O novo santo do sertão de Minas – Padre João, de São Gonçalo do Rio Abaixo

Fotos: José Nicolau

Texto: Fernando Richard

Um dia, um romeiro de terras distantes foi até Urucânia buscar as bençãos do famoso padre Antonio Pinto, o alívio para seus males de corpo e alma. Estavam no auge as romarias, e a pequena cidade mineira fervilhava de gente vinda de toda a parte do Brasil, até do exterior, ali levado pela fama miraculosa do sacerdote.

O pobre homem, desesperado e perdido naquela multidão, não via possibilidade de tão cedo ser contemplado com sua benção. Então, alguém lhe avisou que padre Pinto – diante do comparecimento daquela massa humana – estava enviando pessoas para a cidade de São Gonçalo do Rio Abaixo, onde as bençãos do padre João tinham também efeito miraculoso.

Isso aconteceu há mais de dez anos e, naquela época, este romeiro abriu o caminho que hoje conduz ao mais novo santo do sertão do Estado de Minas Gerais: padre João José Marques Guimarães, de São Gonçalo do Rio Abaixo!

Distante 84 quilômetros de Belo Horizonte, à beira da estrada asfaltada que conduz à Ipatinga, em São Gonçalo do Rio Abaixo não existe uma só pessoa, entre os familiares dos seus dois mil habitantes, que não tenha sido beneficiada com um milagre do padre João.

Há 43 anos ali radicado, o sacerdote tem sua vida cantada por todos da região e, agora, pelos de mais distantes, que buscam o cessar de seus sofrimentos, naquele vaivém diário de carros, caminhões, ônibus e até cavalos.

Com 78 anos de idade, há mais de vinte lhe são atribuídas bençãos milagrosas que curam desde simples dores de dente até hemorragias em doentes desenganados pelos doutores. Simples, mas nervoso e enérgico, padre João governa seus fiéis com humildade, sempre afirmando ser apenas um vínculo de Deus, pois só ele é quem cura.

Na cidade, dele tudo se fala e, em alguns casos, sua interferência milagrosa chega às raias do absurdo, para os menos crentes. Conta-se que, em certa época do ano passado, o fazendeiro Hélio Moreira dos Santos teve sua plantação de feijão atacada de praga que iria reduzir a nada sua esperada safra de 500 sacas.

Depois de lidar com inseticidas e nada adiantar, apelou para o sacerdote. No meio da plantação, padre João fez várias orações, benzeu os pés atacados e, em poucos dias, os resultados se fizeram sentir: na colheita, ainda foram aproveitados quase quatrocentos sacos.

De outra feita, o fogo grassava nas terras de um fazendeiro local. Nem as chuvas conseguiam apagar as labaredas. Pedida a intervenção de padre João, de sua casa na cidade ele fez orações e avisou que das dez horas da noite o fogo não passaria. E assim aconteceu.

Os casos vão por aí a fora. Há os de paralíticos que saíram andando após ser abençoados, hemorragias que cessaram, partos interrompidos que tiveram continuidade normal após sua intercessão, dores cessadas, curas de vícios, e assim por diante.

Os mais crentes afirmam que, desde a vinda do padre João para São Gonçalo do Rio Abaixo, a cidade foi benzida e jamais nenhum raio, chuva pesada ou qualquer catástrofe se abateu sobre o lugar que, sem nenhum médico, farmacêutico ou dentista diplomado, tem no padre o ai-jesus de todas as situações.

Certa vez, a bondade de seu coração se aliou à retidão de seu caráter. Foi por ocasião da estada de um circo na cidade (os donos do circo maritalmente). As coisas não andavam bem pra o centro de diversão, com o povo ignorando a sua presença.

Então, padre João resolveu interceder. Convenceu os dois a se casarem, organizou a festa (ele é avesso a qualquer festa, não indo a nenhuma formatura ou solenidade que sempre acabe em baile) e se divertiu entre a população, indo ele assistir a um espetáculo circense.

Com isto, os habitantes do lugar passaram a prestigiar todas as noites as piadas do palhaço, o chicote do domador e o malabarismo dos trapezistas. Quando deixaram a cidade, os proprietários do circo estavam em ótimo situação financeira.

