Parada LGBTI no Rio mostra resistência com críticas à “cura gay”

Marineht Moura*

Na Avenida Atlântica, na orla marítima de Copacabana, bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro – palco de memoráveis shows musicais da banda inglesa The Rolling Stones e de Roberto Carlos –, a 22ª edição da Parada LGBTI se realizou no dia 19 de novembro, véspera do feriado do Dia Nacional da Consciência Negra, celebrado em homenagem a Francisco Nzumbi, o Zumbi dos Palmares, nascido em 1655 e falecido 20/11/1695, um dos heróis da luta contra a escravidão no Brasil.

Tradicionalmente, a realização do evento seria 15 de outubro. Mas, a data foi mudada após o prefeito do Rio, Marcelo Crivella – ele é bispo evangélico e sobrinho do também bispo Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus – afirmar que a Prefeitura não tinha como subvencionar financeiramente o evento. Na ocasião, a direção da Riotur (Empresa de Turismo do Município do Rio de Janeiro S.A.) alegou que a crise financeira inviabilizava o patrocínio do evento. E ofereceu serviços como limpeza, esquema especial de trânsito e segurança. Por sua vez, o Ministério da Cultura publicou no Diário Oficial da União a aprovação de projeto de captação de recursos via Lei Rouanet.

A cantora baiana Daniela Mercury, casada com Malu Verçosa, foi uma das principais atrações do evento e no microfone de um dos seis trios elétricos criticou o prefeito do Rio, Marcelo Crivella, ao dizer que “a sociedade carioca é libertária. Jamais combina com o prefeito que vocês têm”. Ela, como os outros artistas, dispensaram os cachês, justificando as presenças “em favor de uma causa justa”. A realização só foi possível por conta de uma ‘vaquinha’ online e do patrocínio de duas empresas.

Almir França, um dos responsáveis pela realização da Parada LGBTI também manifestou que “a gente quer reafirmar, de uma forma muito comunitária, que essa população (LGBTI) existe de fato, independente de política pública e de recursos. Esse recado (da hashtag) não é só para a prefeitura, mas para a população como um todo”.

Participou um público estimado em milhares de pessoas, lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e intersexuais. A letra “i” foi acrescentada à sigla representando “indivíduos que têm variações na anatomia sexual ou reprodutiva, e, ainda, ou têm padrão de cromossomo que não se encaixa com o que é normalmente considerado masculino ou feminino. E, assim, podem se identificar como homem, mulher ou nenhum dos dois”. Todos lutando por reconhecimento, igualdade e seus direitos humanos.

O lema do evento foi “Resistindo à LGBTIfobia, fundamentalismo, todas as formas de opressão e em defesa do Rio”. “Historicamente, disse Almir França, que é presidente do Grupo Arco-Íris, somos resistência. O país não tem política pública de fato para a população LGBTI. A homofobia é um fato. Praticamente a cada dia morre um homossexual vítima de homofobia no Brasil. Se existimos, de alguma forma, é uma resistência”. E os organizadores dizem que a parada leva para as ruas pessoas que lutam por direitos iguais, que combatem a intolerância, o preconceito e o ódio, dando voz a quem viveu muito tempo à margem da sociedade.

Numa cadeira de rodas, devido a acidente vascular cerebral, Silvina Correa Fernandes, 87 anos, foi assistir à parada levada pelo filho Osvaldo Araújo, 52 anos, e seu marido André, com quem está casado há 26 anos. “Sempre venho, gosto. Tem que apoiar, né? Meu filho é uma maravilha”, disse ela cheia de orgulho. Segundo Osvaldo, a mãe sempre o apoiou e fica feliz em participar do evento. “A parada é importante para mostrar que somos iguais. Não tem diferença. Trabalho, pago meus impostos, tenho direito como qualquer outra pessoa”, manifestou o professor.

A psicóloga Mônica Ribeiro, 46 anos, acompanhada do marido, disse que “é importante esse tipo de ocupação, esse tipo de resistência. Apoio qualquer tipo de diversidade, as diferenças. Sou completamente a favor da diversidade, cada um tem direito de amar quem quiser”.

