Mariana, 10 anos depois: ato público em Itabira é organizado para exigir justiça por crimes da mineração

 

Mobilização nesta quarta-feira (5) é para lembrar de não se esquecer das vítimas do rompimento da barragem de Fundão e denunciar a impunidade

Nesta quarta-feira (5), data que marca os dez anos do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), a Comissão de Atingidos do Sistema Pontal convida a população de Itabira para um ato público de memória, denúncia e reivindicação.

A programação começa às 15h, com concentração na praça Acrísio de Alvarenga, onde será realizado um ato em homenagem às vítimas de Mariana.

Em seguida, às 16h30, os participantes se reúnem no Centro Comercial do Bela Vista, de onde partem em caminhada pelas ruas do bairro até a praça da Rua João Júlio de Oliveira Jota (Rua 7), às 17h, exigindo reparação para os atingidos em Itabira e justiça para todos os impactados pelos crimes da mineração.

O maior desastre-crime ambiental do Brasil
Bento Rodrigues, após o rompimento da barragem de Fundão: o distrito foi engolido pela lama tóxica de rejeitos de minério de ferro, deixando um rastro de destruição e mortes (Foto: Reprodução/Corpo de Bombeiros)

Em 5 de novembro de 2015, a barragem de Fundão, operada pela Samarco, uma joint venture entre a Vale e a BHP Billiton, se rompeu, liberando cerca de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério.

A enxurrada de lama destruiu o distrito de Bento Rodrigues, matou 19 pessoas, provocou o aborto de uma sobrevivente e contaminou a bacia do rio Doce por mais de 600 km, até o oceano Atlântico — onde a lama chegou à foz do rio, no distrito de Regência, em Linhares (ES), impactando gravemente comunidades pesqueiras tradicionais.

O mar, que antes sustentava centenas de famílias com a pesca artesanal, tornou-se fonte de medo e incerteza, assim como o rio Doce para muitas comunidades ribeirinhas.

A água do mar escurecida e os sedimentos tóxicos comprometeram a reprodução de espécies marinhas, como robalos, camarões e siris, e provocaram o colapso da atividade pesqueira local. Pescadores foram proibidos de exercer seu trabalho por tempo indeterminado, sem garantias de renda ou reparação adequada. Muitos enfrentaram fome, depressão e abandono institucional.

Além dos danos ambientais, o rompimento da barragem de Fundão destruiu modos de vida e saberes ancestrais ligados ao rio e ao mar.

Crime sem castigo

Foi assim que a lama não apenas matou pessoas e contaminou ecossistemas, apagou também histórias, rompeu vínculos culturais e deixou um rastro de sofrimento que ainda se estende por toda a bacia do rio Doce, provocando uma crise humanitária e ambiental sem precedentes na história da mineração. .

Apesar da gravidade do crime-desastre, nenhum executivo da Samarco, da Vale ou da BHP foi condenado.

Em 2024, a Justiça Federal absolveu os réus do processo criminal, decisão que gerou indignação entre os atingidos – e foi contestada pelo Ministério Público Federal, que recorreu. Os acordos de reparação seguem incompletos: milhares de famílias ainda não receberam indenizações justas, moradias definitivas ou acesso pleno à água limpa.

Tragédia anunciada e repetida em Brumadinho
Lama da barragem rompida em Brumadinho polui rio Paraopeba e causa impactos duradouros aos moradores vizinhos (Foto: Reprodução/Corpo de Bombeiros

Menos de quatro anos depois, em 25 de janeiro de 2019, a história se repetiu não como farsa, mas como uma tragédia ainda maior.

A barragem B1 da mina Córrego do Feijão, operada diretamente pela Vale, se rompeu em Brumadinho, despejando 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos e matando 272 pessoas, entre trabalhadores, moradores e visitantes.

O impacto ambiental e humano foi brutal: o rio Paraopeba foi contaminado, 26 municípios foram atingidos, e estudos da Fiocruz identificaram níveis elevados de metais pesados no sangue e urina de moradores.

A tragédia gerou adoecimento mental, aumento da criminalidade e casos de suicídio. A Vale e a consultoria Tüv Süd são rés no processo criminal, mas até hoje não há condenações.

Em ambos crimes, a lógica empresarial priorizou o lucro em detrimento da vida, ignorando alertas técnicos e protocolos de segurança. A repetição do crime revela um padrão de negligência e impunidade que ainda marca o setor minerário no país.

Itabira em luta: memória, resistência e reparação
Obras no Sistema Pontal impactam há anos moradores dos bairros Bela Vista e Nova Vista, com insegurança, ruídos e violações de direitos (Foto: Carlos Cruz)

O ato desta quarta-feira em Itabira é também um protesto contra os impactos da descaracterização do Sistema Pontal, que tem causado sofrimento às famílias dos bairros Bela Vista, Nova Vista e Jardim das Oliveiras.

É assim que a mineração predatória segue avançando sobre territórios, ignorando direitos, desfigurando paisagens e destruindo modos de vida que resistem há gerações.

Enquanto isso, a Vale se apresenta como referência em práticas de ESG (Environmental, Social and Governance), que reúne compromissos com sustentabilidade ambiental, responsabilidade social e governança ética.

A empresa propaga essa imagem em campanhas publicitárias, relatórios corporativos e eventos internacionais. No entanto, essa narrativa tem servido mais como estratégia de marketing do que como compromisso real com os territórios que explora.

Esse tipo de propaganda enganosa é conhecido como greenwashing, que é quando empresas simulam responsabilidade socioambiental para melhorar sua reputação pública, enquanto continuam a violar direitos e causar danos profundos.

Os fatos são incontestáveis: dois rompimentos de barragens, centenas de mortes, rios contaminados, comunidades destruídas e nenhuma condenação efetiva. Mariana em 2015 e Brumadinho em 2019 revelam um padrão de negligência que contradiz qualquer compromisso ético.

Impactos de vizinhança

Em Itabira, essa contradição se materializa, desta vez, nos bairros Bela Vista e Nova Vista, onde moradores vivem sob ameaça e incerteza diante da construção da segunda Estrutura de Contenção a Jusante (ECJ2), anunciada como medida preventiva para o caso de ruptura dos diques Minervino e Cordão Nova Vista, que compõem o Sistema Pontal.

A obra tem gerado tremores, ruídos, poeira e insegurança entre os moradores, muitos dos quais vivem a poucos metros dos canteiros.

Até agora, 17 famílias foram removidas da região, enquanto outras ainda não sabem se terão de deixar suas casas.

A falta de transparência sobre os critérios de remoção e os planos de reassentamento tem gerado angústia e denúncias de violações de direitos. A Justiça já reconheceu os danos e cobra reparações, mas os moradores seguem sem respostas claras.

É nesse contexto que a Comissão de Atingidos reforça o convite à população. “Sua presença fortalece a voz dos atingidos e reafirma que a justiça se constrói com o povo organizado.”

Dez anos depois de Mariana, e quase sete após Brumadinho, os crimes da mineração seguem impunes.

A memória das vítimas exige ação. E como ensinou Drummond, é preciso lembrar de não esquecer. Isso porque esquecer é permitir que a injustiça se repita.

A luta por justiça continua viva nas ruas, nas comunidades e na consciência de quem não aceita que vidas sejam tratadas como rejeito.

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