A página mais triste de nossa história

Carlos Cruz*

O Brasil, que não tem uma história das mais belas, tendo sido um dos últimos países a abolir a escravidão, vive um dos seus momentos mais triste com a condenação sem provas, só com evidências, do ex-presidente operário Luiz Inácio Lula da Silva. O mercado financeiro, os rentistas estão eufóricos. A classe média alienada que segue pato e que vota no truculento Jair Bolsonaro, também. Não sei se para esses haverá perdão, mas perdoai-os, pois historicamente não sabem o que andam fazendo.

A mídia, em sua grande maioria, tendo a Globo à frente, está exultante. Afinal, cumpriu bem o papel de moldar uma imagem do metalúrgico presidente como se ele fosse o mais corrupto entre os tantos (a maioria) dos políticos brasileiros. Balela. É verdade que eu gostaria de acreditar na total inocência de Lula, mas não sou inocente a este ponto. Com certeza, ele cometeu os seus erros, inclusive o de confiar em quem não era merecedor de sua confiança. Mas, com mais certeza ainda, o verdadeiro motivo de sua condenação é outro, o de contrariar os interesses da elite brasileira.

Foi talvez no afã de manter o poder – e assim transcender o Estado Democrático de Direito para o Estado Democrático de Bem-Estar Social, que se permitiram as malversações com o erário e as transações com empreiteiros que desde antes de Brasília ser construída vem saqueando o país. Lula errou, podia e devia ser diferente de todos os ex-presidentes que locupletaram ou que foram coniventes com a corrupção, esse grande mal que assola o país, além das saúvas.

Mas nunca vi tamanha celeridade em processar, investigar (a ordem invertida é proposital) e condenar um presidente, ao ponto de torná-lo o primeiro mandatário da República preso na história do país. Outros presidentes, como JK, por exemplo, foram também acusados de manter relações impróprias com empreiteiros. Ele também foi acusado de receber apartamento de um empreiteiro, seu amigo, na avenida Vieira Souto, no Rio, o que jamais foi provado. Havia apenas evidências, como no caso do tríplex. FHC, dizem, tem apartamento em Paris, incompatível com a sua história de vida, de professor universitário. Nunca, jamais, foi investigado.

No meio e protegido pelo povo, Lula jamais será esquecido (Fotos: Ricardo Struckert)

Não se pretende aqui dizer que se um roubou o outro também pode ter locupletado livremente. Só que Lula é o único que teve a sua vida devassada como nenhum outro político entre tantos corruptos de mão cheia neste país. Condenado no caso do tríplex sem prova. Dizem os que a ele se opõem, que nos outros processos as provas são “robustas”, evidentes. Argumentam, por exemplo, que no sítio de Atibaia (SP) foram encontradas cuecas do presidente com o seu DNA. E que essa prova é inconteste, por conter vestígios de seu esperma. Só se for assim…

A verdade que certamente ficará para a história é uma só: Lula foi condenado porque assim abre caminho para a direita truculenta ganhar as eleições. É o que pensam, mas espero, não será o que se verá. Pensam que sem ele, com os demais candidatos que representam a si mesmo e ao estado de coisas que aí está, de extrema injustiça social, possam manter esse estado de sucessivas e múltiplas injustiças sociais como está.

Lula, é verdade, não é um revolucionário, nem tão pouco um comunista a ser combatido a ferro e fogo pela intolerância dos defensores de uma ordem social injusta, como se fossem a própria “santa inquisição” das fogueiras medievais das vaidades vãs. Trata-se, sim, de um político reformista. Em seus dois governos, distribuiu renda com geração de emprego e com os programas de inclusão social.

Mas, infelizmente não tocou na questão das grandes fortunas amealhadas sabe-se lá como, na grande maioria dos casos por meios ilícitos. E não abandonou o tripé macroeconômico de controle de inflação, balança comercial favorável com incentivo às exportações e câmbio flutuante, tão caro ao mercado e aos rentistas – e que tanto mal faz ao povo brasileiro, por ser extremamente concentrador de renda, injusto pela sua própria natureza perversa.

Outro grande pecado talvez tenha sido não ter quebrado o monopólio da superpoderosa rede Globo de Televisão, que deve trilhões de reais ao Estado brasileiro por sonegação e empréstimos subsidiados e nunca pagos. A Vênus Platinada tem sido de longe o seu maior algoz, entre tantos outros veículos de comunicação que o querem longe de uma volta ao poder, para enfim fazer o que não fez nos seus dois mandatos presidenciais.

Hoje, Lula sofre por ter acreditado em muitos de seus algozes – e vai pagar na cadeia pelo que muitos fizeram em seu nome. Contra ele, pelo menos no caso do tríplex, só evidências foram suficientes para condená-lo. Não é justa a justiça de um país que prende um – e deixa a grande maioria dos corruptos solta.

