À beira do abismo: o ataque dos Estados Unidos ao Irã e o fantasma da Terceira Guerra Mundial
Foto: Divulgação/ Forças de Defesa de Israel
O mundo acorda em estado de alerta
Por Valdecir Diniz Oliveira*
Nesse sábado, 21 de junho de 2025, o mundo se assustou com o som de sirenes, explosões e manchetes estampadas em letras garrafais dos grandes jornais: três instalações nucleares iranianas – Fordow, Natanz e Esfahan – foram bombardeadas por forças norte-americanas em operação conjunta com Israel.
Donald Trump, em pronunciamento relâmpago, chamou o ataque de “cirúrgico e necessário”, uma medida preventiva para desmantelar o suposto avanço nuclear do Irã. Mas não há nada de preventivo quando se joga gasolina em um barril de pólvora já em combustão lenta.
A reação foi imediata. O Irã declarou que os Estados Unidos “cruzaram uma linha vermelha muito grande”, prometendo retaliação. O secretário-geral da ONU, António Guterres, rompeu o tom burocrático habitual. E declarou: “O ataque representa uma escalada perigosa em uma região já em crise – e uma ameaça direta à paz e à segurança internacionais.”
Guterres alertou para uma “espiral de caos”, com “consequências catastróficas para os civis, a região e o mundo”. É como se estivéssemos revivendo uma velha peça de teatro trágico cujas falas já conhecemos de cor – só não sabemos ainda quem cairá no último ato.
Por que estamos à beira do abismo?
Estamos à beira do abismo porque, pela primeira vez em décadas, três potências nucleares – Estados Unidos, Rússia e China – estão diretamente envolvidas, ainda que em graus diferentes, em um conflito que pode se expandir para além das fronteiras regionais.
O Irã já declarou que “a guerra começou” e prometeu resposta. A Rússia convocou reuniões de emergência e alertou para “consequências irreversíveis”. A China acusou os EUA de violarem a Carta da ONU e pediu cessar-fogo imediato. A arquitetura diplomática do pós-guerra está ruindo diante de nossos olhos.
Estamos à beira do abismo porque o ataque americano não foi um erro de cálculo, mas uma decisão estratégica. Trump afirmou que as instalações nucleares iranianas foram “completamente destruídas” e ameaçou novos ataques caso o Irã não se renda ou aceite negociar sob pressão militar. Isso não é diplomacia – é chantagem armada.
E o Irã, mesmo enfraquecido, ainda possui capacidade de resposta. O fechamento do Estreito de Ormuz, por onde passa um quinto do petróleo mundial, é uma opção real.
A escalada pode provocar uma crise energética global, inflação em cadeia e recessão em economias já fragilizadas. O impacto seria sentido do Golfo Pérsico aos supermercados de Itabira, São Paulo, Berlim, Tóquio.
O peso da história e a hipocrisia nuclear
O ataque não é um evento isolado, mas sim o capítulo mais recente de uma longa história de ingerência e arrogância. Desde que a CIA derrubou o primeiro-ministro iraniano Mohammad Mossadegh em 1953 por ousar nacionalizar o petróleo, o Irã se tornou alvo preferencial da política externa norte-americana.
A Revolução Islâmica de 1979 acentuou essa aversão, transformando o país – a antiga e próspera Pérsia – em pária na ordem ocidental. E, no centro da questão, está sempre o mesmo recurso: poder.
Seja pelo controle do petróleo, das rotas comerciais ou da influência sobre governos vizinhos, o que move Washington não é exatamente a defesa da paz – mas a perpetuação da sua hegemonia.
Enquanto isso, Israel – parceiro inseparável dos EUA – mantém seu arsenal nuclear silencioso, jamais declarado oficialmente. Já o Irã, signatário do Tratado de Não Proliferação Nuclear, é perseguido e punido por tentar desenvolver uma tecnologia que outros países já possuem abertamente.
Trata-se de uma duplicidade moral que grita: por que alguns podem e outros não? Quem decide quem é confiável o suficiente para segurar o botão vermelho?
Petróleo, armas e a engrenagem da guerra
Nos bastidores, o que realmente alimenta esses conflitos são os interesses econômicos e militares. O Oriente Médio é o coração energético do planeta. O Estreito de Ormuz – por onde passa 20% do petróleo mundial – pode ser fechado a qualquer momento.
Um confronto prolongado na região teria impacto direto no preço do barril, elevando-o a níveis estratosféricos e redistribuindo o poder econômico global. Mas quem lucra com isso?
