No aniversário de 175 anos, Itabira homenageia o ex-prefeito Daniel de Grisolia em seu centenário de nascimento

No destaque, inauguração do busto na avenida Daniel de Grisolia pelo prefeito Marco Antônio Lage, familiares e o artista Genin Guerra

Fotos: Carlos Cruz

O prefeito Marco Antônio Lage (PSB), em nome do povo de Itabira, homenageou o ex-prefeito Daniel de Grisolia (1959-63 e 1967-70), com a inauguração de seu busto na avenida que leva o seu nome, tendo sido por ele construída no final da década de 1960.

Pressionado politicamente, e vítima de uma perseguição por meio de inquérito instaurado pela ditadura militar (1964-85), para investigar denúncias de corrupção não comprovadas, o ex-prefeito se matou com um tiro no ouvido, em seu gabinete na Prefeitura, onde hoje está instalado o Museu de Itabira, no dia 19 de setembro de 1970.

“Foi o dia mais triste da minha vida. Eu estava na porta da Prefeitura quando Daniel chegou, encostou em mim e falou: ‘Tobias, adeus”. Eu perguntei: ô compadre, você vai viajar? Ele nada respondeu e subiu para o segundo andar. Daí a pouco, ouvi o estampido. E ele foi embora para sempre. Morreu o político mais querido de Itabira de todos os tempos”, contou José “Tobias” Caetano Belisário (1928-2021), em entrevista a este site Vila de Utopia.

Passados 53 anos desse trágico fim do político mais popular da cidade, Itabira reconhece agora o seu legado, na inauguração do busto, de autoria do artista plástico Genin Guerra, abrindo-se as comemorações dos 100 anos de nascimento desse que foi o maior personagem da vida política itabirana, completados em 12 de fevereiro.

Trajetória

Daniel foi o segundo mais jovem prefeito a tomar posse na Prefeitura de Itabira, aos 34 anos.

O mais novo prefeito a assumir o comando do executivo itabirano foi José Maurício Silva (1983-88), tendo tomado posse aos 33 anos em julho de 1983, como vice de Virgílio Gazire, falecido pouco tempo depois de  assumir o cargo – e que antes, em 1970,  havia assumido a cadeira deixada por Daniel, como seu vice-prefeito.

Na inauguração do busto, um símbolo para resgatar um pouco de sua história, participaram os filhos Zezé. Itália e Maria de Lourdes, a única irmã viva, Maria José de Grisolia Faria, além da amiga da família Elza Pires Lage, que completou 98 anos de idade justamente no dia do aniversário de Itabira e da inauguração do busto. O filho mais novo de Daniel e Luiza Machado Grisolia (in memorian), Fernando, já é falecido.

“Hoje é um dia lembrar o legado desse grande personagem da política itabirana, que foi Daniel, um ícone que não pode ser esquecido pelo muito que fez pela nossa cidade”, discursou o prefeito Marco Antônio Lage.

“Daniel fez história de reinvenções, de transformações que precisamos dar continuidade. Dizem até que eu me pareço com ele, primeiro pelo amor a Itabira, minha cidade natal, mas também pelo compromisso social com a população mais pobre, com aqueles que necessitam das obras e do apoio da Prefeitura”, comparou o prefeito.

“É esse exemplo que procuramos seguir”, disse Marco Antônio Lage, que conheceu o ex-prefeito quando tinha 6 anos de idade, acompanhando o seu pai Acyr Lage, ex-vereador de Itabira, na inauguração das Duas Pontes, na estrada que liga Ipoema e Senhora do Carmo, trecho que agora será asfaltado em sua gestão.

“Daniel nos inspira e continua vivo na memória dos itabiranos e das itabiranas. Por isso estamos aqui inaugurando o busto e realizando uma exposição no Museu de Itabira”, acrescentou o prefeito, com o convite aos presentes, itabiranos e visitantes para que a visitem para conhecerem um pouco mais do que foi esse legado de Daniel de Grisolia.

Emoção

Bastante emocionado, Zezé de Grisolia, primogênito de Daniel, agradeceu a homenagem em nome da família. Ele recordou também do seu avô, o médico José de Grisolia, também ex-prefeito de Itabira (1945-46), para depois relembrar a trajetória política do seu pai, eleito vereador e prefeito de Itabira por duas vezes, tendo ocupado a presidência da Câmara, sem nunca ter perdido uma eleição no município.

