Vale é a maior responsável pela falta de água em Itabira por acabar com as suas fontes e pelo quase monopólio das outorgas

Água do aquífero sobra para a Vale concentrar minério e “apagar” poeira nas vias de acesso às minas, enquanto falta o precioso líquido na cidade

Foto: Acervo ViladeUtopia

 Por Carlos Cruz

Segundo o Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Itabira (Saae), a cidade que já teve as fontes do Pará, das Três Fontes, dos mananciais da Penha, Camarinha e Borrachudo, todoss destruídas pela mineração ao longo dos últimos 81 anos, hoje vive uma crise hídrica histórica.

A população mais atingida agora com a estiagem são os moradores abastecidos pela Estação de Tratamento de Água (ETA) dos Gatos, que de uma capacidade produtiva de 80 litros por segundo (l/s), neste domingo (19) caiu para uma vazão média de 30 l/s.

Com isso a Prefeitura de Itabira teve que recorrer a caminhões-pipa para reforçar o sistema Gatos, além de levar, de casa em casa, por esse mesmo meio, água tratada em algumas residências em situação emergencial.

O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) bem que podia exigir que a mineradora Vale, principal responsável pelo desabastecimento na cidade, aumente o reforço atual de 160 l/s para suprir Gatos e também a ETA Pureza. O que é inadmissível é que falte água na cidade enquanto nas minas sobra água nova, um consumo que chega a ser três maior que a demanda na cidade.

Neste momento, a falta de água em Itabira afeta mais os moradores dos bairros Bela Vista, Campestre, Eldorado, Village da Lagoa, João Fortunato, Nossa Senhora das Oliveiras, Nova Vista, Pedreira do Instituto, Penha, Santa Inês, Santa Matilde, Santo Antônio e São Pedro.

Mas sofrem também com a crise hídrica os moradores dos bairros abastecidos pela ETA Pureza, a que teve contaminação por óleo vazado da empresa Minax, empreiteira que presta serviços à mineradora Vale, com instalação no Distrito Industrial sem licença ambiental e alvará de funcionamento.

Com capacidade de suprir cerca de 60% da população itabirana, a estação vem operando com vazão média de 50/55 l/s, metade do que hoje é considerada a disponibilidade hídrica normal do manancial da Pureza, que já foi superior a 200 l/s.

Só não sofrem com a escassez hídrica os moradores abastecidos pelos poços profundos das Três Fontes, no bairro Pará, que dispõem de uma água considerada de classe especial, captada do aquífero Piracicaba, à semelhança da água utilizada pela Vale para lavar minério de ferro (concentrar) e tentar, como paliativo, apagar a poeira, captada do aquífero Cauê.

A água das Três Fontes nunca faltou nas torneiras de quem mora nos bairros Pará, Moinho Velho, Chacrinha, Centro e Penha. Se houvesse mesmo um anel hidráulico passando pela 105, e não apenas uma alça com sentido único, a água das Três Fontes poderia reforçar o sistema Gatos

Manancial da Pureza: além da água escassa, barrenta exige tratamento pesado para se tornar potável (Foto: Thamires Lopes/Ascom/Saae)

Procrastinação

Pois foi justamente pelo anúncio, pela própria Vale, inclusive com divulgação em seu house-organ Vale Notícias, de o acesso aos aquíferos seria “o grande legado da mineração” para suprir Itabira com água de classe especial, com a exaustão das jazidas das Minas do Meio, com a maior parte já tendo exaurido na metade de década passada, que a mineradora foi empurrando historicamente a solução definitiva para o abastecimento na cidade.

Atualmente ela já não fala mais desse legado, principalmente depois que as cavas exauridas estão sendo ocupadas por rejeitos e estéril das minas que ainda estão sendo lavradas.

Com mais essa promessa não cumprida, a Vale postergou a transposição da água do rio Tanque por mais de 23 anos, isso considerando o ano 2000 como prazo inicial para a resolução definitiva para a crise hídrica que assola a população de Itabira, quando foi aprovada a Licença de Operação Corretiva (LOC) do Distrito Ferrífero de Itabira.

Só agora, por força do cumprimento de um termo de ajustamento de conduta (TAC), assinado e compromissado em 2020 com o MPMG, essa transposição deve ocorrer, embora muitos em Itabira, como São Tomé, estão pagando para ver se vai mesmo acontecer.

