A “estratégia discursiva” dos cartazes que pediram golpe no 7 de setembro
Foto: João Canizares/Agência Pública
Para pesquisador da UERJ, mensagens “criam caos” para “fomentar o golpe”; ao menos 23 cartazes e faixas anti-democráticas foram identificados pela Pública em Brasília
Por Laura Scofield, Rubens Valente, Yolanda Pires
Agência Pública – O policial militar reformado do Distrito Federal Aroldo Soares da Silva, 63, morador de Guará (DF), colocou duas faixas, em português e em inglês, que exigiam “Fora Suprema Corte comunista” na grade de proteção instalada pela PM no gramado em frente ao Congresso Nacional nesta quarta-feira do 7 de setembro em Brasília.
Perguntado pela reportagem da Agência Pública se não era um ato contra a democracia, Aroldo respondeu: “Não é um ato contra a democracia porque a democracia é cumprir a Constituição brasileira. Se você não está cumprindo a Constituição e não foi eleito pelo povo, você deve sair”, disse. Segundo ele, há “muitas coisas” da Constituição que o STF (Supremo Tribunal Federal) “não está cumprindo” e o presidente Jair Bolsonaro “já fez com que a população visse isso”.
Pedidos por “intervenção” das Forças Armadas — um eufemismo para golpe, ação ilegal e sem respaldo na Constituição —, pela destituição de ministros do STF e com ataques ao processo eleitoral brasileiro circularam pela Esplanada dos Ministérios, em Brasília, ao longo de toda a manhã do 7 de setembro, transformado pelos bolsonaristas em ato político e eleitoral, como mostrou nossa reportagem.
A Pública fotografou 52 faixas e cartazes exibidos por manifestantes, dos quais 23 tinham mensagens golpistas ou atacavam a lisura das próximas eleições presidenciais marcadas para outubro — o número equivale a 44% da amostra. Uma das faixas mais extensas dizia: “Queremos o presidente Bolsonaro no Poder. Intervenção militar no Judiciário, no Legislativo e nova Constituição e a criminalização do comunismo no Brasil. Já!!!”
Um homem carregava um cartaz verde e amarelo que dizia: “Presidente, acione as Forças Armadas. Faça intervenção democrática”. Outra faixa pregava: “Presidente Bolsonaro, acione as Forças Armadas para ‘nova constituição anti-comunista’”. Uma terceira repetia: “Presidente, acione as Forças Armadas!”
Outra das faixas pedia a “demissão” de nove ministros do STF citados nominalmente — ficaram de fora somente André Mendonça e Kássio Nunes Marques, ambos indicados ao cargo por Jair Bolsonaro.
Cartazes pediam o “saneamento” do STF, do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e do Congresso. “PR [presidente], restaure a lei e a ordem no Brasil!”, dizia outra faixa, traduzida para o inglês, numa aparente tentativa de levar a mensagem ao público internacional.
Outro cartaz em inglês dizia “A família cristã apoia o presidente Bolsonaro e as Forças Armadas”. Uma mulher que carregava o cartaz, que preferiu não ser identificada, disse que viajou de Salvador (BA) até Brasília para participar do ato de apoio ao presidente. “Só estou segurando (a faixa)”, disse à Pública ao ser questionada sobre o propósito do cartaz.
A reportagem também presenciou uma briga entre dois bolsonaristas no evento. Um deles, pró-golpe, foi questionado por outro, que disse que o golpe era uma “pauta errada”. A discussão começou com uma faixa que pedia “intervenção militar” e “criminalização do comunismo” e gerou gritaria na manhã de 7 de setembro na Esplanada. “É a única pauta! Aqui é limpeza geral!”, gritava o homem que defendia a intervenção das Forças Armadas. Ele acusava o outro, que era contrário ao golpe, de ser “petista”.
O advogado João Batista Camargo Filho, 72, viajou de Uberlândia (MG) com sua esposa para participar do 7 de setembro na Esplanada. Vestido de amarelo, ele empunhava uma faixa contra o “ativismo judicial” e, ao seu lado, carregada por um casal amigo, outra faixa afirmava: “Sem urnas auditáveis é fraude!!”
