Violação de Corpos. Os respeitáveis senhores da crueldade em Itabira do Mato Dentro1

Grafite num muro da Rua São Martinho, Cidade Nova, Rio. MCS, março de 2018

Fotos e Pesquisa:
Cristina Silveira

1839 O Ouro, o Desemprego, a Violência

Nesta vila e nas circunvizinhanças, aqui entre Cocais, Itabira e Congo Seco não se cometem muitos crimes, porém muito receio que o contrário venha a acontecer porque há poucos dias passaram alguns jornaleiros que se dirigiam para Santa Barbara, Inficionado e Catas Altas, tendo sido despedidos das minas de Congo Seco, onde não há necessidade de tantos trabalhadores porque a mina vai empobrecendo. Se essas despedidas continuarem, em breve nos veremos aqui em perigo, em consequência desses trabalhadores sem trabalho e sem meios de subsistência. [Diário do Rio de Janeiro, 17/8/1839. BN-Rio]

1861 Escravo Augusto e criôlo Domingos

No dia 8 foi preso no distrito de Alfié e recolhido à cadeia de Itabira o preto Augusto, escravo, que há dois anos assassinara barbaramente naquela cidade um criôlo de nome Domingos. [Jornal do Comércio, 21/11/1861. BN-Rio]

1863 Escravos do Campestre

No dia 28 do mês findo foi assassinado, na rua Campestre, da cidade de Itabira, um indivíduo de nome Manoel Telles Toto. Estão presos três escravos indiciados como autores deste crime, e o processo concluído. [Diário de Pernambuco, 31/10/1863. BN-Rio]

1874 Bem feito! o português se deu mal

Parte oficial. Governo Provincial. Expediente do mês de julho de 1874. Ao dr. Chefe de Polícia: “Declaro a V.S., em resposta ao seu ofício de 27 corrente, que aguardo o resultado das diligencias a que mandou proceder para chegar ao verdadeiro conhecimento do modo por que se deu o atentado, de que foi vítima o português Firmino Antônio Saraiva, sendo assaltado e roubado por dois indivíduos na estrada da Itabira para o distrito do Itambé, em direção a Diamantina, onde tencionava ele comprar escravos, como consta das participações das autoridade locais. [Diário de Minas, 15/10/1874. BN-Rio]

Fon-Fon! 1915

1874 O africano Raymundo

Diligencia importante. Apresentou-se ao dr. chefe de Polícia desta província o africano Raymundo, queixando-se de que estava reduzido a injusto cativeiro, não obstante ter sido libertado, com todos os seus companheiros, por seu senhor, o alferes Antonio dos Santos Ribeiro.

  1. Exe. o sr. dr. Benevides procedeu à minuciosa sindicância sobre o fato, averiguando terem desaparecido as cartas de liberdade dadas por Santos Ribeiro para o registro e entregues os libertos, que não podiam exibir seus títulos, por haver falecido seu benfeitor, aos credores da herdeira deste.

Colhendo as necessárias provas e aparecendo uma das cartas que se referia a uma geração inteira, que estava no cativeiro, remeteu s. exe. ao dr. juiz Municipal de Itabira, onde se acha a maior parte das vítimas, todos os dados para serem restituídos à liberdade.

Verificando mais que uma destas libertas fora vendida para o município de Cantagalo, tomou as medidas em ordem a ser ela mantida na posse de sua liberdade, o que já se realizou. E o mesmo fez em relação a outra que se acha ao município de Leopoldina, sob a proteção da autoridade, e a mais quatro que haviam fugido para não serem escravizados e se achavam no Salto, e estão hoje à disposição do juiz de Órfãos desta capital.

Somos informados de que a quarenta e tantas pessoas aproveitaram tais providencias.

Para substituir as cartas perdidas, obteve s. exc. publica forma de uma carta dirigida pelo alferes Santos Ribeiro ao major Manoel Casimiro de Magalhães, na qual declarava que as pessoas de sua casa eram todas livres, pois que há vinte anos havia libertado todos os seus escravos, e das certidões de batismo de muitos dos escravos como forros.

Ao dito juiz Municipal de Itabira foram fornecidos os elementos, para serem processados os implicados em tão grave crime. É mais um importantíssimo serviço prestado a esta província pelo ilustrado dr. Benevides. [Jornal de Recife (PE), 12/11/1874. BN-Rio]

Pichação na fachada do antigo Asilo S. Cornélio (1862), na Glória, Rio. MCS, julho de 2022

1875 Escravo dos torturadores

Refere o Diário de Minas o seguinte caso horroroso, que lhe fora comunicado por pessoa sisuda e fidedigna: Do Pomba foram enviados para Ferros, município de Itabira, dois indivíduos, chamando-se um Martiniano de tal Rosa, e ignorando-se o nome do outro. Iam, à manda de Teixeira Marinho, para prenderem o pardo Porfírio, que aquele dizia ser seu escravo, e que residia em Ferros há dez anos, casado com filhos. Esses capangas procuraram a Francisco da Costa Pereira Ipé, morador em Ferros, para procederem à captura.