Padre João atende a todos os que o procuram com a mesma piedade de sempre e a qualquer um dá o remédio indicado. Para as mulheres grávidas tem uma benção especial: para que o parto transcorra normalmente, abençoa a futura mamãe, escreve frases em latim num papelzinho, enrola e pede à mulher que engula.

Em nenhuma das esposas abençoadas jamais houve qualquer complicação na hora de dar à luz e jamais ninguém tentou saber o que estava escrito na mensagem do padre.

Até o prático de dentista do lugar, Ítalo Moreira, obteve uma graça no nascimento de seu segundo filho, com sua esposa sendo abençoada pelo sacerdote.

Deolinda Guedes, de 77 anos, há dez anos foi beneficiada com uma benção de padre João, que a curou de espasmos que sofria. Odilon Martins Tôrres, comerciante local, teve uma de suas filhas curadas, e João Rodrigues, viciado em álcool, deixou a cachaça após assistido por padre João.

O fazendeiro Isaias Lopes, com uma filha desenganada pelos médicos de Belo Horizonte, levou-a para morrer em São Gonçalo do Rio Abaixo. Com muita fé, apelou para o sacerdote e, três meses depois, a jovem passeava pelas ruas da cidade.

Também o responsável pela manutenção do sítio do sacerdote, João Nepomuceno Miguel, foi beneficiado com uma benção e curado da doença que o havia deixado com a perna esquerda completamente imobilizada.

Os casos de milagres do padre João são inumeráveis e não se pode oferecer uma estatística exata de quantos sejam, mas afirmam que milhares de pessoas já foram beneficiadas com suas orações, não só do lugar, mas de outras bandas, como o caso de um menino de Rio Piracicaba, atacado de epilepsia, curado a distancia com as bençãos do sacerdote.

São Gonçalo do Rio Abaixo ainda não começou a sofrer violentamente com os imprevistos ocasionados pelas romarias intensas. O movimento de forasteiros aumenta a cada dia que passa e, muito breve, poderá ser transformada numa nova Urucânia.

Não possui nenhum hotel, a não ser a pensão de D. Jovem, que pode abrigar umas vinte pessoas, no máximo. Um único bar, situado a poucos metros da casa do padre, atende aos romeiros, vendendo cafezinho, queijo, pastéis, mas não servindo almoço.

Farmácia, existe apenas uma e os remédios são os de emergência. Num posto de gasolina, à entrada da cidade, seu proprietário já antevê as romarias constantes de São Gonçalo do Rio Abaixo e prepara camas para receber aqueles que virão em busca de alivio nas bençãos do padre João.

Já cansado, muito nervoso (não gostou dos jornalistas presentes à sua cidade, aos quais taxou de comunistas, coisas do demônio, cambada etc.), padre João já solicitou a intervenção do bispo de Itabira, d. Marcos Noronha, para disciplinar as bençãos a serem distribuídas aos romeiros.

Pretende dá-las aos domingos, às 15 horas (pelo seu horário antigo, pois não admite uma hora antes), mas continua recebendo todos os dias, a qualquer hora, apesar dos protestos de sua secretária, Ana Domingues Veiga, considerada na cidade como a eminencia parda no reino santificado do padre João.

Mas, o que pode acontecer na tranquilidade de São Gonçalo do Rio Abaixo, ninguém pode dizer.

Talvez padre João não possa mais celebrar suas duas missas diárias (às 5 da manhã e seis da tarde), cuidar de sua horta nos fundos da igreja, visitar suas flores no sítio, brincar com as crianças, brigar com as mulheres que vestem calças compridas e vestidos sem manga, celebrar os casamentos fora de sábado e domingo, os quais sempre acabam em festas, atender seus fieis mais íntimos, fumar em descanso o seu cigarrinho de palha e tantas outras coisas que compõem o seu mundo santo.

Padre João deixou de pertencer a São Gonçalo do Rio Abaixo. Ele agora, é de todos quantos procuram o alívio para os sofrimentos.

[Revista O Cruzeiro (RJ), 27/1/1968. BN-Rio – Pesquisa: Cristina Silveira]