Uma (in)justiça que deixa prescrever o processo do mensalão mineiro, que apoia e dá respaldo a um golpe parlamentar midiático para retirar da presidência aquela que foi consagrada pelo voto de milhões de brasileiros nas urnas. A presidente Dilma Rousseff foi apeada do poder por supostamente ter praticado “pedaladas fiscais”, mas que na verdade foi por contrariar o grande e poderoso mercado, essa entidade metafísica – e poderosa – que tanto mal faz ao povo brasileiro e que vê os seus interesses como sendo os únicos legítimos e que devem prevalecer no país.

O mercado financeiro está eufórico, vive grandes altas, gera lucros fabulosos aos rentistas e especuladores da má sorte alheia. O que a realidade confirma é que quanto maior é o lucro do mercado, menos sobra para os programas sociais de redistribuição de renda e para o bem-estar da maioria da população, trabalhadora e pobre. E vice-versa, quanto menos se investe no social, maior é o lucro dos que vivem da especulação. E privatizam tudo, até os nossos sonhos de uma sociedade melhor, socialmente justa.

Por isso, eles são contra toda política de distribuição de renda. Acham que subsidiar aqueles que nada têm é atraso e atrapalha o desenvolvimento do país. Confundem os seus interesses como sendo únicos e exclusivos. E, para isso, no afã do lucro fácil, encontram áulicos na imprensa e na classe média para defendê-los, sem que precisem, o mercado e os rentistas, de mostrarem os seus rostos.

Lula, ao contrário, nunca se escondeu. Tem atitude, enfrentou a ditadura que perseguia ferozmente os movimentos sociais, principalmente o sindical. Essa ditadura que matou e torturou – e que muitos que hoje se alegram com a sua prisão, a querem de volta. Lula tem o dom da palavra, fala a língua do povo – e isso a elite brasileira não suporta.

O Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria simples, negou o habeas corpus preventivo ao sempre presidente Lula. Não foi acatado o preceito constitucional da presunção da inocência, que só vale para aqueles que falam a língua dos ricos e poderosos. Lula foi vítima da cruzada punitivista, excludente e seletista, de uma polícia federal e de juízes a serviço de uma trama política que nasceu e foi incentivada além de nossas fronteiras.

No julgamento do habeas corpus no STF, cinco ministros conservadores, mas legalistas, rejeitaram as pressões da mídia encabeçada pela Globo. E votaram pela observância do princípio constitucional da presunção da inocência. Os outros seis rasgaram a Constituição. Esses cinco ministros criticaram a pressão da mídia endereçada à Suprema Corte do país. Mas foi o posicionamento contraditório da ministra que disse que iria votar contrariando as suas convicções (sic) para seguir a maioria que ela formou com o seu voto, que desequilibrou a balança, negando o habeas corpus preventivo ao presidente Lula.

Vestiram a toga dos mocinhos contra o mal, como se não fosse eles o próprio mal incorporado, e que historicamente se repete, abandonando a condição de juízes para se posicionarem de acordo com as diretrizes de um golpe anunciado, que ganhou força e finalizou com a Lava-Jato. Moro, aquele juiz de Curitiba, no conservador, para não dizer reacionário estado do Paraná, deve estar se sentindo o máximo. Entretanto, a história saberá dizer qual é o seu verdadeiro lugar: uma nota de rodapé nos livros de história.

Lula no palanque não tem para ninguém, por isso trataram de o tirar da cena política. Ou pelo menos assim pensam que conseguiram. Acreditam que para manter o que está aí, melhor deixá-lo trancafiado no xilindró. Mas essa sinistra trama pode não dar certo.

A prisão pode não ter o dom de regenerar os verdadeiros criminosos, mas a história confirma que aqueles que foram condenados injustamente permanecem no coração e na mente dos que o veem como um líder do povo. Como nunca antes, na história deste país, jamais existiu outro líder político de sua envergadura.

Com a sua prisão, eles (os golpistas) pensam que assim eliminam o risco de um líder popular voltar ao poder. Podem dar tiros n’água, pois mesmo dentro da prisão, só o seu nome e o seu exemplo de vida são o bastante para mobilizar milhões de eleitores – e assim influir na eleição de um candidato que não reze pela cartilha dos ricos e poderosos.

O momento hoje é de profunda tristeza para aqueles que não comungam com o “ideal” golpista. Mas com certeza isso passa. E das lágrimas de milhões de brasileiros veremos o triunfo daqueles que acreditam que a história não acabou e que “é um carro alegre que atropela indiferente todos aqueles que a negam”.

A verdadeira história do golpe e da prisão do Lula não tarda a se tornar inteiramente conhecida – e reconhecida. Lula permanecerá nas páginas da história como um grande líder e um presidente que, se não fez tudo o que podia para mudar o país, pelo menos tornou a sua população menos pobre e digna de respeito. Aos outros, os seus algozes, restará um lugar obscuro na história. Quem viver verá – e isso não tarda.

*Carlos Cruz é jornalista e editor deste site Vila de Utopia

 

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