A 21 de abril, à noite, reunidos os três, prenderam Porfírio, algemaram-no, e, chinchando-o à garupa de um animal, puseram-no a galope, levando o paciente diversas quedas, que lhe causaram ferimentos graves. Ao passarem por um córrego quiseram afogar a Porfírio, detendo-se, porém, em meio de tão cruel tentativa por acharem que pequeno seria o suplício.

Chegando à fazenda Montanha, tão barbaramente o açoitaram, que o infeliz caiu em longo desmaio. Vendo os algozes que a manha se aproximava, castraram a vítima, aplicando-lhe fogo.

No dia seguinte ainda fizeram viajar a Porfírio; mas não podendo o mísero resistir mais a tanta crueza, morreu no porto de Manoel Rodrigues, onde deixaram insepulto o cadáver.

Consta que há mandados de prisão expedidos contra os réus; confiamos que a atividade do sr. dr. chefe de Polícia há de conseguir de pronto a apreensão de tais monstros. [Jornal de Recife (PE), 10/6/1875. BN-Rio]

1878 Escravo de Alvarenga Monteiro

Eleitor liberto. Balbino Neves da Silva Dias, um dos membros da mesa que presidiu a duplicata liberal da Barra Longa, e fez-se eleitor – votando no colégio respectivo – registrou no dia 7 de julho de 1856 no livro de notas n.3 fs.70v do cartório do 1 tabelião da cidade Itabira, carta de liberdade que mediante oitocentos mil réis, passou-lhe seu senhor, Joaquim Constâncio de Alvarenga Monteiro. Conseguimos esta notícia para ciência da Câmara apuradora. Fica nesta tipografia a certidão verbo ad verbum, passada pelo 1 tabelião da Itabira, sr. José Martins Fontes. [O Espírito Santense (ES), 2/10/1878. BN-Rio]

1884 Escrava de dois senhores

Notícias locais. Pecúlio de uma escrava falecida. Em 20 de novembro de 1874, como v. verificará pela certidão que junto lhe remeto, entrou a escrava Rita, pertencente a Antônio João de Freitas Drummond, com o pecúlio de 565$870 para a coletoria de Itabira de Matto Dentro, nesta comarca de Piracicaba.

Aconteceu haver sido Rita posteriormente vendida para o Espirito Santo e nessa província ter falecido. Mas deixou uma filha, que ainda geme ao jugo do cativeiro. Provavelmente o senhor da filha de Rita é o mesmo que comprou esta, e chama-se João Gonçalves de Aguiar.

O pecúlio deve ter subido a cerca de 900$ e continua desaproveitado inteiramente, apenas utilizado pelo governo; enquanto a filha de Rita é ainda escrava na província do Espirito Santo; fato este que nos parece abusivo e para o qual pedimos chame a atenção do governo. Onde existirá a herdeira da infeliz cativa? [A Província do ES, 17/12/1884. Hemeroteca BN-Rio]

1887 Escravos da fazenda da Vargem

Telegramas. No dia 10 do corrente foram condenados à pena última pelo júri de Itabira, os escravos Eleutério e Primo, acusados de terem assassinado, em 15 de fevereiro do ano próximo passado, a Francisco Felisberto da Silva, feitor da fazenda da Vargem, situada na freguesia de S. José da Lagoa. [Gazeta de Notícias, 16/2/1887. BN-Rio]

Grafite num muro da Rua São Martinho, Cidade Nova, Rio. MCS, março de 2018

1887 Escrava de José Felippe da Costa Lage

Cidade de Itabira, 7 de junho de 1887. Desapareceu no dia 25 de maio próximo passado, de um dos arrabaldes da cidade de Itabira do Matto Dentro, uma criança de nome Tecla, filha de Elydia, escrava do abaixo-assinado.

A desaparecida tem os seguintes sinais: Troncos curtos, testa pequena, com duas rugas onde começa os cabelos, as quais se encontram no meio da testa; perto de um dos quadris, na curva da coxa, tem uma pequena crosta, sinal de nascidas; bons dentes, boca um pouco grande, pés curtos e grossos.

