Vale apresenta Plano de Fechamento das Minas de Itabira ao Codema, mas sem indicar uso futuro para áreas mineradas
Imagem: Reproduçao/ PFM/Vale
Carlos Cruz
A Vale encaminhou ao Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema) seu Plano de Fechamento da Mina (PFM), apresentando diretrizes para o encerramento das estruturas industriais, na reunião do órgão ambiental, nessa sexta-feira (13).
A apresentação foi em cumprimento a uma condicionante do órgão ambiental municipal ao aprovar a anuência para a continuidade do processo de licenciamento da ampliação das cavas das minas do Meio e Conceição, além da instalação de duas novas pilhas de estéril/rejeito no complexo minerador.
No entanto, o documento não traz alternativas para o uso futuro das áreas mineradas, diferentemente do que foi proposto no Plano Regional de Fechamento Integrado das Minas de Itabira (PRFIMI), apresentado pela própria empresa à Bolsa de Nova Iorque, em 2013, como um modelo inovador de transição econômica para o município.
Segundo o analista Alessandro Resende, da Gerência de Fechamento da Mina, esse PRFIMI, elaborado pela Tüv Süd Bureau de Projetos e Consultoria, sob coordenação do engenheiro civil Arsenio Negro Júnior, indiciado na ação penal que investiga o rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão, da Vale, em Brumadinho, o documento foi elaborado como um exercício interno para conhecimento dos territórios.
“Documentos semelhantes a esse foram elaborados também para outras minas da Vale”, disse o analista da empresa, assegurando que esse PRFIMI não foi enviado ao antigo Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM), diferentemente do que informou este site Vila de Utopia.
“Na época não havia essa exigência de protocolar (na agência reguladora), só agora, com a edição da portaria da ANM (Agência Nacional de Mineração), publicada em 2021, que passamos a encaminhar. Esse documento (PRFIMI) serviu de subsídio para a elaboração do atual PFM”, informou.

Diretrizes do Plano de Fechamento
De acordo com os representantes da Vale, o PFM encaminhado ao Codema segue os critérios estabelecidos pela Resolução ANM-68, atendendo às exigências da agência reguladora da mineração e da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam).
Segundo a Vale, o plano tem um termo de referência definido, e todas as diretrizes foram seguidas rigorosamente, sem exceção, mas sem apresentar planos para reconversão econômica do municípios, repita-se à exaustão.
Entre os pilares do projeto, destaca-se o conceito de fechamento progressivo, que busca a estabilização física e química das estruturas minerárias. “Não significa que as estruturas não estejam estabilizadas hoje, mas que o fechamento exige uma estabilização diferente da fase operacional”, afirmou Paulo Amaral, especialista em fechamento de minas da Vale.
Outro ponto central do documento ressaltado pelos analistas da Vale é a adequação das áreas mineradas às boas práticas internacionais e nacionais do setor mineral. “O desenvolvimento segue a conformidade com as normativas globais do ICMM e as legislações ambientais nacionais, como a Resolução ANM-68 e as diretrizes da Feam”, explicou Amaral.
Apesar das ações previstas para o encerramento das atividades industriais, o plano não especifica o destino das áreas exauridas, deixando em aberto o uso futuro desses espaços, que poderiam ter aproveitamento econômico, ambiental ou social desde já, como são os casos dos diques construídos a montante que já estão sendo desativados nas barragens do Pontal e Rio de Peixe.
É preciso, portanto, que a empresa apresente também qual deve ser o uso futuro que está projetando para as áreas mineradas após a exaustão, a exemplo do que fez no PRFIMI. E que não seja para disputa de motocross, como propõe o diretor da mineradora de Uso Futuro, Gustavo Roque.

