste processo, possamos, em uma relação transparente, trabalhar para que todos, não somente aqueles que serão removidos, tenham o seu direito à informação e à reparação integral, conforme previsto na Lei”, diz trecho do boletim informativo.
Segundo informa a FIP, nos próximos 30 dias serão realizadas atividades administrativas para a contratação de pessoal, com toda a mobilização necessária para instalar um escritório na região.
“Após esse período, faremos as primeiras reuniões com os atingidos, para apresentação da equipe, do Plano de Trabalho e das atividades iniciais previstas, como por exemplo do cadastramento dos atingidos e dos imóveis, que estão relacionados neste processo a partir do PAEBM”,
O Plano de Ação de Emergência para Barragens de Mineração (PAEBM) é um documento técnico exigido pela Agência Nacional de Mineração (ANM) para identificar e mitigar situações de emergências decorrentes das barragens de rejeitos.
É o salve-se quem puder em caso de ruptura de uma das mais de 15 estruturas de contenção existentes no complexo ferrífero de Itabira.
Pois é para evitar que isso aconteça que a Vale justifica a construção de duas estruturas de contenção a jusante, as ECJs, a primeira já instalada com tubos aço fixados no solo, no sistema Pontal.
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