STF dá início, nesta terça-feira (2), ao julgamento do golpe em meio à pressão internacional e ameaça continuada à democracia
Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil
Momento histórico julga a articulação criminosa que tentou impedir a posse de Lula e que agora se desdobra em ofensiva acintosa dos Estados Unidos contra ministros do Supremo, com novas ameaças de taxação sobre produtos brasileiros
Valdecir Diniz Oliveira*
O Supremo Tribunal Federal (STF) julga a partir desta terça-feira (2) o núcleo central da tentativa de golpe que buscou impedir a posse legítima do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. No centro da denúncia está Jair Bolsonaro, ex-presidente da República, acusado de liderar uma organização criminosa com ramificações militares, digitais e internacionais.
E como se não bastasse o escândalo doméstico, o país encara uma afronta externa sem precedentes: Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, busca acintosamente interferir diretamente nos rumos da Justiça brasileira, aplicando sanções contra ministros do STF e impondo tarifas econômicas como forma de retaliação.
A engrenagem do golpe
A denúncia da Procuradoria-Geral da República revela que Bolsonaro não apenas dissemina mentiras sobre o sistema eleitoral, como também articula três frentes para se manter no poder ilegalmente: pela força, com apoio das Forças Armadas, pela caneta, com decretos de intervenção no Judiciário, pela violência, com planos de prender e até assassinar autoridades como Lula, Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes.
Entre os réus estão Braga Netto, Mauro Cid, Ramagem, Anderson Torres, Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira e Almir Garnier. Todos respondem por tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. As penas podem ultrapassar 40 anos de prisão.

Família Bolsonaro e lobby internacional
Jair Bolsonaro cumpre prisão domiciliar em Brasília desde agosto, por descumprimento de medidas cautelares impostas pelo STF. O ex-presidente mantém silêncio público, enquanto seu filho, Eduardo Bolsonaro, atua nos Estados Unidos desde março, buscando apoio político e diplomático para pressionar o STF.
Ele tem-se encontrado com autoridades norte-americanas, documentando esses encontros em redes sociais, pedindo sanções contra Alexandre de Moraes e outros ministros da Corte.
A atuação de Eduardo é investigada pela Polícia Federal como tentativa de obstrução de Justiça e atentado à soberania nacional.
A estratégia de buscar apoio externo para pressionar o Judiciário brasileiro é vista por juristas como uma extensão da tentativa de golpe, agora com ramificações internacionais.
Trump interfere diretamente no Brasil, o que não é novidade em se tratando dos Estados Unidos
A ingerência de Trump não é mais uma ameaça, mas um fato consumado. O presidente norte-americano já impõe tarifas de até 50% sobre produtos brasileiros como carnes, frutas, cerâmica e bens de capital.
Além disso, o governo dos Estados Unidos aplica sanções contra o ministro Alexandre de Moraes com base na Lei Magnitsky, uma legislação originalmente criada para punir ditadores e violadores sistemáticos de direitos humanos.
A medida, imposta pelo governo Trump, inclui o cancelamento de vistos, o congelamento de ativos sob jurisdição americana e uma campanha de pressão diplomática aberta contra o STF.
A aplicação da lei ao ministro brasileiro é duramente criticada por seu próprio autor, o deputado democrata Jim McGovern, que classificou a decisão como “vergonhosa” e contrária ao espírito da norma.
Segundo McGovern, Moraes atua dentro dos limites constitucionais para proteger a democracia brasileira e garantir que os responsáveis por ataques às instituições sejam julgados com base na lei – sem que ocorra perseguição política ou de qualquer outra natureza.
Em resposta à ofensiva externa liderada por Donald Trump, o governo brasileiro articula medidas junto à Organização Mundial do Comércio (OMC) e ao bloco dos Brics para fortalecer o comércio multilateral e reduzir a dependência do dólar nas transações internacionais.
A estratégia, que busca proteger a soberania econômica do país, incomoda ainda mais Trump e seus aliados, que enxergam na reação brasileira um desafio direto à hegemonia norte-americana, já enfraquecida e cada vez mais contestada por potências emergentes como a China, que ignora barreiras alfandegárias e avança com agressividade sobre os mercados globais.
STF reage com firmeza
O julgamento é conduzido pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, composta pelos ministros Cristiano Zanin (presidente), Alexandre de Moraes (relator), Cármen Lúcia, Luiz Fux e Flávio Dino. Estão previstas oito sessões entre os dias 2 e 12 de setembro, com possibilidade de extensão caso haja pedido de vista ou deliberação sobre questões preliminares.
Diante da gravidade do caso e da proximidade com o feriado de 7 de Setembro, data historicamente marcado por mobilizações bolsonaristas pseudos nacionalistas, o STF adota o mais alto nível de segurança.
A Corte restringe o acesso à Praça dos Três Poderes, instala novos pórticos de detecção de metais, mobiliza tropas especiais da Polícia Militar, do Bope, do Comando de Operações Táticas (COT) da Polícia Federal, além de reforçar o policiamento ostensivo com agentes vindos de outros tribunais.
Além disso, drones com imagem térmica realizam varreduras diurnas e noturnas, enquanto cães farejadores patrulham o entorno do tribunal. A Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, em parceria com a Polícia Judicial do STF, ativa a “Célula Presencial Integrada de Inteligência” — estrutura que reúne órgãos locais e nacionais para monitorar redes sociais, rastrear movimentações suspeitas e antecipar ações de risco.
Ministros indicam que a ingerência externa será enfrentada com firmeza nos votos, e que qualquer tentativa de pressão internacional pode agravar a situação jurídica dos réus.
Um julgamento que define o futuro
Mais de mil pessoas já são denunciadas por envolvimento nos atos golpistas, incluindo os que participaram dos ataques de 8 de Janeiro. Mas agora, o STF julga os líderes, os que planejaram e tentaram executar a ruptura institucional.
A condenação de Bolsonaro e seus aliados já é um marco na história republicana. É que, pela primeira vez, militares de alta patente enfrentam um tribunal civil que deve punir exemplarmente a conspiração contra a democracia brasileira.
Juristas como Eloísa Machado e historiadores como Carlos Fico apontam que o julgamento é um divisor de águas. Isso não apenas pela responsabilização penal, mas pela reafirmação do pacto democrático e da independência dos poderes.
O Brasil não se curva
É assim que o julgamento do núcleo golpista é mais do que uma resposta jurídica. É um manifesto pela soberania nacional.
A interferência de Donald Trump nos assuntos internos do Brasil é uma afronta que exige resposta firme. Mas o Brasil não se curva a caudilhos estrangeiros nem a generais nostálgicos da ditadura. A democracia, conquistada com suor e sangue, se defende com coragem, voto e justiça.
Com bem disse Alexandre de Moraes, na abertura do julgamento, assim encerro este artigo: “Pacificação é desejo de todos nós, mas não se confunde com covardia ou impunidade”.
Que assim seja, com a condenação e prisão dos golpistas.

*Valdecir Diniz Oliveira é cientista político, jornalista e historiador
**Com informações da Agência Brasil, Folha de S.Paulo, Revista Fórum e O Globo