Heraldo Noronha responsabiliza a Vale pela falta de água em Itabira e sugere que mineradora supra as demandas domiciliares com caminhões-pipa
Fotos: Acervo Vila de Utopia
Crise hídrica se agrava com estiagem prolongada, escassez nos sistemas públicos e domínio das outorgas pela mineração
Diz o ditado popular que quando sabiá começa a cantar é sinal de que a chuva vai chegar, como ocorre agora no início da primavera com o canto alvissareiro. Mas, infelizmente, esse presságio pode não se concretizar tão já.
Segundo o Clima Tempo, a previsão para os próximos dias em Itabira indica apenas chuvas leves e pancadas isoladas. O período chuvoso, aquele que realmente alivia os reservatórios e abastece os bairros, só deve começar na segunda quinzena deste mês.
Foi nesse contexto que o vereador Heraldo Noronha (PRB), que virou crítico contumaz da mineradora Vale, fez pela segunda vez uma sugestão que também soa como provocação. Durante a reunião da Câmara Municipal, nessa terça-feira (7), ele propôs que a mineradora forneça caminhões-pipa para ajudar no abastecimento da cidade, atendendo às demandas domiciliares.
“Como o aniversário de Itabira está chegando aí, eu queria que a Vale nos presenteasse com o fornecimento de caminhão-pipa para assegurar o abastecimento de água nas residências onde a água do Saae não está chegando”, disse o edil itabirano.
“Eles vêm com festa, vêm com negócio disso, negócio daquilo. O que adianta festa, sr. Presidente, se nós não estamos tendo água suficiente até mesmo para tomar um banho todos os dias?”, criticou.
O vereador se referia à programação festiva realizada pela mineradora no sábado (4), em comemoração aos 177 anos de emancipação política de Itabira. “Passear de trem é bom, sim, é cultura, é bom, mas só que a Vale podia nos ajudar mais um pouquinho, devolvendo a nossa água”, cobrou.

“Levou rios de dinheiro e deixou pouco”, diz vereador
Noronha também mencionou o recente aporte de R$ 60 milhões feito pela Vale para a conclusão de três novos prédios da Universidade Federal de Itajubá (Unifei), campus Itabira, no Distrito Industrial Maria Casemira Andrade Lage.
Embora tenha reconhecido a importância da parceria, ele ponderou que o valor é insignificante diante da riqueza mineral que a empresa já extraiu da cidade ao longo das décadas.
“A Vale ajudou, sim, com esses 60 milhões para a Unifei, e a gente agradece. Mas é muito pouco se comparado ao que ela já levou daqui. Foram anos e anos retirando nosso minério, nossa riqueza, e deixando quase nada em troca. Levou rios de dinheiro de Itabira, e devolveu migalhas. Esse investimento, perto do que ela faturou, é simbólico”, afirmou o vereador.
Falta de água mesmo dentro do cronograma

A crítica à crise hídrica também se estendeu ao Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae). O vereador Leandro Pascoal (PSD) cobrou maior rigor na execução do cronograma de racionamento, alegando que o planejamento divulgado não tem sido cumprido, o que compromete a rotina das famílias.
“Eu sei que está acontecendo a questão do racionamento, a dificuldade da água mesmo. Isso é normal, acontece no Brasil todo. Mas foi divulgado um cronograma e ele não está sendo cumprido da forma que foi apresentado. Tem bairro ficando sem água dois dias antes do previsto. As pessoas se programam, mas são surpreendidas com a falta d’água fora de hora.”
Pascoal sugeriu que o Saae envie equipes de fiscalização para verificar o que está acontecendo nos bairros e ajustar o rodízio conforme o que foi prometido à população. “É só uma cobrança mesmo ao Saae. Sabemos que a falta de água é notória, mas é preciso viabilizar melhor essa programação. O Saae está deixando o pessoal sem saber o dia certo que vai ter abastecimento.”
Investimentos recentes e problemas antigos

O líder do governo na Câmara, vereador Bernardo Rosa (PSB), reconheceu que o Saae enfrenta uma situação crítica, resultado de anos de abandono e falta de investimento, conforme ele constatou em 2021, visitando as Estações de Tratamento de Água (ETA) Pureza e Gatos.
Segundo ele assegurou, o atual governo tem buscado reverter esse cenário com obras estruturantes, mas os efeitos ainda não são percebidos pela população.
“O Saae ficou muito tempo sem investimento. Agora o governo busca recuperar, mas são muitos problemas acumulados. Não é fácil, nem barato. A gente está colhendo consequências de omissões antigas. O atual governo tem investido, sim, mas como ficou tanto tempo parado, parece que não faz efeito. Faz, e vai fazer. Só que leva tempo”, afirmou o vereador.
Entre os investimentos citados pelo edil estão o início da construção de uma nova Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) na região do bairro Pedreira e a primeira etapa de captação de esgoto no Distrito Industrial, com recursos superiores a R$ 1,5 milhão.
Rosa também disse ainda que foi preciso readequar o projeto da ETE Pedreira, que teve de ser revisto após aumento inesperado no custo de insumos, o que tem atrasado a execução.
Segundo o líder do prefeito, a Prefeitura está empenhada em resolver essas demandas, mas os desafios são técnicos e financeiros. Ele também informou que outras obras estão em fase de planejamento, como a intervenção no canal da Praia, onde uma rede de esgoto rompida passou a escorrer diretamente para o córrego da Penha antes de alcanlçar a ETE Laboreaux – um problema de saneamento que vem arrastando desde administrações anteriores, ainda sem solução.
Fontes suprimidas e domínio da água pela Vale