As grandes petrolíferas, os fabricantes de armamentos – e também as mineradoras produtoras de minerais estratégicos para fomentar a guerra – que já esfregam as mãos diante da possibilidade de contratos bilionários. Porque, para eles, a guerra é apenas uma excelente oportunidade de negócios.
O padrão se repete: Iraque, Síria, Ucrânia
E esse modelo não se aplica apenas ao Irã. Basta lembrar a invasão do Iraque, justificada por armas de destruição em massa que nunca existiram. Ou a guerra na Síria, onde rotas energéticas e interesses regionais se entrelaçam em um emaranhado de sangue e cinismo.
Ou ainda o conflito na Ucrânia, em que a expansão da OTAN, o acesso ao Mar Negro e o enfraquecimento da Rússia pesaram mais que qualquer princípio moral.
A história nos ensina que, quando grandes potências falam de liberdade, é bom checar quem está vendendo petróleo, fornecendo armas ou assinando acordos bilionários nos bastidores.
China e Rússia: o contrapeso geopolítico
Diante disso, não surpreende que a China e a Rússia tenham reagido com veemência. Moscou chamou o ataque de “irresponsável”, enquanto Pequim disse que os EUA “exacerbam tensões e violam a soberania dos povos”.
Mas há mais do que retórica nessas declarações: Rússia e China veem no Irã um aliado estratégico contra a hegemonia ocidental.
A Rússia compartilha com Teerã tecnologia militar e inteligência. A China é sua principal compradora de petróleo, além de estar investindo pesadamente em infraestrutura por meio da Nova Rota da Seda.
Juntos, esses países formam o que alguns analistas já chamam de “Eixo das Potências Revisionistas”, que busca redesenhar a ordem mundial para servir a outros interesses –não apenas ao do Ocidente.
O império e sua moral de conveniência
No entanto, os Estados Unidos seguem com seu papel de xerife do mundo, como bem define Noam Chomsky (1928-), linguista, filósofo e ativista político norte-americano, reconhecido mundialmente por sua crítica implacável ao imperialismo e à política externa dos EUA.
Professor emérito do MIT e autor de obras fundamentais como O que o Tio Sam Realmente Quer e Manufacturing Consent, Chomsky denuncia há décadas o belicismo norte-americano como uma ameaça sistêmica à paz global.
Em uma de suas frases mais contundentes, ele afirma: “Você nunca precisa de um argumento contra o uso da violência – você precisa de um argumento para ela.”
São os Estados Unidos que definem quem é bom ou mau, quem pode viver ou morrer, quem deve ser ignorado e quem merece bombardeios “cirúrgicos”. Essa arrogância geopolítica vem da Guerra Fria, mas sobrevive intacta.
Com a força das armas e a narrativa moldada em grandes redes de comunicação, os EUA continuam impondo uma moral de conveniência ao resto do planeta – como se sua versão de “paz” fosse universal, quando muitas vezes é apenas silêncio imposto sob escombros ainda quentes.
A advertência de Einstein
Nesse cenário, vale lembrar a famosa frase de Albert Einstein: “Não sei como será a Terceira Guerra Mundial, mas sei como será a Quarta: com paus e pedras.”
A advertência do físico não era poesia – era um alerta. Um conflito nuclear não deixaria vencedores, apenas sobreviventes tentando reconstruir a civilização com os escombros da própria arrogância.
Será o retorno à barbárie e à selvageria, quando a incipiente humanidade em seu processo civilizatório buscava a sobrevivência – e a imposição de um grupo sobre o outro na conquista por território, por meio de arco e flecha.
Mas o que estamos vendo não é o começo de um embate entre civilizações, mas o colapso de um modelo de mundo que já não se sustenta. A ONU grita por diplomacia. O Irã promete vingança. Os EUA acenam com mais bombas. E a humanidade, mais uma vez, caminha à beira do abismo.
*Valdecir Diniz Oliveira é cientista político, jornalista e historiador.
Fontes consultadas
- Organização das Nações Unidas (declarações oficiais de António Guterres)
- Al Jazeera, BBC, CNN, Reuters, DW – cobertura internacional sobre o ataque dos EUA ao Irã
- Arquivos históricos da CIA sobre o golpe no Irã em 1953
- Documentos do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP)
- Frase atribuída a Albert Einstein em entrevistas e discursos sobre armamento nuclear
- Análises geopolíticas em Foreign Policy, The Guardian e Le Monde Diplomatique