“Eu sou advogado, eu falo isso porque eu vivo na pele. O ativismo judicial é uma aberração, em todas as instâncias.”
Sobre o voto eletrônico, argumentou: “Se o ‘seu’ Barroso não tivesse a certeza absoluta de que o voto não tinha como fraudar ele não teria ido pressionar dez presidentes de partidos para não deixar a PEC ser votada. O ‘seu’ Barroso forçou para não ter o voto auditável. O Barroso acha que é mais inteligente que todo mundo, ao passo que nós brasileiros somos mais inteligentes que ele, e sabemos que sem o voto auditável é fraude”.
Camargo se refere à votação em julho do ano passado na qual a Câmara dos Deputados rejeitou o voto impresso. Na ocasião, porém, Barroso não procurou os líderes, tão somente aceitou um convite formulado pela Câmara dos Deputados.
Em diversas matérias é comum que a Câmara, por meio de audiências públicas, procure ouvir representantes dos diversos setores relacionados ao assunto em discussão. Uma audiência pública para discutir exatamente o voto impresso fora solicitada inclusive pela deputada bolsonarista Bia Kicis (DF), que estava no carro de som ao lado do atual presidente durante o ato de 7 de setembro.
O advogado também desacreditou as várias pesquisas de intenção de voto realizadas por inúmeros institutos de pesquisa nos últimos meses que indicam a liderança do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na corrida presidencial. Sugeriu, sem provas, que há um conluio entre o PT e “a imprensa” para cometer “uma fraude”.
Afirmou ainda que Lula é atingido com ovos quando comparece a eventos públicos. Desde o começo do ano, contudo, ocorreu apenas uma situação do gênero, e sem qualquer repercussão. Em 16 de agosto, um homem em São Bernardo do Campo (SP) jogou dois ovos na multidão enquanto Lula falava num trio elétrico, mas não atingiu ninguém, os ovos nem chegaram perto do carro de som.
Nesta campanha eleitoral, um vídeo de 2018 foi requentado nas redes sociais bolsonaristas, dando a entender que Lula fora recebido com ovos num evento em Santa Catarina. O fato já foi desmentido pelas agências de checagem de dados.
“É muito simples, vou te explicar”, disse o advogado, que afirmou ter sido presidente da subseção regional da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) em Uberlândia.. “Qualquer motociata que você vai tem centenas, milhares de pessoas, qualquer lugar que você vai, que o Bolsonaro vai, tem milhões de pessoas apoiando o Bolsonaro. Como é que pode um nove dedos, ladrão, pilantra, chamado Lula, como é que pode esse cara liderar uma corrida presidencial… E onde ele vai ele é ovado, ovado! Leva ovo na cara! Como é que ele pode falar? Isso é a imprensa preparando uma fraude! Esse povo acha que nós somos idiota.”
Além dos 23 cartazes e faixas antidemocráticas, os manifestantes levaram ao evento pelo menos 11 mensagens contra o STF ou ministros do tribunal. O repositor de estoques Danilo Lima, 41, maquiou o rosto como palhaço, colocou uma capa de vampiro do Conde Drácula e estendeu uma faixa:
“Xandão, o ministro palhaço mais covarde do Brasil”, em referência ao ministro do STF Alexandre de Moraes que conduz inquéritos sobre atos antidemocráticas e fábricas de fake news bolsonaristas e que, no 7 de setembro de 2021, foi chamado de “canalha” pelo presidente da república.
O estoquista, que pediu para ser chamado de “Danilo Só Alegria”, passou a manhã inteira tirando selfies com manifestantes que posavam ao lado da mensagem. Ele disse que encarna “personagens de protesto” para colocar na sua página no Facebook.
“[O protesto] é porque esse cara [Moraes] é covarde, né. É cara que não respeita a Constituição, cara que não respeita as regras, cara que ‘tá achando que é maior que o presidente [Bolsonaro]. Então isso revolta qualquer um, cara.”
