Vale é condenada a pagar R$ 20 milhões por dano moral coletivo ao acionar sirene indevidamente em Itabira, em março de 2019

Foto: Carlos Cruz

Em uma decisão importante para a comunidade de Itabira, o juiz Rêidric Víctor da Silveira Condé Neiva e Silva, da 2ª Vara Cível, em 15 deste mês, condenou a mineradora Vale a pagar uma indenização de R$ 20 milhões por danos coletivos à sociedade itabirana.

O motivo foi o acionamento indevido das sirenes de emergência de rompimento de barragem, causando pânico generalizado entre os moradores, provocando correrias e o salve-se quem puder, incluindo muitos cadeirantes e acamados. Os bairros mais impactados foram Bela Vista, Nova Vista, Jardim das Oliveiras.

O alarme falso ocorreu na noite de 27 de março de 2019, às 22h30, quando a maioria dos moradores dos bairros afetados já se preparava para dormir – ou já dormiam – quando as sirenes de emergência da barragem do Pontal foram acionadas sem necessidade, como se a barragem estivesse entrando em colapso.

Em resposta a esse incidente, o município de Itabira, por meio do advogado Denes Martins da Costa Lott, entrou com uma Ação Civil Pública contra a Vale, exigindo uma indenização por dano moral coletivo.

Da ação participa também o Ministério Público de Minas Gerais, por intermédio do promotor Renato Ângelo Salvador Ferreira, tomando parte ativa na condução da ação e no desenvolvimento dos argumentos jurídicos, na defesa dos interesses coletivos e difusos, garantindo a proteção dos direitos da sociedade.

Argumentos

Na ação, o município de Itabira alegou que o alarme falso causou pânico e desespero, especialmente entre os moradores das áreas de autossalvamento, nos bairros Bela Vista, Nova Vista e Nossa Senhora das Oliveiras (Jardim das Oliveiras).

Muitas pessoas abandonaram suas casas, temendo um possível desastre, o que abalou a confiança da população nos sistemas de alerta desenvolvidos pela Vale – e instalados por força da lei federal que instituiu a Política Nacional de Segurança de Barragens.

A ação teve por base também a legislação correlata estadual, como também a legislação ambiental do município de Itabira (Lei 3761/2003). O que a Vale causou foi um tremendo impacto de vizinhança.

Em sua defesa, por meio do escritório de advocacia Sérgio Bermudes, do Rio, a Vale atribuiu o acionamento indevido a uma falha técnica no sistema, negando qualquer negligência.

A empresa afirmou ainda que tomou medidas imediatas para corrigir o problema e minimizar os transtornos causados. Além disso, questionou a existência de dano moral coletivo e considerou o valor solicitado desproporcional.

Já o Ministério Público, atuando como fiscal da ordem jurídica, apoiou a condenação, destacando a gravidade do incidente e a necessidade de uma indenização com caráter pedagógico e compensatório.

Dano moral coletivo

O juiz fundamentou sua decisão na responsabilidade objetiva da Vale, conforme a teoria do risco integral. Isso significa que a empresa é responsável pelos danos causados independentemente de culpa.

O dano moral coletivo, segundo o magistrado, caracteriza-se pela ofensa a valores fundamentais de uma coletividade, afetando direitos transindividuais e causando lesão à esfera moral da sociedade. “O acionamento indevido das sirenes comprometeu a confiança da população nos sistemas de alerta, podendo afetar a resposta em situações de emergência reais”.

A jurisprudência reconhece que o dano moral coletivo é essencialmente transindividual, de natureza coletiva típica, tendo como destinação os interesses difusos e coletivos, conforme está na sentença do juiz Rêidric Víctor da Silveira Condé Neiva e Silva.

De acordo com Rêidric, o acionamento indevido das sirenes de emergência, ocorrido em Itabira, intensificou o pânico e o desespero entre os moradores das áreas de autossalvamento e regiões adjacentes.

“A necessidade de evacuação imediata de suas residências, em horário noturno, expôs a população a condições de vulnerabilidade e insegurança extremas”, ele considerou.

E prosseguiu o juiz: “Além disso, toda a comunidade foi afetada, incluindo aqueles que, embora não residissem nas zonas de risco direto, temeram pela segurança de amigos e familiares, e se viram impedidos de transitar livremente pela cidade, receosos de adentrarem áreas potencialmente perigosas”, afirmou.

Como consequência, o juiz considerou que o alarme falso “gerou uma sensação indelével de falibilidade do sistema de alerta, comprometendo a confiança da população nos mecanismos de segurança de barragens adotados pela mineradora”.

E que tal desconfiança pode, inclusive, levar os moradores a não adotarem as medidas necessárias em eventuais futuros acionamentos, quando reais, “colocando em risco a eficácia de procedimentos emergenciais e a integridade física da coletividade”, frisou o juiz.

Para ele, “o acionamento indevido das sirenes de emergência, em um contexto de tragédias envolvendo barragens, gerou pânico e desespero na população de Itabira, violando a tranquilidade e, inclusive, a confiança da coletividade nos sistemas de segurança, o que pode gerar baixa mobilização em futuro acionamento verdadeiro”.

E conclui em sua sentença: “Tal situação configura dano moral coletivo, pois afetou a paz social, a sensação de segurança da comunidade e efetivamente sua própria segurança”.

Indenização

A indenização foi fixada em R$ 20 milhões, levando-se em conta a gravidade do evento, o abalo emocional da coletividade e a capacidade econômica da Vale.

O valor será destinado ao Fundo Especial para Gestão Ambiental (FEGA) de Itabira, com correção monetária e juros de mora desde a data da sentença.

Valor esse que só pode ser aplicado em ações ambientais, de preferência nas regiões afetadas, melhorando a qualidade ambiental dos moradores que já sofrem com grandes impactos da barragem Pontal desde a década de 1970.

E mais agora com as obras de descaracterização de diques do sistema, com remoção de moradores para a construção de uma grande estrutura de contenção a jusante (ECJ), uma medida preventiva para impedir danos maiores no caso de colapso de uma dessas estruturas internas.

Coercitividade

A condenação reforça a importância de empresas como a Vale em garantir a segurança das comunidades onde operam e a confiabilidade dos sistemas de alerta para os casos de emergências.

Além de compensar os danos causados, a decisão visa desestimular práticas semelhantes no futuro. E demonstra, com a sentença, que a justiça, ainda que morosa, pode proteger o bem-estar da coletividade.

À sentença, cabe recurso, direito que certamente será exercido pela Vale, recorrendo da decisão de primeira instância ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), reapresentando os fundamentos pelos quais discorda da sentença.

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4 Comentários

    1. O recurso, quando quitado, vai para o Fundo Especial de Gestão Ambiental (FEGA) para ser investido em projetos ambientais, depois de aprovados pelo Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema), sem prejuizos de ações de reparações, individuais, coletivas e difusas, que também correm na Justiça.

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