“Daniel tirou Itabira do Mato Dentro e a colocou no progresso”, disse Zezé de Grisolia, que se candidatou a prefeito da cidade, sem sucesso, nas eleições de 1982, tendo ficado em segundo lugar na disputa com o ex-prefeito Virgílio Gazire.

Entre as principais obras realizadas nas duas administrações do seu pai, ele destacou a construção da rodoviária, mercado municipal, viaduto do Alto Pereira, Cemitério da Paz, onde Daniel se encontra sepultado.

O ex-prefeito pavimentou com asfalto as ruas do bairro Pará, além da avenida João Soares Silva (pai do ex-prefeito e ex-vereador Wilson Soares, já falecido), ligando o bairro Penha ao Campestre.

Feito o serviço na cidade, o seu fiel escudeiro José “Tobias” Caetano Belisário contou, na mesma entrevista a este site, que o ex-prefeito urbanizou também os distritos de Senhora do Carmo e Ipoema.

Foi também Daniel o prefeito que buscou a água da Pureza para abastecer a cidade, já que os mananciais do Borrachudo e da Camarinha ficaram com a Vale para lavrar minério, água de classe especial, enquanto a cidade ficava, como ainda dipõe somente de um parco recurso hídrico a exigir caro tratamento para se tornar potável.

Defesa de Itabira

Com a Vale, Daniel brigou até conseguir da mineradora o asfaltamento da rodovia estadual que liga Itabira à BR 381/262, com recursos do Fundo de Melhoramento da Zona Rio Doce, única contribuição que a empresa até então pagava para extrair minério do pico do Cauê, já que gozava de isenção tributária.

A mineradora somente passou a ser taxada a partir de 1969, com a instituição do Imposto Único sobre Minerais (IUM), para o qual o ex-prefeito se empenhou pela sua aprovação pelo Congresso Nacional, juntamente com o tributarista José Hinderburgo Gonçalves, contando sempre com a contundente escrita do cronista Carlos Drummond de Andrade. Leia aqui, Drummond e a mineração.

O IUM foi extinto com a Constituição de 1988, substituído pela Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem), os royalties do minério, sendo que a parte que não é exportada passou a ser taxada pelo ICMS, enquanto o minério exportado continua isento pela Lei Kandir.

No seu quase sempre atribulado, e muitas vezes conflituoso relacionamento com a Vale, Daniel não mendigava. Exigia, cobrava com veemência. E ameaçava parar os trens carregados de minério, interditando a ferrovia com máquinas da Prefeitura sobre os trilhos, caso as reivindicações de Itabira não fossem atendidas pela poderosa Companhia.

Com isso, conseguiu muito mais do que a mineradora estava disposta a retribuir à cidade onde nasceu, tornando-se uma das maiores mineradoras do mundo. A dívida histórica com o município, que Daniel sempre cobrou, ainda está longe de ser resgatada. Será algum dia?

Prefeito das artes e festas populares

É obra de Daniel também a antiga praça do Relógio, hoje Largo do Batistinha, além de ter dado vazão à sua veia artística com a instalação do painel, de sua autoria, no antigo gabinete na praça do Centenário, com o pico do Cauê “eternizado” com fragmentos de minério de ferro.

É também de sua autoria o painel da banda Euterpe, que completa 165 anos em novembro, e que o acompanhava com as suas retretas pelas andanças festivas pelo município.

“Daniel valorizou o nosso folclore, apoiou e investiu nos grupos de marujadas, congadeiros, nas bandas de música. Focado no lazer para a comunidade, investiu nos blocos carnavalescos, que depois resultaram em grandes escolas de samba”, relembrou o filho José de Grisolia, citando os carnavalescos Tobias e Dedé, que sempre acompanhavam o ex-prefeito.

“O meu pai correu atrás de seus sonhos. Ele amou e deu a vida por Itabira. O seu coração ainda está aqui, mesmo tendo ido para a eternidade”, finalizou Zezé de Grisolia, ao agradecer a homenagem em nome de seus familiares.