Quem dela der notícias exatas, será gratificado pelo abaixo-assinado. José Felippe da Costa Lage. [A Província de Minas, 26/6/1887. BN-Rio]

1887 Escravas de João Bento Gonçalves

Santa Maria da Itabira, (Fazenda da Gamela), 28 de outubro de 1887. O abaixo-assinado declara que por engano de matrícula, devido ao coletor que a procedeu, ficaram livres duas escravas suas, Eva e Francisca, e que, em virtude disso, as mandou sair de casa e que elas não quiseram deixar a casa do seu ex-senhor; mas que, não lhes paga coisa alguma e lhes dará alimento e vestuário, por serem suas crias. Faz este aviso para evitar qualquer acusação que lhe queiram fazer. João Bento Gonçalves. [A Província de Minas, 11/11/1887. BN-Rio]

 1888 Escravos em fuga

Notícias recebidas de Itabira (Minas) anunciam a fuga de grande número de escravizados, que abandonaram as fazendas e se dirigem para Ouro Preto, aonde consta existirem milhares deles. [O Paiz, 9/5/1888. Hemeroteca BN-Rio]

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4 Comentários

  1. Olá, Cristina!
    Que registros valiosos!

    São muitos os casos de ações de liberdade presentes no Arquivo Público de Itabira… estudo na tese o processo de ação de liberdade movido por Margarida Parda contra um dos potentados de Santana dos Ferros, o Major João José Soares e Silva.

    Margarida aciona a justiça em uma ação de manutenção de liberdade em 1859, pois havia sido reconduzida ao cativeiro por uma trama entre o Major e o herdeiro que seu ex senhor, que a coartara por volta de 1846. Desde então, Margarida vivia como livre, vendendo seus mantimentos no Arraial.

    O processo durou cerca de 2 anos , entre os quais ela ficou em depósito judicial na Câmara de Itabira. Após o relato de todas as testemunhas, fica provada a veracidade da versão de Margarida e ela vence a ação, voltando a viver como forra, senhora de si e de seus negócios.

    Parte dessa história está descrita no artigo abaixo. A análise do enredo completo da ação está saindo na tese e logo estará disponível online.

    https://www.encontro2022.mg.anpuh.org/anais/trabalhos/lista?simposio=324

  2. Muito interessante esses artigos, Cristina, pois as passagens de Itabira do tempo imperial são relatadas em diversos jornais de várias províncias, atuais estados.
    Aqueles que torturaram o pardo Porfírio, pela lei da época, se foram presos a condenação seria a forca, pois não se podia matar escravo com maus tratos e eles sabiam disto.
    Joaquim Constâncio de Alvarenga Monteiro viveu em sua Fazenda Morro Escuro, na época era o distrito de Santa Maria de Itabira, com grande geração. Se ele passou carta de alforria do escravo, então o mesmo passou a ter seus direitos civis incontestáveis e até mesmo o eleitoral.
    Se o Antônio João de Freitas Drummond concedeu que uma sua escrava pudesse adquirir uma apólice de pecúlio, então a herdeira natural deveria receber tal valor e que o mesmo daria para comprar sua alforria; que triste sina da mesma.
    Com este pecúlio nota-se as transformações na economia do Império do Brasil pós Guerra do Paraguai, denotando que as finanças ficaram extremamente combalidas.
    Como a Lei do Ventre Livre é de 28 de Setembro de 1871 e cada filho de escravo que nasceu a partir daquela data já nascia livre com a condição de que o menor ficava até os quinze anos de idade sob tutela do senhor dos pais; assim sendo, então o José Fellipe da Costa Lage por cautela fez a notificação do desaparecimento da menor sob seus cuidados.
    João Bento Gonçalves vivia em sua fazenda no distrito de Santa Maria de Itabira, como alforriou duas escravas e as mesmas continuaram em suas terras, o mesmo teve o cuidado de informar da alforria delas e de algum cuidado que as tratou no intuito de não ser taxado como aproveitador da liberdade das tais, pois já existia um princípio de Código Penal no Brasil.
    A notícia de fugas de escravos de Itabira em 09/05/1888 há poucos dias da magna Lei Áurea, nota-se que os senhores já andavam relaxados quanto a isto e que percebiam já o advento da alforria geral de todos os escravos, considerando que com as leis do Sexagenário e a do Ventre Livre mais uma geração e não teria escravos no Brasil.
    Interessante notar que há alguns anos separei pelo menos três caixas de arquivos com cartas confirmando a alforria de diversos escravos pós Lei Áurea, era assim que se confirmava a liberdade. Como o Arquivo Histórico de Itabira permaneceu incríveis seis anos fechado, imagino que infelizmente não foi dado tratamento algum a estes documentos.
    Aguardamos a sequência dos preciosos artigos novecentistas.

    Um abraço,
    Mauro

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