O cronograma apresentado ao MPMG prevê a conclusão da transposição só para 2026, que é o prazo previsto para a conclusão das obras para a captação, adução e tratamento desse novo recurso hídrico, promessa de solução definitiva para a histórica crise hídrica que Itabira atravessa desde junho de 1942.

Prioridades invertidas

Em Itabira ocorre, historicamente, uma inversão do que está no Código das Águas (Decreto Federal 24.643, de 10 de julho de 1934), que prioriza, em situações de escassez, o abastecimento público seguido da dessedentação de animas, para só depois atender à demanda da agricultura e da indústria, o que inclui a mineração.

É o que dispõe também a Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH). Entretanto, essa legislação federal não tem validade para Itabira.

Na cidade, a água de classe especial é usada para lavar minério de ferro (concentração) e para “apagar” poeira da mineração, enquanto a população consome água turva de mananciais poluídos, com caro tratamento que agora é colocado em xeque depois que o Saae serviu à população água contaminada por óleo.

Urgência urgentíssima

O cumprimento integral do TAC firmado pela mineradora Vale com o MPMG precisa ser antecipado pela urgência de uma cidade cuja população há décadas sofre com a escassez hídrica, situação que tende a agravar com as mudanças climáticas e decorrentes ondas de calor, com recursos hídricos cada vez mais escassos e demanda crescente.

A mineradora Vale é, de fato e não de ficcção, a grande responsável por essa situação de escassez que a população de Itabira vive, embora todos os prefeitos tenham também as suas parcelas de responsabilidades, até mesmo por não jogarem mais duro nas cobranças do que é de direito dos moradores por força da legislação federal.

Além de deter o quase monopólio das outorgas superficiais e subterrâneas, a Vale destruiu os recursos superficiais que a cidade dispunha antes do advento da mineração em larga escala em seu território. Camarinha, Borrachudo, as fontes do Pará, do Bicão, da Penha são hoje apenas uma lembrança na memória dos mais antigos, mas quanta falta fazem à população itabirana.

Essa é uma das dívidas históricas entre as muitas que precisam ser resgatadas urgentemente, antes que Itabira vire uma cidade fantasma, como um retrato do que um dia teve de “prosperidade”, se é que algum dia teve, e hoje não há mais.

Para reverter esse quadro, só diversificando a economia local, apregoam todos políticos e a própria Vale. Mas para isso acontecer é imprescindível também que se resolva a questão hídrica. Além disso, é preciso que o itabirano (as autoridades municipais à frente) descruze os braços para a vida deixar de passar devagar na Cidadezinha Qualquer.

E que deixe a caverna de Platão, abandonando as sombras das miragens, das promessas não cumpridas como se realidade fosse, libertando-se para ver, à luz do sol o que de fato se passa nessa relação de minero-dependência da cidade minerada.

E que se unam as forças, deixando de ridicularizar as pessoas, como foi no passado Aníbal Moura, umas das poucas vozes itabiranas que cobravam as dívidas da Vale, aquelas que com olhos críticos enxergam diferenemente essa mesma realidade, lembrando que o conhecimento e a informação são riquezas adquiridas – e a ignorância é o que mantém a cidade nessa que é até aqui a sua eterna dependência.

Para saber mais sobre a promessa do legado dos aquíferos, acesse:

Prometidos como legados da mineração, aquíferos são alternativas para o suprimento de água em Itabira

Mesmo com a disposição de rejeitos, aquíferos Cauê e Piracicaba devem ser protegidos como patrimônios de Itabira e da região

Com a disposição de rejeitos nas Minas do Meio, Itabira pode perder o legado da água dos aquíferos  

E para se informar mais sobre a captação de água no rio Tanque, acesse:

Acordo com a Vale é para cumprir o que dispõe o Código das Águas, que prioriza o consumo humano, diz a promotora Giuliana Fonoff

O que faz a Vale arcar, após anos de reivindicação, com os custos da captação, adução e tratamento da água do rio Tanque

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3 Comentários

  1. A VALE é amarga, além de ser uma assassina contumaz. Agride a cidade de Itabira com suas partículas de minério em suspensão e ainda usa o maior bem da humanidade em proveito próprio. Deveria usar as águas que estão nas barragens para lavar o minério de ferro em suas instalações e liberar a água de qualidade que ela usa para a população itabirana. Precisamos de ir ao ministério público e exigir da VALE a liberação desse bem que é nosso.

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