A fome de ferro da decadente Europa e do big inimigo, os EUA, roubou de Itabira as possibilidades de futuro
E o que ficou?
– A destruição desmesurada da municipalidade.
A Vila de Utopia publica a segunda crônica da viagem de Assis Chateaubriand, face a face com o Pico do Cauê. Causa náusea e também é irritante, a leitura de artigos e crônicas, aos borbotões nas primeiras páginas dos jornais da década de 40.
Nas manchetes, o garrafal problema do petróleo e do ferro. Monteiro Lobato foi acusado e gramou cadeia, por formação de quadrilha, por insistir que havia petróleo no Brasil.
Parece que o destino reservou ao Brasil a falta de caráter, a indiferença com o sentido de Nação, indiferença ao sentido de posse territorial. É incompreensível!
Rebaixados à serventia capitalista, a gente vai levando a vida, acumula dores profundas espanadas na zoeira do carnaval de cada ano. Só nos sentimos satisfeitos diante do drama, da tragédia; o tranca-rua incomoda muito mais que a morte decorrente da pandemia. Imbecilidade do pré-capitalismo!
Esmeralda. Hematita. Ouro. Minérios. Preciosos minérios. Quer dizer, território rico. Para a cidade a falta deliberada do bem estar social. Os poderosos da Cidadezinha venderam a Soberania Municipal, talvez adoecidos pelo feitiço do “metal de transição brilhante”.
Mas o certo é que vazaram do território, levaram os caixotes de ouro, as bruacas com linho e seda, a mesa de jacarandá… de lei. Ficaram sombras e distâncias silenciosas.
Século 21 e a realidade social em Itabira é inaceitável. Segundo a Prefeitura, 15 mil pessoas passam fome. Quinze mil pessoas roubadas, do direito constitucional à Soberania e Segurança Alimentar. No mínimo há de se perguntar: onde estão os cristãos da cidade?
Naturalmente, que daqui a 78 anos os vivos recolherão do Jornal de Itabira, da Folha de Itabira, do Cometa Itabirano, do Passarela e da Vila de Utopia, artigos e crônicas provocadoras da mesma náusea e irritação, causadas pela obtusidade de agora, do tempo presente acerca da derrota incomparável do insolente e agressivo cume.
Em Bico Doce, o excelente cronista adjetiva o Cauê de insolente e agressivo. Uma insolência e agressividade, próprias de um Rei do Cangaço, que só pensava em vacas.
Insolência e agressividade faltaram aos poderosos da Cidadezinha na negociação com o Sindicato Farquhar e Paulista. Os resilientes municipalistas já haviam morrido.
Ah! Se na roda de negócios pudesse estar a industrial Maria Casemira de Andrade Lage, certamente que não seria tão desvantajoso o negócio.
E o Cornélio Penna acreditava: “Itabira, tesouro fechado de homens e mulheres”. Onde está a chave do tesouro?
(Cristina Silveira)
Bico Doce
Por, Assis Chateaubriand
(Bordo do Raposo Tavares, sobre o pico do Cauê, nas montanhas de ferro de Itabira, 1 de março)
Estamos face a face do pico do Cauê. Solicitamos do comandante do Raposo Tavares que dê duas voltas em torno do insolente e agressivo cume, onde dormem tantas riquezas latentes deste país.
Ao sopé, numa listra de barro vermelho nos faz descobrir facilmente o campo de pouso da cidade. Descortinamos as asas amarelas do ex-Santa Maria do sr. Antonio de Moura Andrade.
O gavião de penacho da Nordeste e da selva mato-grossense faz hoje o transporte de diretores e engenheiros da Companhia Vale do Rio Doce entre Belo Horizonte e Presidente Vargas.
Está reduzido a operar como táxi. Adeus estirões de 2 e 3.000 quilômetros, que juntos fizemos tantas vezes por estes céus afora! É um condor com os tico-ticos no fubá.
