CorraAtrásDessesLivros
Ilustração: Reprodução/ Morte e Vida Severina
Por Sinvaldo Júnior*
O Bule – Depois de alguns anos, voltamos com a campanha #CorraAtrásDessesLivros. É simples: uma pessoa (colunista, colaborador, convidado) sugere algumas obras que a marcaram por meio de um textinho direto no ponto: no essencial da obra, no efeito que ela pode causar. Eis as sugestões do pesquisador, professor e crítico literário Sinvaldo Júnior:
Ficções, de Jorge Luís Borges – os contos dessa obra exigem uma leitura sagrada. Tranque-se no quarto, desligue o celular, deite-se na cama e, só assim, pegue o livro. Aproveite cada frase, cada mistério, cada labirinto. Com frequência, releia os prólogos (sim, são dois). Aí você vai encontrar clássicos como “Tlön, Uqbar, Orbis Tertius”, “A biblioteca de Babel”, “Funes, o memorioso”, “O sul”, entre outros, que podem exigir uma segunda leitura. Faça.
o que devíamos ter feito, de Whisner Fraga – prosa poética o estilo; conto o gênero. São quatorze contos cujo objetivo principal é o óbvio: contar uma história. No entanto, mais do que contar uma história, os contos de o que devíamos ter feito também apresentam um estilo incomum (palavras sempre em minúscula, por exemplo), uma estrutura e uma linguagem poéticas e “helena”, uma personagem misteriosa, a interlocutora de vários narradores: ora é esposa, ora é irmã, ora é namorada. Literatura brasileira contemporânea de alta qualidade.
A rosa do povo, de Carlos Drummond de Andrade – complexa, diversa, riquíssima, tanto temática quanto estrutural e estilisticamente. Para alguns, a obra maior de Drummond; para outros, também. Unanimidade? Talvez. O melhor é se deitar, deletar todas as distrações e se deleitar com essa obra de poemas magistrais: “A flor e a náusea”, “Ontem”, “Movimento da espada”, “Resíduo”, “Caso do vestido”, “Morte no avião”, “Consolo na praia”, “Como um presente”, “Mas viveremos”, “Visão 1944”, “Canto ao homem do povo Charlie Chaplin”, entre tantos outros.
O encontro marcado, de Fernando Sabino – linguagem rápida, narrativa fluida, personagens convincentes. Narrado em 3ª pessoa, centra em Eduardo Marciano, cujas dúvidas, anseios, frustrações, pai, amigos permearão a vida daquele que se propuser a abrir essa obra-prima: o leitor. Dado o eterno universalismo da obra, nem parece que foi publicada em 1956.
Urupês, de Monteiro Lobato – tão indispensável quanto consciente e equivocadamente deixada de lado, essa obra de Lobato é saturada de contos e personagens marcantes. A linguagem – uma junção de regionalismo com linguagem erudita (“Escuridão, não direi de breu, que não é o breu de sobejo escuro para referir um negror daqueles”) – é outro ponto alto da obra, uma espécie de prenúncio do que um tal Rosa iria fazer alguns anos depois, mas à potência máxima. São quatorze contos que vão te transportar àquele Brasil atrasado, mas belo (por que não?), de um século atrás. Bora viajar?
Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto – o que dizer de um clássico? Morte e Vida Severina é aquele tipo de texto que você pode ler/reler dez vezes e, mesmo assim, ele vai te tocar. Não que as agruras da vida, a pobreza, a fome sejam tocantes (não são e nunca serão), mas a forma como o autor as apresenta, tão poeticamente, tão duramente, tão profundamente, deixa qualquer leitor reflexivo por um bom tempo. Não virou clássico sem motivo.
*Sinvaldo Júnior é professor, pesquisador acadêmico e revisor de textos (Textifique Soluções em Textos). Publicou diversas resenhas, artigos de opinião e artigos acadêmicos sobre leitura e literatura, com foco em obras e autores brasileiros. É admirador de Carlos Drummond de Andrade, Campos de Carvalho e José Saramago. Mora em Uberlândia-MG.
**Resenha publicada originalmente em O Bule.