Itabira sofre há décadas com a supressão de suas principais fontes de água, como Camarinha, Chacrinha, Borrachudo, Três Fontes e tantas outras superficiais e subterrâneas, comprometidas ou extintas em função da atividade mineradora. Esse processo histórico de degradação hídrica tornou a crise em Itabira persistente, histórica e estrutural.
Atualmente, a maior parte das outorgas de uso da água no município está sob controle da mineradora Vale. Segundo levantamento realizado por pesquisadores da Unifei, a empresa detém 75,25% das autorizações de captação hídrica em Itabira, enquanto apenas 19,18% são destinadas ao consumo na cidade. O restante é dividido entre usos diversos, como agricultura e serviços.
O que sobrou para abastecer a população são as poucas águas superficiais que alimentam as Estações de Tratamento de Água (ETAs) Pureza e Gatos, ambas operando com vazão abaixo do necessário para atender à demanda urbana. Em períodos de estiagem, como o atual, essas fontes se tornam ainda mais escassas, agravando o racionamento.
Por força de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado com o Ministério Público de Minas Gerais, a Vale é obrigada a fornecer 160 litros por segundo (l/s) de água para reforçar o sistema público de abastecimento.
Esse reforço foi estabelecido até que se conclua as obras de transposição de água do rio Tanque, como compensação por esse quase monopólio hídrico, que deveria ter sido realizada desde que foram estabelecidas as condicionantes com a aprovação da Licença de Operação Corretiva (LOC), em 2000.
No entanto, sem a transposição do Rio Tanque — adiada sob a justificativa de que os aquíferos que seriam legados suficientes para abastecer a cidade com água de melhor qualidade — foram feitos alguns “puxadinhos” nas redes de distribuição, que não se mostraram definitivos e não alteraram a situação de escassez nem a pressão sobre o sistema. Mesmo o reforço de 160 l/s fornecido pela Vale tem sido insuficiente para evitar a falta de água na maioria dos bairros.
Oposição denuncia má gestão e desperdício

Único vereador na oposição, Luiz Carlos de Souza (MDB) fez duras críticas à gestão municipal durante a reunião da Câmara. Ele denunciou o pagamento de uma taxa de quase R$ 200 mil pela Prefeitura de Itabira, referente à repactuação de contrato firmado com a Caixa Econômica Federal (CEF) por meio do programa Financiamento à Infraestrutura e ao Saneamento (Finisa).
O Finisa é uma linha de crédito voltada ao setor público, destinada a financiar obras de infraestrutura urbana, saneamento, mobilidade, iluminação pública, entre outras áreas essenciais.
O contrato firmado entre a Prefeitura e a Caixa previa a liberação de recursos para execução de obras estruturantes, mas, segundo o vereador, os prazos não foram cumpridos, o que resultou na cobrança da taxa por reestruturação contratual.
“É revoltante. Tinha dinheiro em caixa, mas não fizeram as obras e ainda pagaram multa. Isso mostra falta de responsabilidade com o dinheiro público”, criticou Luiz Carlos.
O contrato firmado com a CEF foi de um financiamento de R$ 100 milhões destinado a obras de infraestrutura urbana, incluindo pavimentação de vias, construção de equipamentos públicos e melhorias no sistema viário.
Entre essas intervenções, destaca-se o asfaltamento da rodovia municipal que conecta os distritos de Senhora do Carmo e Ipoema, cuja qualidade, vale ressaltar, supera a de outras rodovias municipais já pavimentadas, embora a obra ainda não tenha sido concluída.
O parlamentar também apontou que, além da inexecução das obras, há indícios de má gestão em outras áreas. Ele mencionou denúncias encaminhadas ao Ministério Público sobre o aumento salarial de agentes políticos e irregularidades no transporte escolar. “Crianças andando em pé, sem cinto, em ônibus lotados. Fiz ocorrência, denunciei, e vou continuar fiscalizando. Esse é o papel do vereador”, afirmou.
Caminhão pipa é recurso para emergência. Talvez, o ideal é instalar equipamento de recolhimento de águas de chuva e reaproveitamento de águas cinza em todas as casas da cidade. Mas, a Vale quer mesmo é deixar Itabira a mingua, na miséria, a beira da morte.
Fora Vale Maldita!