Foi a fome de ferro do Reino Unido, privado em virtude da guerra do minério sueco, belga e francês, quem induziu os homens de governo britânico e americanos a se dirigirem ao Brasil, e organizarem conosco a Companhia Vale do Rio Doce.
Os alemães, na Noruega, e no continente, este simples fato representa para a metalurgia inglesa o tratamento de duas fontes importantes de seus suprimentos normais.
Hoje a Grã-Bretanha vive das próprias reservas que são de baixo teor das jazidas da Espanha, que é um mercado incerto (porque o Franco espanhol oscila mais que o francês) e da África, onde o minério, no distrito de Uganda, se encontra em região de precário acesso.
O Brasil é uma das poucas fontes abundantes de minério, dotadas de uma ferrovia, um porto, ambos suscetíveis de serem melhorados e de reservas conhecidas para alimentar os altos fornos da Europa através de centenas de anos.
O Congresso de Minério de Ferro e Manganês de Estocolmo, reunido em 1912, calculou nas jazidas brasileiras um potencial para suprir a metalurgia do mundo, na base de 40 milhões de toneladas de produção, durante 700 anos.
E nós aqui passamos meio século a economizar minério, com medo de que ele acabasse, antes de chegar a nossa vez de o reduzirmos dentro do país, nos altos fornos nacionais.
Dada a premência da situação, menos dos Estados Unidos que da Grã-Bretanha, urgia que uma das formas da nossa colaboração para a vitória fosse a iniciativa nacional para mobilizar o subsolo mineiro, e daqui extrair os milhões de toneladas de ferro que as industrias britânicas transformam em fuzis, canhões, “tanks”, bombas, motores, metralhadoras, blindagem de navios de guerra, chapas de navios mercantes e outros instrumentos de conquistas do triunfo.
É o ferro tão vital para a existência da Grã-Bretanha, no conflito mundial, quanto o é a borracha para os Estados Unidos. Se as forjas e os laminadores ingleses não tiverem minério de alto teor para reduzir a ferro e aço, eles morrerão de inanição, como sucumbirão as fábricas de borracha de Akon, se a Amazonia não lhes proporcionar a borracha crua para as ligas indispensáveis à produção de borracha sintética.
Porque é preciso que se saiba que a borracha sintética, por mais aperfeiçoada que seja a sua fabricação, exige sempre uma determinada percentagem de produto natural, para que se obtenha a resistência necessária ao valor industrial do artigo.
Até hoje, nos carros de assalto alemães, tomados pelos russos, ingleses e americanos, se encontra, nos pneumáticos das rodas, a borracha sintética misturada com a borracha natural.
Pelo vale do Rio Doce se escoaram em 1942 mais de 100 mil toneladas de minério. É uma ninharia, diante do que temos inexplorado, de que nos comprometemos a extrair o exportar pelos acordos de Washington.
Para poder o Brasil transportar o milhão e meio de toneladas de minério, que ele se obrigou a entregar ao Reino Unido e aos Estados Unidos, a remodelação da Vitória-Minas constituía a primeira solução do problema.
Tinha que se modificar uma boa parte do traçado atual da estrada, segundo os estudos feitos em 1927 e 1928 pela comissão de engenheiros, peritos em construções de linhas férreas, próprias para o tráfico de minério, e que o sr. Percival Farquhar trouxe por conta sua e do seu grupo ao Brasil.
Tenho na memória o custo aproximado, ao dólar daquela época, das despesas com os estudos do novo perfil ferroviário, que agora se está executando, no vale do Rio Doce.
Foram mais de meio milhão de dólares dispendidos. Veio ao Brasil como engenheiro-chefe o homem reputado o maior perito ferroviário no mundo em estradas precipuamente destinadas ao escoamento de minério.
Praticamente a Companhia Vale do Rio Doce só tem seis meses de atividade. Nesse período incrementou-se a construção de galerias para a extração mais intensa do minério: aumentou-se o material rodante, melhorou-se a via permanente que vai receber trilhos muito mais pesados, e está-se completando o embarcadouro de Vitória.
