A mulher santa
Em 9 de abril de 1891, a capital do império comemorava o 60⁰ aniversário do Te Deum, celebrado pela ascensão de Dom Pedro II ao trono. No meio dos festejos, os jornaleiros anunciaram um novo diário e matutino, na praça, o JB – Jornal do Brasil.
Era monarquista. Dois nomes do governo imperial, o ministro Rodolfo de Souza Dantas (1854-1901), o diplomata Joaquim Nabuco (1849-1910) passaram o chapéu entre os opositores do golpe militar e criaram o Jornal do Brazil.
Na primeira década de circulação do JB, Itabira de Matto de Dentro foi notícia por 10 vezes:
16/4/91 – anúncio do Banco Regional do Brazil publicita a incorporação da Cia. Brazileira de Extração de Ouro, portadora de parecer técnico para exploração de ouro em Minas Gerais, incluindo a lavra da Piedade, em Sant’Anna do Alfié;
14/2/1892 – parecer do engenheiro mineralógico, Manoel Thimotheo da Costa, da Escola Politécnica do Rio: “a exploração de ferro poderá ser feita por muito tempo a céu aberto. No tratamento do minério poder-se-á empregar as forjas catalãs e os cadinhos”;
3/5/1892 – revisão do estudo dos 60 primeiros quilômetros da Estrada de Ferro Ouro Preto-Peçanha-Itabira;
9/9/1893 – falecimento do cel. Francisco de Paula Andrade, “importante capitalista e influência política”;
22/11/1894 – informa da abertura de matrículas do Instituto Agronômico;
31/5/1898 – “Itabira está em festas imponentes com as manifestações dos primeiros graduados pelo Instituto Agronômico de Itabira. Os diretores e lentes, ofereceram lauto banquete aos assistentes, Costa Lima, Pio, Bias Fortes, Affonso Penna, Salles e outros sustentáculos do Instituto”;
13/6/1898 – replica notícia do Correio de Itabira sobre a organização do Partido Republicano, liderado pelo comendador José Antônio da Silveira Drummond, “abrilhantou a festa a Banda de Música Franco, seguindo o povo o comendador Drummond até a sua residência em meio de aclamações e vivas”;
13/8/1899 – Sobre a condução de mala dos Correios, ramal Ouro Preto-Itabira;
13/8/1899 – “Não é exato que esteja grassando em Itabira de Matto de Dentro a epidemia de cholerina. Disse o clínico Dr. Guerra que, apenas, se tem dado casos de diarreia catarral e muito pouco de desinteria, mas sem gravidade”;
15/5/1899 – finalmente a notícia da Mulher Santa. Com o título de Caso Curioso, pela primeira vez Itabira pinta na primeira página do JB.
A notícia saiu em destaque, logo abaixo de uma reportagem sobre as comemorações do dia 13 de maio, precedida de uma photographia do local de incêndio na Praça do Mercado. Confira a seguir (Cristina Silveira)
Deu no JB
Caso Curioso
O Minas Gerais, de Belo Horizonte, refere o seguinte em uma de suas últimas edições:
– Não há por aí ninguém que não se lembre da piedosa irmã Germana que, nos abruptos serros da Piedade, se conservou durante muitos dias em completo êxtase, tendo os braços abertos e os olhos voltados para o céu.
Lendas, as mais graciosas, foram arquitetadas, e o nome da obscura mulher em pouco tempo tornou-se popular, despertando o seu estado atenção geral.
Elevado número de pessoas venciam grandes distâncias e maiores dificuldades com o intuito de presenciar o extraordinário fato.
Saint Hilaire nas suas memórias faz menção desse acontecimento, dando-lhe explicação científica e natural, e o sr. Joaquim Norberto, no seu livro Brasileiras Celebres, dedica um capítulo à irmã Germana.
Até hoje quem visita os sítios de Macaúbas recorda-se da obscura mulher, e as pessoas que por lá residem contam a sua tocante história que foi ouvida dos seus antepassados.
Eis que agora nos chegam notícias de que não muito longe desta capital se encontra uma mulher em idênticas condições às de irmã Germana, e que vai, como esta atraindo a atenção pública.
Vejamos o que diz O Zuargo, da Itabira do Matto Dentro, em um interessante artigo assinado por Gentil:
“Há 32 anos que esta cidade observa, atônita, o fato estupendo do estado estático de uma senhora, durante a Semana Santa!
Logo nos primeiros dias desta semana conserva-se no leito em completa imobilidade, com as mãos postas sobre o peito, ficando nessa posição sem tomar o menor alimento, durante 10 dias e 10 noites.
Consta-me que apenas de vez em quando, ela faz o sinal da cruz, voltando em seguida à mesma imobilidade.
Será uma cataléptica?
Inclino mais a crer que seja uma santa, porque além de ser de uma virtude a toda a toda a prova, e além de ser paupérrima, a grande romaria que todos os anos invade a sua casa, dia e noite, durante o seu êxtase, prova que o povo já lhe rende um culto de adoração pelo grande respeito que lhe tributa, conservando-se no maior silêncio, em frente ao seu leito, para observa-la.
Conta-me que, em certa época, alguém duvidando da sinceridade do seu estado estático, lhe fincara, três vezes, em um braço, um alfinete, o enterrando quase todo; mas vendo que ela nem se movera com semelhante barbaridade, arrependera-se muito, e mais tarde lhe pedira perdão.
O nome dessa virtuosa senhora é d. Anna Barbara da Cruz, que conta atualmente com 39 anos.
[Jornal do Brasil, 1899.5.15. Hemeroteca da BN-Rio]
No destaque, o bairro Campestre, em 1956 (Acervo: IBGE)