Lula veta 63 trechos do PL da Devastação, mas mantém mineração no licenciamento; em Itabira, licença da Vale segue vencida desde 2016

Foto: Carlos Cruz

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou nesta sexta-feira (8) a Lei Geral do Licenciamento Ambiental com 63 vetos a trechos considerados críticos por ambientalistas. Apesar dos cortes, a mineração de grande porte foi mantida como atividade passível de licenciamento pelas novas regras, o que reacende preocupações em Itabira, onde a mineradora Vale opera com licença ambiental vencida há quase uma década.

A nova legislação, apelidada por movimentos socioambientais de PL da Devastação, foi aprovada pelo Congresso com ampla flexibilização dos processos de licenciamento. Lula vetou pontos que permitiriam autodeclaração para atividades de médio impacto e supressão facilitada de vegetação nativa, mas preservou a inclusão da mineração, considerada estratégica pelo governo.

A imponente Serra do Esmeril, em Itabira, que nos anos 1940 dominava a paisagem com sua vegetação natural, foi devastada pela atividade mineradora da Vale a partir da década de 1980, sem que fossem aplicadas as compensações ambientais e sociais (Foto: Acervo IBGE)
Licença da Vale em Itabira está vencida desde 2016

Em Itabira, a Vale segue operando com a licença ambiental do Complexo Minerador vencida desde 16 de outubro de 2016. O pedido de renovação foi protocolado em 2017, mas até hoje não foi concluído pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad-MG). A empresa se ampara em prorrogação automática prevista em decreto estadual, enquanto acumula passivos ambientais e sociais não reparados.

Entre os impactos estão o desmatamento da Serra do Esmeril, a poluição atmosférica, o rebaixamento dos aquíferos, além da remoção de moradores ao longo da história – e agora em bairros como Bela Vista, Nova Vista e Jardim das Oliveiras, impactados pela descaracterização de diques da barragem do Pontal.

Com a nova lei, foi instituída a Licença Ambiental Especial (LAE), mecanismo que permite que empreendimentos considerados estratégicos avancem com mais rapidez, mesmo sem cumprir todas as etapas tradicionais do licenciamento.

A medida provisória que garante vigência imediata à LAE foi publicada também nesta sexta-feira (8), no mesmo dia em que o presidente Lula sancionou, com vetos, o projeto de lei que reformula o licenciamento ambiental. A nova licença será aplicada a projetos definidos como prioritários pelo Conselho de Governo, formado por representantes dos ministérios.

Essa flexibilização pode abrir caminho para que a Vale obtenha novas autorizações sem consulta pública ou análise técnica aprofundada – etapas fundamentais para estabelecer condicionantes mitigadoras e compensatórias, inclusive para corrigir passivos históricos e impactos não reparados em cidades como Itabira.

Projeto Apolo é ameaça ao Gandarela
Segundo ambientalistas, o projeto Apolo, da Vale, ameaça a Serra da Gandarela e a segurança hídrica da RMBH (Foto: Reprodução/Instituto Cordilheira)

Outro ponto de atenção em Minas Gerais é para o projeto Apolo, da Vale, previsto para ser implantado entre Caeté e Santa Bárbara, na zona de amortecimento do Parque Nacional da Serra do Gandarela.

O empreendimento está em análise pelo Copam-MG e é alvo de críticas por seus potenciais impactos sobre aquíferos que abastecem a Região Metropolitana de Belo Horizonte, além de riscos à biodiversidade e às comunidades locais.

Com a mineração mantida na nova lei e a LAE em vigor, o licenciamento do projeto Apolo pode ganhar agilidade, mesmo diante de alertas técnicos e sociais.

É assim que aumenta a preocupação de ambientalistas, pois temem que a medida enfraqueça o controle sobre empreendimentos em áreas sensíveis, como o Gandarela, que abriga vegetação nativa em estágio avançado de regeneração e cavernas com alto grau de endemismo.

Governo promete novo projeto

Para suavizar os impactos da sanção, o governo anunciou que enviará ao Congresso um novo projeto de lei com urgência constitucional, propondo redações ajustadas para os trechos vetados.

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmou que o objetivo é “garantir agilidade sem perda de qualidade” e preservar os direitos de comunidades tradicionais.

Ainda assim, o cenário preocupa especialistas e movimentos sociais, que veem na manutenção da mineração e na implementação da LAE uma porta aberta para novos retrocessos.

De volta a Itabira

A Vale detém mais de 75% da vazão outorgada em Itabira, enquanto o consumo humano fica com apenas 19%, além de ter rebaixado os aquíferos (Foto: Carlos Cruz)

Em Itabira, onde a mineração em larga escala pela Vale já se estende por mais de 80 anos, a ausência de compensações ambientais e a indefinição sobre o futuro da atividade, cuja exaustão está prevista para 2041 e já se manifesta nas sucessivas quedas de produção, agravam o sentimento de insegurança diante do fim inexorável da principal base econômica do município.

É urgente acelerar o processo de requalificação econômica do município, atrasado por décadas pela crônica escassez de água, agravada pelo monopólio da mineração sobre as outorgas hídricas. A Vale detém mais de 75% da vazão outorgada em Itabira, enquanto o consumo humano fica com apenas 19%, o que inviabilizou a diversificação produtiva e afastou investimentos que dependem de segurança hídrica.

Sem mudanças estruturais, o risco é alto: em menos de duas décadas, Itabira pode se tornar uma cidade esvaziada, quase fantasma. Daí que o futuro é hoje, e a cidade já está atrasada frente à urgência da transição econômica.

Com a simplificação do licenciamento ambiental para a mineração, aprovada no novo marco legal e reforçada pela Medida Provisória que institui LAE, Itabira perde ainda mais, inclusive o seu poder de barganha, enquanto ainda dispõe de reservas e recursos minerais – uma oportunidade que escapa de cobrar as compensações historicamente devidas pela exploração de seu território.

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