Prisão para Xandão”, pediu outro manifestante, que levou um cartaz com a imagem do atual presidente do TSE atrás das grades. Ao contrário do ato de 7 de setembro do ano passado, quando Bolsonaro afirmou que não cumpriria decisões judiciais de Alexandre de Moraes, neste ano o presidente fez críticas veladas ao tribunal e seus ministros. Disse que, se reeleito, obrigará a todos a cumprirem as “quatro linhas da Constituição” e completou: “todo mundo sabe o que é o Supremo Tribunal Federal”.
“Há uma estratégia que lança mão de um discurso cuja lógica, como toda lógica bolsonarista, é completamente invertida”, disse em entrevista à Pública o professor João Cezar de Castro Rocha, da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro). “E sempre a conclusão é a mesma: ‘se há tantas pessoas na rua, como é possível que nas pesquisas o Lula esteja na frente?’ […] Essa estratégia discursiva só tem um objetivo: criar caos e fomentar o golpe”, explicou.
Segundo Rocha, o método não é novo e já foi bem-sucedido na história brasileira. “Em 1964, no dia 1º de abril, quando os militares deram um golpe violento de Estado, com tanques nas ruas, a estratégia discursiva dos militares não foi dizer que eles deram um golpe, foi dizer que se tratava de uma contrarrevolução, porque estava em curso uma revolução comunista”, afirmou o pesquisador.
“Para alguém afirmar, com convicção, que intervenção militar com Bolsonaro no poder restituiria a liberdade, porque vivemos uma ditadura da toga, é porque a lavagem cerebral foi bem conduzida. É esse o objetivo, é perigosíssimo isso.”
Medidas de segurança
As faixas e cartazes antidemocráticos não se traduziram em atos concretos contra a sede de instituições ao longo da manifestação. O plano de segurança montado pelo Governo do Distrito Federal procurou afastar esse risco.
Diferentemente de 2021, neste ano caminhões do agronegócio não puderam entrar na Esplanada e o esquema de segurança foi montado com uma distância maior dos prédios de instituições como o Itamaraty e o Congresso Nacional.
Uma barreira de proteção foi montada próximo ao Congresso, o que impediu o acesso do público à Praça dos Três Poderes, onde estão o STF e o Palácio do Planalto. Minutos antes do discurso do presidente Jair Bolsonaro e de aliados num carro de som alugado por ruralistas, dezenas de pessoas se aglomeraram próximo à barreira, alguns pedindo que os policiais militares liberassem a passagem, o que foi negado.
No setor reservado mais próximo ao trio elétrico em que Bolsonaro discursou na manhã do 7 de setembro, as pessoas só passavam depois de revista com detector de metal. Também havia seguranças revistando bolsas em alguns locais de entrada da Esplanada, mas era possível entrar no espaço sem esbarrar com algum deles.
No caminho ao trio elétrico onde o presidente discursou, apoiadores que se identificaram como CACs (colecionadores e caçadores de armas) brincaram que passariam as armas por debaixo da grade depois da medida de segurança.
“O presidente falou que os CAC pode (sic) entrar armado, então é nós na fita”, disse um deles. “Vai que tem uns vermelhos e nós temos que alinhar (sic)”. “Eliminar”, corrigiu o outro, que em seguida gritou “Lula” para ver se alguém respondia.
O policiamento envolveu, na PMDF (Polícia Militar do Distrito Federal), tropas da Cavalaria, do Batalhão de Choque e do Batalhão de Policiamento com Cães.
Segundo nota da PMDF com informações da SSP-DF (Secretaria de de Segurança Pública do DF), “os militares recolheram materiais não autorizados, como hastes de bandeiras feitas com madeira e cano de PVC, pedaços de madeiras utilizados como suporte de banner, materiais perfurocortantes, aerossóis e cadeiras portáteis com materiais frágeis”.
Colaboraram: Alice Maciel, Caio Freitas Paes e João Canizares