A VIDA é bela! A Vida é BOA!

Por Cristina Silveira 

O movimento de Arte Moderna começa a fermentar em 1917, mas é na Semana de 22 que pulula por S. Paulo e deita salpicos antropofágicos por toda Pindorama em ritmo crescente até a década de 1930.

Nesse meio tempo o herói Macunaíma navega os rios do interior de S. Paulo, Nordeste e Amazonas. Abaporu, a Estrela de Absinto e o poeta suíço-francês, Blaise Cendrars rompem o Caminho Novo até os Doze Profetas de Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, Maravilha da Humanidade (2015), no umbigo de Congonhas do Campo.

Isso enquanto o poeta Drummond, em processo de libertação, na plenitude da “vida boa e bela”, exulta: O Brasil está por começar.

Nesse começo do Brasil, a imprensa carioca pouco repercutiu o Modernismo. O Correio da Manhã foi o jornal que mais dispôs espaço para as ideias devoradoras.

O jornal A Noite rompe o silêncio em 11/12/1925 com a seguinte manchete: “O Mês Modernista que ia ser futurista. A Noite contratou seis escritores futuristas para escreverem durante um mês. “A coisa começará na segunda-feira”.

No dia seguinte publica entrevista do escritor Mário de Andrade ao diretor do jornal, o parnasiano Viriato Correia: “A ideia de A Noite criar ‘O Mês futurista’, fez-nos ir a S. Paulo entrevistar o sr. Mario de Andrade, o papa da nova escola artística. Queríamos saber como os futuristas receberiam a criação do Mês Modernista.”

“Se era possível ou não, se os escritores estavam ou não dispostos a escrever. O sr. Mário de Andrade recebe a ideia com foguetório de elogios. Esplendido! Maravilhoso! Sublime! Mas com a sua autoridade de papa, ou melhor, chefe da escola, discorda do que ele chama a ‘tabuleta’. Nada de mês futurista. Nem ele, nem os seus companheiros são futuristas. Modernistas, modernistas. Com a tabuleta de futurista não escreverá”.

O delicioso da entrevista está na relutância do Mário em concedê-la, “Porque A Noite, certamente, há de modificar o meu português”. Mas ele cede, com incitação canibal, devorante: “Pois, então, vamos lá. Mas, para que saia tudo exatamente como eu disser, você faz as perguntas e eu as responderei escrevendo na máquina”.

Terminada a visita, Viriato Correia retorna ao Rio com a entrevista pronta e uma lista de nomes modernistas que assinariam a coluna, Carlos Drummond de Andrade, Manoel Bandeira, Mário de Andrade, Martins de Almeida, Sérgio Milliet e Prudente de Moraes, neto.

Em 23 de janeiro de 1926, A Noite publica a repercussão do Mês Modernista. “O futurismo tem visgo. Visgo no sentido popular de pegar. Pega com uma velocidade vertiginosa. Lembram os senhores de o Mês Modernista, criado nas colunas de A Noite?”

“Pois fiquem sabendo que pegou. Não tem os leitores ideia do número de discípulos feitos pelos seus escritores futuristas que colaboraram nas nossas colunas. E muito menos de produções que os novos futuristas nos enviaram. Foi uma nuvem, foi uma inundação, foi uma praga, de colher e de abarrotar as nossas gavetas”.

Sobre a série o Mês Modernista o poeta Drummond é quem nos diz: “Também para mim os 200 mil réis ganhos com a colaboração na A Noite, durante quatro semanas, eram novidade extraordinária, o que explica o meu adoçamento em embolsá-los”.

Em troca dos 200 mil, durante quatro segundas-feiras, Drummond assinou as crônicas: O homem do Pau Brasil e Taí; os poemas: Nota social, Sabará, Bucólica no caminho do Pontal, Política e Itabira.

A crônica Taí tornou-se peça importante no estudo crítico e teórico do Movimento Modernista. Dos cinco poemas, Bucólica no caminho do Pontal ficou na moita em algum quintal no Berra Lobo, enquanto a mineradora soterrava o caminho lírico do poeta.

Agora, o que se tem no caminho do Pontal é uma aberração estética como ícone da derrota incomparável da cidade e representação da destruição da imagem de Carlos Drummond de Andrade na Itabira, lawfare assoalhado continuamente pela mineradora. Afinal, a mineradora é a ralé nacional e o poeta é a luz Drummond pelo mundo, vasto mundo.