Ao mesmo tempo se refazem aqueles trechos da via permanente que se destinam a eliminar raios de curvas assaz estreitos e rampas excessivas, dificultando a marcha veloz dos comboios serra abaixo.
Nunca se pensou, ao construir a Vitória-Minas, que ela viria a ser a chave de um sistema de distribuição de minério, em alta escala, pelos mercados sequer nacionais quanto mais estrangeiros.
Indispensável se tornou, portanto, transformá-la da sua primitiva função, que era o transporte de carga leve e de passageiros, para o tráfico de pesados trens de minério.
Vendo-se o Reino Unido em sensível carência de minério de ferro para vencer a guerra, olhou para os quatro cantos, no Atlântico, e só viu, como novidade, Uganda e Itabira.
Aqui em Itabira, estávamos nós de fauces abertas como o leão britânico também temos as suas: esse, faminto de hematite, e nós de recursos com que aparelhar a nossa incipiente economia nacional.
Interveio a boa vontade americana, pronta a fornecer ao Brasil dinheiro e material para o equipamento da Vitória-Minas e exploração dos campos ferríferos adjacentes.
É claro que aquilo que estamos recebendo não nos é trazido no bico de um beija-flor, que os srs. Roosevelt e Churchill nos mandem visitar. Aí está o sr. Warren Pierson, banqueiro, homem de negócios, e que trata conosco o assunto, em bases realísticas, isto é, com as bolas de débito e crédito.
Recebemos trilhos explosivos, perfuratrizes, locomotivas, vagões, caminhões, automóveis e por esse material pagamos aos nossos aliados com o sr. Getúlio Vargas, que é o gerente da firma, por 5 dólares, dinheiro bastante para remunerar o capital que nos foi alugado.
Não sei se todos sabem que a Companhia Vale do Rio Doce é aqui o mais doce dos negócios do Estado. O povo brasileiro se transformou do dia para a noite em seu dono.
E ficou senhor, proprietário dessa imensa jazida, sem dispensar um dólar, com intermediários, nem mesmo, o que fora curial, com a desapropriação dos direitos de propriedade dos antigos donos.
Um dia, porque o socialismo do Estado anda em marcha para o oeste também na Grã-Bretanha, o sr. Churchill mandou à city abafar os papeis da Itabira, que pertencia, a cidadãos ingleses. Pagou-os pela magra cotação de um negócio, que não andava, e entregou as ações ao governo do Brasil, contra a promessa da troca de minério.
Estamos, portanto, sentados comodamente no Pico do Cauê, a troco de reza. Isto aqui é nosso.
O presidente Getúlio Vargas é o único homem, no mundo, que já fez três revoluções, sentado em baionetas, como se estivesse num colchão de plumas, e se estira hoje sobre as agulhas negras desta montanha, dono de um ninho de ferro, que o inglês gratuitamente lhe arrumou, como o maior trono de sua glória de mágico.
O Cauê poderia chamar-se, não o pico, mas o bico doce do Estado Nacional. Porque por ele Getúlio Vargas come de colher, que ingleses e americanos também costumam dar-lhes esse utensílio.
[Diário de Pernambuco, 12/3/1943. Hemeroteca da Biblioteca Nacional-Rio]
O itabirano acolheu a CVRD de braços abertos, não pediu nada em troca além de empregos braçais e entregou a sua alma…
O poeta Drummond também disse o que você diz: Itabira vendeu a alma a cvrd. Vendeu também a dignidade de todos os descendentes até hoje. Viu a foto aqui na Vila de três homis do CDL, todos tem cara de britadeira, vendilhões de miséria. Em toda a região é Itabira a cidade pior, com baixo índice de dignidade humana., sem escrúpulo, sobrou umas gatas e uns gatos pingados que se pode chamar de decentes, a maioria teve a mente industrializada e se ufana disso. Itabira é um mal-mau exemplo…