Codema aprova anuência para a Vale continuar minerando em Itabira até 2041 sem exigir compensações ambientais

Fotos: Carlos Cruz

Órgão ambiental municipal quebra tradição da “unanimidade burra”, e quatro conselheiros votam contra anuência por desconsiderar medidas eficazes de mitigação para o aumento da poeira, poluição sonora, supressão de mata nativa, rebaixamento de aquíferos e outros impactos de vizinhança

Pela primeira vez em sua história, o Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema), desde que se tornou deliberativo, não teve unanimidade na aprovação, nesta quarta-feira (14), da anuência para a mineradora Vale ampliar as cavas das minas do Meio – muitas delas que se imaginava exauridas – e instalar duas novas pilhas para disposição de rejeitos e estéril.

A medida foi apresentada pela Vale como imprescindível para a continuidade de suas operações em Itabira, garantindo uma produção anual de 25 milhões de toneladas – metade da capacidade nominal das três usinas de concentração –, até o exaurimento final em 2041.

Isso, claro, se novos veios subterrâneos de hematita sob o itabirito – algo incomum na geologia – além de outros recursos minerais, não forem descobertos e viabilizados.

Votos contrários

Quatro conselheiros romperam o que seria mais uma “unanimidade burra” e votaram contra a anuência, alegando que o documento desconsidera medidas eficazes de mitigação para impactos ambientais e urbanos.

O desmatamento de hectares de florestas nativas para a instalação das novas pilhas, que terão capacidade para receber milhões de toneladas de rejeitos, foi um dos principais pontos de discordância.

Entre os votos contrários, o mais contundente foi do conselheiro Leonardo Ferreira Reis, da Cáritas Diocesana,  que cobrou a realização de uma audiência pública antes da votação da anuência pelo Codema.

A presidente da 52ª Subseção da OAB/MG, Patrícia Freitas, também se posicionou contra, com críticas severas à falta de medidas para mitigar os impactos hídricos, apresentando bons argumentos para o seu voto contrário à anuência nos termos em que foi concedida.

Outro voto contrário veio do servidor da Câmara Municipal, conselheiro Josino Pedro Drummond Penna, , que não se manifestou, mas que provavelmente seguiu orientação do presidente do Legislativo, Carlos Henrique “Sacolão” Silva Filho (Solidariedade), ferrenho crítico da Vale. Segundo o vereador, a participação da mineradora na Consulta Pública foi um verdadeiro stand-up e carece de seriedade.

Para surpresa de muitos, Bianca Pelluci Barreto, representante da Secretaria Municipal de Saúde, também votou contra a anuência, destoando do grupo de conselheiros nomeados pelo prefeito Marco Antônio Lage (PSB).

Bianca justificou sua decisão com base nos impactos à saúde dos moradores de Itabira, sobretudo pelo aumento da poeira mais fina que virá poluir ainda mais a cidade, proveniente das novas pilhas e da ampliação das cavas.

Novo capítulo na história do Codema

Com os votos contrários, o Codema inaugura uma nova fase em sua trajetória, marcada por anos de omissão e conivência com a mineração. O órgão foi chamado de “auxiliar da Vale” pelo conselheiro Leonardo Reis.

Mas se é assim, já foi muito mais complacente e conivente com a mineradora Vale. Em junho de 2018, quando a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) realizou uma Reunião Pública na Câmara Municipal para discutir o alteamento da barragem do Itabiruçu, o Codema, sob a presidência da então secretária Priscila Braga, recusou-se a participar.

A alegação foi que licenciamento para a mineração não era da alçada dos conselheiros do órgao ambiental municipal – mesmo diante dos riscos ambientais e à segurança da população que a barragem representa.

É assim que quebra da unanimidade no Codema marca um novo momento de discussões ambientais na cidade e reflete um movimento crescente de questionamentos sobre os impactos da mineração em Itabira.

Rebaixamento de aquíferos gera preocupação

Patrícia de Freitas, presidente da OAB, fez críticas ao parecer técnico da Secretaria de Meio Ambinete, que ela considera insuficiente diante dos impactos ambientais da ampliacao de cavas e pilhas

Durante a reunião, a presidente da OAB, Patrícia de Freitas, levantou questionamentos sobre os impactos da ampliação das minas no abastecimento de água da cidade. Ela indagou se o Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) acompanhou a análise do projeto e avaliou os riscos ao lençol freático.

A presidente do Codema, Elaine Mendes, explicou que a questão passará por um longo processo de análise, envolvendo diversos órgãos reguladores, como o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM) e o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Piracicaba.

No entanto, conselheiros reforçaram que o município precisa ter acesso prévio às informações para prever possíveis impactos e medidas mitigatórias. “A proximidade das minas com áreas urbanas levanta preocupações sobre vibrações no solo e riscos estruturais”, ela também acentuou, fazendo coro com Leonardo Reis, que cita a Vila Amélica como sendo o bairro que mais vai ser impactado.

Patrícia de Freitas também questionou se o projeto prevê a exploração subterrânea das minas. Representantes da Vale afirmaram que o projeto atual não contempla mineração subterrânea e que, caso essa modalidade venha a ser considerada no futuro, exigirá um novo licenciamento ambiental.

Esse é outro segredo subterrâneo que a Vale esconde de Itabira. A falta de transparência da empresa sobre seus empreendimentos minerários no município é histórica e voltou a ser alvo de críticas. Conselheiros do Codema destacaram a necessidade de obter informações não apenas da Vale, mas também de fontes independentes.

