Defesa da Vale diz que Prefeitura não tem competência para multar a mineradora, que nega responsabilidade exclusiva pela poeira em Itabira

Fotos: Carlos Cruz

À semelhança do que fez o vereador Rodrigo “Diguerê” Assis Silva (PTB), em reunião da Câmara no dia 24 de outubro de 2023, ao pedir à professora Ana Carolina Freitas Vasques, da Unifei, doutora em Ciências Atmosféricas, “provas científicas de que a Vale é a principal responsável pela poluição do ar em Itabira”, o advogado da Vale, Ricardo Carneiro, repetiu o mesmo sofisma na reunião do Conselho Municipal de Meio Ambiente, nessa sexta-feira (16).

Segundo ele, não há como responsabilizar a Vale como sendo a única poluidora do ar em Itabira, afirmou ao contestar junto ao órgão ambiental municipal a multa de R$ 7,9 milhões, em decorrência da extrapolação do parâmetro máximo de poeira em suspensão admitido pela legislação municipal, em 25 de agosto de 2023, conforme registrou a estação de monitoramento do bairro Fênix.

“Não se pode afirmar, com base nesse monitoramento, que uma só fonte foi responsável por estourar esse limite”, sustentou o advogado. Segundo ele, a estação faz um monitoramento difuso e outras fontes de poluição também afetam a qualidade do ar, como a fuligem das queimadas, assim como a movimentação de caminhões pelas ruas do bairro.

“Toda movimentação de caminhões e outros veículos, assim como o tempo seco e vento forte também contribuem para que ocorra essa extrapolação”, sustentou o advogado em defesa oral da mineradora.

O advogado sustentou ainda que o município não tem competência legal para multar a empresa por poluição do ar. Isso por ser a atividade mineradora licenciada pelo Estado e não pelo município.

Esse argumento foi contestado, na mesma reunião, pelo também advogado Glaucius Detofoll Bragança, conselheiro do Codema representando a Loja Maçônica, para quem essa tese da defesa já foi derrubada pela Justiça local.

“Em outro processo semelhante, sobre outra multa, no qual o escritório do senhor também defende a Vale, o juiz já definiu que o município tem essa competência de fiscalizar e multar”, afirmou Dofoll Bragança. Essa competência de fiscalizar é comum aos entes da federação brasileira (União, Estados e Municípios), nos termos da Constituição Federal e da Lei 9.605/1998.

Advogado da Vale, Ricardo Carneiro, repetiu no Codema o sofisma de que o monitoramento da qualidade do ar não tem como atribuir responsabilidade exclusiva da mineração pela poluição do ar em Itabira

Doenças respiratórias

Detofoll também divergiu do advogado da Vale ao afirmar que as partículas totais em suspensão (PTS) sujam as casas e as roupas no varal, mas não faz mal à saúde, uma afirmativa sem base científica. “Além de doenças respiratórias, causa também doenças mentais, pois as pessoas são impactadas ao verem a sujeira provocada pela poeira em suas residências”, acentuou

Além disso, os agravos à saúde provocados pela poeira em suspensão foram acentuados pelo estudo epidemiológico, realizado em 2005, pela equipe do professor Paulo Saldiva, da USP, em atendimento à condicionante da Licença de Operação Corretiva (LOC) aprovada no ano 2000.

Por esse estudo, mesmo não tendo sido conclusivo, a equipe da USP sustentou que a poeira mais grossa, embora possa em grande parte ser retida nas vias aéreas superiores, agrava as doenças respiratórias (rinite, faringite, bronquite, asma).

Já mais recentemente, uma pesquisa da Unifei, em parceria com a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), publicada na revista Environmental Advance, constatou que o material particulado atmosférico encontrado na cidade de Itabira pode ser internalizado, ou seja, entrar nas células de pulmão humano, promovendo efeitos citotóxicos em condições de laboratório (in vitro).

“Esse estudo indicou que as PTS (a poeira em suspensão) dissociam no corpo hídrico em nanopartículas e pode ingressar nas células pulmonares”, relatou na reunião com os vereadores a professora Ana Carolina, ocasião em que foi indagada, pela bancada da Vale na Câmara, se havia prova científica de que poeira despejada sobre Itabira contém partículas de minério de ferro entre os seus principais componentes.

Leia mais aqui:

Poeira da Vale agrava doenças respiratórias e cardiovasculares em Itabira, causa mortes prematuras e onera o sistema de saúde, afirma pesquisadora da Unifei

Para se chegar a confirmação científica da predominância de ferro na poeira em suspensão,  pesquisadores da Unifei avaliaram a composição do material particulado despejado sobre Itabira, tendo confirmado a presença também de outros metais pesados, todos vindos das minas da Vale, com concentrações maiores que as encontradas em grandes capitais como São Paulo, Belo Horizonte, Recife, Porto Alegre, Curitiba.

Como exemplo desses metais, a professora Ana Carolina relacionou a presença de titânio, crómio, vanádios, chumbo. “Fizemos esse levantamento para avaliar quais são os impactos à saúde”, disse a professora, explicando que o objetivo foi saber como isso reflete na qualidade de vida do itabirano exposto a esses poluentes.

Além das partículas totais em suspensão, mais grossas, principalmente agora com o advento das pilhas de estéril a seco, já se constata a presença na poeira em suspensão de particulados mais finos de 10 microgramas por metro cúbico (µg/m³) e de 2,5 µg/m³, utilizando-se a mesma metodologia da Organização Mundial de Saúde.

“A pergunta que nos norteou nesse estudo foi verificar quantas internações por doenças respiratórias e cardiovasculares são associadas à exposição das pessoas ao material particulado fino de minério”, explicou a professora e pesquisadora da Unifei.

O resultado, segundo ela, é preocupante e exige políticas públicas urgentes – e não provas científicas de que a poeira que encobre a cidade vem mesmo das minas e pilhas da mineradora Vale, sem cobertura vegetal e ou mesmo com aplicação de polímeros para conter a poeira em suspensão. Isso para não se ter de repetir à exaustão o óbvio ululante.

Multa é mantida e Vale vai recorrer na Justiça

Após a exposição do advogado contratado pela Vale, os conselheiros do Codema votaram pela manutenção da multa de R$ 7,9 milhões, que certamente não será quitada mineradora multinacional, assim como não foram as anteriores.

A Vale vai recorrer na Justiça para não pagar, como sempre faz. Para isso, conta com a morosidade e beneplácito da Justiça, que sequer julgou a ação civil pública proposta pelo ex-promotor José Adilson Marques Bevilácqua, em 1986, para apurar a responsabilidade da mineradora pela emissão de particulados contendo o pó preto de minério na cidade de Itabira.

 

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