Pelo fim dos hospitais psiquiátricos, a luta antimanicomial segue em Itabira com programação durante todo o mês de maio
Internas do hospital Colônia, em Barbacena: um passado de triste lembrança
Foto:Luiz Alfredo/ acervo da revista O Cruzeiro
Teve início com participação na tribuna da Câmara Municipal de Itabira, nessa terça-feira (2), a programação do Mês da Luta Antimanicomial, que seguirá com palestras, exibição do filme Nise – O Coração da Loucura, oficinas, saraus poéticos, exposições, e muito mais, mantendo-se esse momento de vigília, que deve ser permanente, para que o país não volte, como fazia no passado, a internar pessoas com sofrimento mental em hospitais psiquiátricos.
A programação terá o seu ápice na quinta-feira (18), Dia Nacional da Luta Antimanicomial, quando movimentos sociais e profissionais da saúde mental de todo o país intensificam as reivindicações pelos direitos das pessoas que precisam de atendimento humanizado.
O movimento combate a ideia de que se deve isolar esses pacientes, em nome de pseudos-tratamentos com eletrochoques e outras formas de torturas físicas e psíquicas – e é também pelo fim de todos preconceitos em torno da doença, assim como pelo direito à liberdade que essas pessoas têm de viver em sociedade, que os devem acolher com carinho e respeito.
Inspiração
A luta antimanicomial é inspirada no Movimento da Reforma Psiquiátrica que se iniciou no final da década de 1970, quando o país vivia o processo de redemocratização, ainda no regime militar.
O Dia Nacional de Luta Antimanicomial foi estabelecido para marcar a data da realização do Encontro dos Trabalhadores da Saúde Mental, realizado em 18 de maio de 1987, na cidade Bauru/SP, seguido da I Conferência Nacional de Saúde Mental, que aconteceu em Brasília.
Tem como referência também o modelo de tratamento proposto pelo psiquiatra italiano Franco Basaglia (1924-1980), depois de testemunhar uma série de abusos e negligências no tratamento de enfermos no Hospital Psiquiátrico de Gorizia.
Basaglia concluiu que a psiquiatria não era suficiente para tratar o paciente com transtorno mental – e que o isolamento e a internação em manicômios poderiam até mesmo agravar a condição desse assistido.
Portanto, segundo ele, era preciso remodelar a estrutura psiquiátrica tal como era conhecida. Para isso, o primeiro passo foi proposto com a substituição do tratamento manicomial por atendimentos terapêuticos humanitários, realizados em centros comunitários de convivências e tratamento ambulatorial, mantendo-se a convivência familiar e social.
Vanguarda
Foi nesse contexto que os profissionais de saúde mental de Itabira apresentaram a proposta de seguir esses preceitos, quando o então prefeito Luiz Menezes (1989-92) implantou o Centro de Atenção Psicossocial (Caps), em 24 de novembro de 1992, para atendimento de pessoas com sofrimento mental no município e na região. Foi pioneiro em Minas Gerais.
A partir daí, Itabira deixou de ser a cidade mineira que mais encaminhava pacientes para internação em hospitais psiquiátricos de Belo Horizonte (Galba Veloso e Raul Soares), tornando-se referência regional no atendimento humanizado, colocando fim às internações compulsórias.
Transcorridos mais de 30 anos de sua implantação, atualmente o município e a microrregião contam com os Caps adulto, Infanto-juvenil (Capsi) e Álcool e Drogas (CapsAD), mantidos em parte menor com recursos do SUS e pela Prefeitura. A rede de atendimento conta também com o Centro de Convivência Interagir.
Recursos escassos
Segundo contou a diretora de Saúde Mental, da Secretaria Municipal de Saúde, Jacira Helena Silva, desde 2013, os programas de saúde mental passaram a contar com recursos federais.
Entretanto, a partir de 2017, quando teve início o governo Bolsonaro, esses recursos se tornaram escassos.
“Atualmente, os Caps estão sendo mantidos basicamente com recursos do município”, lamentou, dirigindo-se aos vereadores, na tribuna da Câmara, já que os recursos do SUS para o segmento de saúde tornaram-se escassos.
Ela disse temer mais perdas de recursos para as chamadas Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS), que passam a ser também financiadas pelo SUS.
Nessas práticas estão incluídas as Constelações Familiares, encontros terapêuticos sem embasamento científico, em moda no país, principalmente em setores da classe média – e que podem chegar a um público mais amplo com patrocínio público.
“Por conta dessas mudanças e inclusões equivocadas, as comunidades terapêuticas passaram a ser bancadas pelo SUS. Com isso, reduziram consideravelmente os recursos que antes vinham para os Caps”, lamentou.
“Precisamos abrir a discussão sobre novas formas de financiamento. Para isso esperamos contar com o apoio dos vereadores, para que possamos ampliar e melhorar os serviços de saúde mental em Itabira, que atende também pacientes de 13 municípios vizinhos”, foi um dos um dos apelos que fez Jacira Silva, dirigindo-se aos edis itabiranos.
A diretora de Saúde mental insistiu com os vereadores para que assistam à exibição do filme Nise – O Coração da Loucura, sobre a vida e luta da psiquiatra Nise da Silveira, outra lutadora pelo fim dos manicômios.
Como substitutos, ela propôs e colocou em prática alternativas de tratamento por meio de atividades lúdicas e humanitárias, como se observa hoje em Itabira nos Caps e também no Centro de Convivência.
O filme terá exibição itinerante na Associação dos Moradores do bairro Pedreira, no dia 24, às 19h, e no dia 31, também às 19h, no ginásio poliesportivo do bairro Gabiroba.
Preconceitos
A psicóloga Glória Menezes, também fazendo uso da tribuna da Câmara, recordou os tempos obscuros em que a loucura, o transtorno mental era tratado de forma desumanizada, com preconceito, violência, sofrimento, com “tratamentos” que incluíam choque elétrico, banho frio, jaulas, amarras.
“Isso ficou no passado que nos envergonha, mas ainda, nos tempos atuais, vemos tratamentos desumanos e com os mesmos preconceitos”, observou.
“A Jacira citou Nise da Silveira, uma médica nordestina arretada, única mulher em um grupo de grandes homens que participaram das maiores descobertas científicas e de formas de tratamentos humanizados, que procuramos seguir em Itabira”, reforçou a psicóloga, pedindo também o apoio de vereadores para que destinem mais recursos à saúde mental nos próximos orçamentos do município e por meio de emendas parlamentares.
É que ainda há muito que avançar nessa área de saúde, para que Itabira permaneça na vanguarda do tratamento humanizado de pacientes com transtornos mentais, o que deve envolver a família e a sociedade, que ainda os vêem com preconceitos.
“É com espanto e indignação, como recomendava Nise, que devemos lutar para mudar esse senso comum, esse mesmo julgamento preconceituoso de quem vê a pessoa com transtorno como louco ou dissimulada, que vê a depressão como fricote. É contra esses preconceitos que devemos lutar permanentemente”, propôs Glória Menezes.
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