Monitoramento ambiental e qualidade do ar

Leonardo Reis, da Cáritas Diocesana disse que estudos científicos indicam níveis de poluição do ar na cidade superiores aos dados oficiais divulgados pela mineradora

Por exemplo, um dos principais problemas levantados na reunião foi a ausência de dados independentes sobre a poluição atmosférica causada pela mineração. Patrícia de Freitas ressaltou que as medições são feitas exclusivamente pela Vale, sem parâmetros externos que possam contestar ou validar os números apresentados.

Leonardo Reis, da Cáritas, reforçou a preocupação e mencionou estudos científicos que indicam níveis de poluição do ar na cidade superiores aos dados oficiais divulgados pela mineradora. Um desses estudos foi conduzido em parceria entre a Universidade Federal de Itajubá (Unifei), campus Itabira, e a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

Esse estudo foi publicado na Environmental Advances, revista científica internacional de acesso aberto dedicada à pesquisa ambiental. Leia notícia sobre o artigo aqui.

A pesquisa envolveu a coleta independente de material particulado atmosférico nos tamanhos 2,5 μm (PM2.5), 10 μm (PM10) e 20 μm (PM20).

Os valores encontrados foram de duas a três vezes maiores nos dias analisados em comparação aos números reportados pela Prefeitura de Itabira, que utiliza dados fornecidos pela própria Vale por meio de uma estação automática de monitoramento da qualidade do ar.

O estudo indicou também que o material particulado atmosférico de Itabira pode ser internalizado nas células do pulmão humano e provocar efeitos citotóxicos, conforme testes laboratoriais in vitro.

“A Vale não tem compromisso com a qualidade do ar em Itabira. Nem mesmo as multas aplicadas pela Prefeitura por poluição do ar são pagas pela empresa”, afirmou Leonardo Reis, enfatizando a necessidade de ampliar mecanismos de controle e monitoramento independente da qualidade do ar.

Plano de fechamento de minas e o futuro da mineração em Itabira
Glaucius Bragança, secretário, conselheiro da Loja Maçônica, e Elaine Mendes, presidente do Codema, reforçaram a importância de a Vale divulgar os planos de fechamento de minas já encaminhados à agência reguladora

Durante os debates, o conselheiro Glaucius Detofoll Bragança, representante da Loja Maçônica, expressou preocupações sobre a falta de informações acerca do plano de fechamento das minas da Vale e seu impacto na economia local.

Segundo ele, declarações de representantes da mineradora na reunião pública indicaram um tom de alerta sobre possíveis demissões e encerramento das atividades caso a anuência não fosse concedida.

“Teve (na Consulta Pública) um forte tom de ameaça quando a empresa diz que sem a anuência a mineração acaba em Itabira”, afirmou ele, referindo-se a uma chantagem recorrente e histórica que a Vale sempre faz à cidade.

Como uma das condicionantes aprovadas com a anuência, está a exigência para que a mineradora encaminhe ao órgão ambiental municipal, no prazo de dez dias, seu plano de fechamento das minas de Itabira, documento que é atualizado a cada cinco anos e entregue à agência reguladora da mineração.

Enquanto isso, caso o leitor e a leitora se interesse, neste site está publicada a primeira versão do Plano Regional de Fechamento Integrado das Minas de Itabira (PRFIMI), de 2013, que a Tüv Süd Bureau de Projetos e Consultoria elaborou para a Vale, prevendo o encerramento da extração de minério de ferro em Itabira.

Nesse plano, consta a proposta, entre várias outras, do Ecoparque Cauê, cujo “driver indutor” seria a produção de insumos terapêuticos para hospitais e a indústria farmacêutica, com cultivo de plantas medicinais nas pilhas de estéril dispostas nas cavas exauridas – e também no platô da pilha Convap.

Para conhecer a íntegra desse documento, que provavelmente não tem mais viabilidade, mas que serve para entender o desvario de “cabeças iluminadas” contratadas pela Vale para produzir um documento meramente formal apresentado à agência reguladora da mineração, acesse o calhamaço que Vila de Utopia compartilha para conhecimento geral aqui.

Com as lacunas da legislação, a Vale considera, pragmaticamente e casuísticamente, para efeitos de descomissionamento, todo o complexo minerador, e não minas isoladas.

Um exemplo disso é a exaustão de Cauê, ocorrida no início deste século, sem sequer um comunicado oficial à população de Itabira – daí a estratégia em curso, que consiste em empurrar essa discussão para frente, o que deve acontecer quando o complexo minerador local estiver produzindo cerca de 5 milhões de toneladas anuais.

A intenção é mesmo essa, de postergar o debate até o fim inexorável da mineração, conforme permite a omissa e falha legislação federal.

Planejamento e previsibilidade

Daí que conselheiros do grupo dos descontentes reforçaram que a antecipação desse planejamento é fundamental para que Itabira possa se preparar para a diversificação econômica e mitigar os impactos do encerramento da atividade mineradora.

Isso deve ser feito desde já, quando ainda faltam pouco mais de 15 anos para o fim inevitável. Para se preparar, a cidade precisa dispor de todas as informações sobre a continuidade da mineração, assim como o uso futuro previsto das minas exauridas, como também das áreas operacionais.

Como precisa saber também quais projetos a mineradora Vale pretende investir no município, viabilizando as alternativas de sustentabilidade para o período pós-exaustão mineral, a partir de 2041 – prazo divulgado pela Vale à Bolsa de Nova Iorque para o esgotamento das minas de Itabira.

A presidente do Codema, Elaine Mendes, reconheceu que, juridicamente, o município não pode exigir que a mineradora antecipe esse documento além do prazo legal.

No entanto, destacou que a exigência do conselho reflete a necessidade de maior transparência por parte da empresa e um planejamento sólido para o futuro da cidade.

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