No livro, A Lição do Amigo, coletânea de cartas de Mário de Andrade a Carlos Drummond, a carta de 1/8/1926, mostra a rigorosa lição do amigo acerca de Bucólica no caminho do Pontal:

“Gosto do lirismo e meio que não gosto da realização, apressada, meio dura no ritmo, seca, a tal síntese com que também tanto me entreguei. “açude quietude palude alaúde” processo que não pega mais. Não vale nada. Arranje isso”.

É preciso consultar a mais que perfeita Bibliografia Comentada de CDA, do velho Fernando Py para saber por onde andou cada uma das criações do escritor até 1934.

Está no verbete 204 a referência do Mês Modernista: “Bucólica no caminho do Pontal, Carlos Drummond. Poema (A Noite, Rio, 5.1.1926). Compõe-se de 45 versos livres. É citado em carta de Mário de Andrade ao autor, datada de 1.8.1926”.

Na segunda edição da Bibliografia Comentada, editada em 2002, Py acrescenta ao verbete, o livro de Homero Homem “O Mês Modernista”, também edição da Casa de Rui em 1994.

Nesse caso, pode-se afirmar que a segunda edição de Bucólica no caminho do Pontal, aparece aqui, na Vila de Utopia. E a este fato, pela primeira vez, soma-se a concepção de uma ilustração exclusiva para o poema.

Feito extraordinário, assinado pelo artista Genin Guerra, que, com a sua grande habilidade e olhar crítico, acrescenta a profunda sensibilidade para tudo que se refere à Cidadezinha. O poeta ficaria enternecido!.

O Mês Modernista

Bucólica no caminho do Pontal

Carlos Drummond de Andrade

O arvoredo bole bole

estala

fala.

Que ventinho sem vergonha.

Abro a porteira. O vento bate

Pá!…

O vento foge.

Moitas de capim gordura,

o veludoso, o grato capim

a estrada corre, não morre.

Eu corro

tropeço

e caio

e torno a correr.

A VIDA É BELA! A VIDA É BOA!

Passarinhos inocentes no céu azul,

Sol das 12 horas.

Uma aguinha esperta mija entre barrancos.

“Observem a doçura destes campos,

Examinem os bigodes da paisagem

Eis porque eu ufano o meu país!”

(Como é boba, meu Deus! A gente de Academia falando do campo…)

A aguinha mija, satisfeita.

Quem tem sede bebe,

quem tem fome come.

Eu andei tanto a pé

que comeria um boi.

A amizade encheu o meu bolso de quitanda.

Trago uma garrafinha de café,

cigarros

e os Epigramas de Ronald de Carvalho.

O açude quietude palude alude.

E os peixinhos lá embaixo, heim?

E o longo, largo silencioso…

Jogou uma pedra: tpoff!

Círculos que se alargam

a l a r g a m

e a paisagem que treme

na quietude do açude…

Sai daí, mosquito!

O vento…

Como é bom viver!

Chego à fazenda satisfeitíssimo. Galinhas ao sol. Na casa do empregado

Roupas brancas branquejando. O ar zumbe. O sol cai diretamente sobre as coisas.

Garanto que sou feliz.

Política

Ele vivia isolado em casa.

Os amigos abandonaram-no

quando rompeu com o chefe político.

 

O jornal governista ridicularizava seus versos,

os versos que ele sabia bons.

Sentia-se diminuído na sua glória

enquanto crescia a dos rivais

que apoiavam a câmara em exercício.

 

Entrou a beber licores fortes

e desleixou os seus versos.

Já não tinha discípulos.

Só os outros poetas eram imitados.

 

Uma ocasião em que não tinha dinheiro

pra comprar seu cognac,

saiu a esmo pelas ruas mal frequentadas.

Parou na ponte em cima do rio moroso,

O rio que lá em baixo pouco se importava com ele

e, no entanto, o chamava

para misteriosos carnavais.

 

E teve vontade de se atirar.

Não se atirou

mas foi como si tivesse atirado seu abandono.

 

E depois voltou pra casa

livre, sem correntes,

muito livre, infinitamente

Livre livre livre.

Itabira

Cada um de nós tem seu pedaço de serra.

na cidade toda de pedra

as ferraduras batem como sinos.

Os meninos seguem pra escola

Os homens olham pro chão.

Os ingleses compram a mina.

Só na porta da venda um velho cisma na derrota incomparável.

[Fontes de consulta: Biblioteca do Memorial Carlos Drummond de Andrade, da Itabira e BN-Rio]

Ilustração: Luiz Eugênio Quintão Guerra (Genin)

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