A tragédia anunciada já faz estragos continuados
Rafael Jasovich*
Completamos uma semana desde que Bolsonaro foi eleito. Foi uma sucessão tão alucinante de notícias e eventos trágicos para o país que a sensação é de que passou muito mais de uma semana. É como se ele tivesse sido eleito há mais de um mês, há meses. A lista que ele e seu grupo produziram é impressionante.
Na entrevista que marcou a “estreia” de Bolsonaro como presidente eleito, ao Jornal Nacional, na noite de segunda-feira (29), o país ficou sabendo que a ameaça de exílio e banimento da oposição está mantida e vale para os líderes do PT e PSOL; que o presidente eleito mantém intacta a mentira do “kit gay” e que a imprensa que não se ajoelhar irá sofrer sanções econômicas.
A partir de então, foi uma atrás da outra.
Ameaça de conflito com a China; ataques ao Mercosul; anúncio da transferência da embaixada brasileira para Jerusalém; ameaça de rompimento das relações diplomáticas com Cuba; ameaça de guerra contra a Venezuela. Com as bravatas, o governo eleito põe e risco quase a metade do comércio externo: 44,6% em valores referentes a janeiro-setembro de 2018 – nada menos que US$ 82,4 bilhões.
Paulo Guedes, um dos homens fortes do novo governo, além dos ataques ao Mercosul, hostilizou abertamente o empresariado industrial brasileiro dizendo que ele vive de fazer lobby, anunciou que tentará liquidar com a Previdência Social brasileira como mecanismo de solidariedade e que pretende implementar o modelo chileno, que causou uma hecatombe sobre os velhos do país atravessado pelos Andes. Não foi só: sinalizou o fim do BNDES e do papel de patrocínio à cultura do sistema S (Sesc, Senai, Sebrae, Senai e outros), voltando-o à tarefa de adestramento dos trabalhadores e trabalhadoras, tal como era idealizada a educação no século 19.
E mais: Guedes defendeu a “independência” do Banco Central, transformando-o em definitivo numa autarquia dos bancos privados. Nos bastidores, tem manobrado intensamente para favorecer os investimentos bilionários de seu grupo, o Bozano, em educação à distância, com a demolição das bases do ensino no país para sua privatização a implantação do modelo à distância (sem escolas físicas) até para as crianças do Fundamental.
Outro que desponta como homem forte do novo governo, o general Augusto Heleno, futuro ministro da Defesa, foi o responsável por reapresentar ao país uma figura que havia sido enterrada com o fim da ditadura: os militares da “linha dura”. No período ditatorial, quando os militares davam as cartas na vida nacional, a imprensa criou essa nomenclatura para caracterizar aqueles que eram os operadores do sistema de repressão, tortura e assassinatos políticos semiclandestinos dos governos dos generais. Heleno anunciou que acabou a era dos direitos humanos no país e que eles serão reservados apenas para os ” humanos direitos” – aquelas pessoas que, aos olhos do novo governo, comportarem-se de acordo com as expectativas.
Na sequência, o general avisou que o novo governo pretende mudar a legislação para que os policiais possam atirar contra as pessoas livremente, sem receio de punição. Ele apoiou abertamente a pretensão do governador eleito do Rio de estabelecer uma política de extermínio no Estado e foi além, referendando diretamente a intenção de Wilson Witzel de contratar atiradores (‘snipers’) para atirar ao seu bel-prazer contra ‘bandidos’. A ideia escandaliza juristas, que a consideram unanimemente ilegal e conta com a oposição até do ministro da Segurança de Temer, Raul Jungmann, que não pode ser ‘acusado’ de progressista. Logo após em seu twitter, Bolsonaro indicou seu apoio à ideia dos atiradores.
Augusto Heleno ainda desfechou um ataque violento ao embaixador Celso Amorim. Uma entrevista de Amorim à rede de TV global CNN esteve na origem da agressão. Ele acusou o ex-chanceler e ex-ministro da Defesa de promover uma “campanha no exterior contra o seu próprio país, mentindo sobre a prisão de Lula”. E disse que Amorim tem uma “atitude impatriótica, vergonhosa e injustificável” – um discurso típico das ditaduras contra seus opositores. A entrevista aconteceu na segunda-feira (29) e não foi por iniciativa de Amorim, mas da jornalista Christiane Amanpour, da CNN Internacional, respeitada mundialmente.
A encenação em torno do “convite” a Sérgio Moro para ser uma espécie de superministro da Justiça – completando o trio de homens fortes do novo governo, ao lado de Guedes e do general Heleno – foi outro destaque da primeira semana, na quarta-feira (1). Por conta de uma indiscrição do vice de Bolsonaro, o general Hamilton Mourão, o país ficou sabendo que a ida de Moro ao governo foi articulada em plena campanha eleitoral, enquanto ele atuava contra Lula e o PT.
Moro foi uma espécie de cabo eleitoral clandestino de Bolsonaro – um cabo eleitoral decisivo no resultado do pleito, pois foi o responsável por tirar do páreo o adversário que teria derrotado o capitão. Com a revelação de Mourão, a nomeação de Moro está maculada pela prova cabal de que a prática de lawfare contaminou a operação Lava Jato e espalhou-se como uma metástase por vastos segmentos do Judiciádio – lawfare é a expressão que significa uso das leis e dos procedimentos jurídicos para fins de perseguição política.
Houve mais, muito mais. Mas este breve resumo basta.
Mergulhamos num pesadelo, desses que por vezes nos assaltam na madrugada. Sabemos, mesmo dormindo, que é um pesadelo. Mas não conseguimos acordar e ficamos à mercê do terror com o qual ele nos encarcera. Será assim até 2022?
*Rafael Jasovich é jornalista e advogado, membro da Anistia Internacional
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