No documento encaminhado à Bolsa de Nova Iorque em outubro, consta a instalação de um “ecoparque industrial, ênfase em áreas das ciências médicas que apresentem um alto potencial de retorno monetário, favorecendo, portanto, a reanimação da economia da cidade de Itabira após o encerramento das atividades de mineração”.
O PFM é exigido para novos requerimentos de lavra e registros de licença de operação, conforme a mesma Resolução ANM nº 68/2021. Esse plano é essencial para garantir que a desativação da mina ocorra de forma sustentável, considerando impactos ambientais e sociais, sem deixar os territórios à mercê de um esvaziamento econômico com o fim das atividades e com a reabilitação das áreas degradadas.
Para saber mais, acesse o PFM enviado ao Codema aqui.
E compare-o com o PRFIMI aqui.

Diferentemente do que diz a Vale, Itabira está na contramão das boas práticas internacionais
Enquanto países como Austrália, Canadá e Estados Unidos vêm se consolidando como referências globais em políticas de fechamento de minas, Itabira, cidade-símbolo da mineração no Brasil, ou seja, de como não deve ser a mineração dita sustentável, enfrenta incertezas diante da iminente exaustão, ainda que prevista para 2041 – e como também pela ausência de projetos para a diversificação econômica.
Nos modelos internacionais mais avançados, o fechamento de mina é previsto ainda antes da abertura das operações, no Brasil só passou a ser recentemente. O PFM da Vale em Itabira só foi apresentado após mais de 80 anos de atividade extrativa – sem transparência suficiente e sem as alternativas necessárias para o uso futuro das áreas mineradas.
Isso diferentemente do que ocorre no Canadá, onde as empresas são obrigadas a apresentar planos detalhados e garantias financeiras para assegurar o cumprimento das ações mesmo em caso de falência ou encerramento abrupto.
Na Austrália e no Chile, há também ampla participação das comunidades afetadas em todas as etapas do processo, com reuniões públicas, consultas e medidas de compensação social. A Austrália sediou a 17ª Conferência Internacional de Fechamento de Mina, quando especialistas discutiram soluções inovadoras e sustentáveis, que precisam ser seguidas em Itabira.
Da mesma forma, os Estados Unidos têm uma abordagem regulatória robusta, com foco na reabilitação ambiental e na reutilização do território. Em Nevada, por exemplo, foram discutidas recentemente as melhores práticas globais para reabilitação de minas e gestão de áreas abandonadas, inclusive com partipação da ANM.
É assim que, enquanto países desenvolvidos e mais civilizados apostam na reconversão econômica dos territórios, transformando antigas minas em polos de inovação, turismo ou áreas de conservação ambiental, o plano apresentado para Itabira não contempla com clareza projetos de geração de renda e emprego após o fim da mineração.
Esses países mostram que o fechamento de mina não é apenas uma obrigação legal, mas uma oportunidade de transformar áreas degradadas em espaços produtivos ou de conservação, assegurando o futuro sustentável dos territórios minerados.
Isso enquanto em Itabira, cidade que foi o berço da Vale, corre o risco de enfrentar um vácuo econômico sem precedentes após a exaustão mineral, sem que tenham sido criadas alternativas econômicas devido a vários fatores, a exemplo da falta de água, já que as principais outorgas no entorno da cidade ficaram com a mineração.
É assim que em Itabira o cenário é oposto do que se vê na maioria dos países. O PFM permaneceu sob sigilo durante anos e, quando finalmente foi revelado, gerou mais dúvidas que respostas. E só foi apresentado após recorrentes cobrança deste site e após virar condicionante da anuência concedida à Vale pelo Codema.

Justiça ambiental e legado histórico
A expectativa de parte dos itabiranos é que a Vale transforme Itabira em exemplo mundial de fechamento de mina responsável — não apenas por uma questão ambiental, mas de justiça histórica. Contudo, o que se observa até aqui foram lacunas técnicas, ausência de garantias financeiras concretas e um vácuo de propostas efetivas.
Enquanto o mundo avança para um modelo de mineração com responsabilidade social e legado sustentável, Itabira permanece diante de uma encruzilhada: repetir os erros do passado ou se tornar referência global em regeneração territorial. Ou continuar cismando com a derrota incomparável.