Diretamente de Belo Horizonte, em Minas Gerais, na companhia de amigos, William Mazzani disse que “viemos para apoiar a causa. A nossa luta é por liberdade de expressão e respeito”.

Fantasiado à moda Carmen Miranda (cantora e atriz portuguesa radicada no Brasil, Maria do Carmo Miranda da Cunha, conhecida como Carmen Miranda, teve carreira artística de grande sucesso, inclusive nos Estados Unidos, entre as décadas de 1930 e 1950), o comerciante Ricardo Medeiros disse que “o mundo precisa de mais amor e menos preconceito, pois os direitos são iguais para todos”.

A drag queen, cantor e compositor maranhense Phabullo Rodrigues da Silva, que tem nome artístico Pabllo Vittar e completou 23 anos em 1º de novembro, provocou grande euforia, com apresentação mais longa que a de outros artistas. E, percebendo início de tumulto, gritou no microfone: “Queremos respeito meu amor, se a gente quisesse brigar, não estaríamos aqui”.

Na Parada LGBTI foi abordada a chamada “cura gay” (nome popular para pseudoterapias de reversão sexual), na polêmica decisão judicial de 15 de setembro, através de liminar expedida pelo juiz Waldemar Cláudio de Carvalho, da 14ª Vara do Distrito Federal. Em protesto, alguns acusam o juiz de ser homofóbico e de ter dito que a homossexualidade é doença. Mas, na verdade, não chega a defender explicitamente a cura gay e nem derruba resolução do Conselho Federal de Psicologia que, desde março de 1999, proíbe sua prática. Deixa claro em seu texto que, ao analisar o caso, adotou como premissa posicionamento da Organização Mundial da Saúde que “a homossexualidade constitui uma variação natural da sexualidade humana, não podendo ser considerada como condição patológica”.

O juiz Waldemar Carvalho concedeu liminar atendendo pedido da psicóloga Rozangela Alves Justino, em processo aberto contra o colegiado, que aplicou uma censura à profissional por oferecer a terapia aos seus pacientes. Segundo Rozângela e outros psicólogos que apoiam a prática, a Resolução do Conselho Federal de Psicologia restringe liberdade científica.

O juiz decidiu que o órgão altere a interpretação de suas normas de forma a não impedir os profissionais “de promoverem estudos ou atendimento profissional, de forma reservada, pertinente à (re)orientação sexual, garantindo-lhes, assim, a plena liberdade científica acerca da matéria, sem qualquer censura ou necessidade de licença prévia”.

As regras que o juiz se refere estão na Resolução 01/99 do Conselho Federal de Psicologia, que determina que “os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados”. Determina para que os profissionais contribuam “para uma reflexão sobre o preconceito e o desaparecimento de discriminações e estigmatizações contra aqueles que apresentam comportamentos ou práticas homoeróticas”.

O juiz diz que tais normas “não ofendem os princípios maiores da Constituição”. Mas, “se mal interpretados”, podem resultar em que se considere “vedado ao psicólogo realizar qualquer estudo ou atendimento relacionados à orientação ou reorientação sexual”, uma vez que a Constituição “garante a liberdade científica bem como a plena realização da dignidade da pessoa humana, inclusive sob o aspecto da sexualidade”.

Assim, ele não chega a anular a resolução, mas determina que os profissionais possam “estudar ou atender àqueles que voluntariamente venham em busca de orientação acerca de sua sexualidade, sem qualquer forma de censura, preconceito ou discriminação”.

Na época, Rozângela disse que considera a homossexualidade um distúrbio, provocado principalmente por abusos e traumas sofridos na infância. Ela afirmou ter “aliviado o sofrimento” de vários homossexuais. E disse: “Estou me sentindo amordaçada e impedida de ajudar as pessoas que, voluntariamente, desejam largar a atração por pessoas do mesmo sexo”.

O assunto continua em debate aberto, por todo o país, dividindo as opiniões.

*Marineth Moura é jornalista e correspondente do Vila de Utopia.

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