Outubro Itabirano. Crônicas da Itabira do Matto-dentro Imperial – 1890 – Itabira: uma velha cansada descansando em pé
Acervo e pesquisa: Cristina Silveira
Itabira, por Nullus
Itabira. Estivéramos nos séculos da astrologia, os peritos na arte dirão que esta cidade nasceu debaixo do influxo do astro da infelicidade. Hoje, porém, quando nós compreendemos que o homem é a máxima parte no seu bem estar e prosperidade, é inexplicável que mal gênio assentou sua fatal morada sobre este altaneiro pico.
Esta cidade, tendo aliás todos os elementos para merecer a vanguarda de suas coirmãs da nobre Minas, vai fazendo passo retrospectivo, enquanto as outras ou em realidade ou em próxima esperança avançam sempre.
Pequenas localidades que ainda ontem sentiam o bafejo materno da Itabira, hoje olham-na de revés com desdém, deixando-a como uma velha cansada que com passo lento ou descansando em pé, contempla com inveja as filhas que lá se vão saltando cheias de vida e animação ao banquete dos desposorios da civilização e do progresso.
O observador que de parte contempla este espetáculo, pergunta de si para si: por que esta velhice precoce? Por que caminha a passos largos para o túmulo ela que tem razão para uma vida vigorosa? Porque está quase a estender a mão indigente ao viandante perplexo, esta que guarda em seus cofres riquezas para felicitar um império? É difícil a resposta.
É, porém, a dura verdade. A grande e rica cidade de Itabira descamba de dia para dia para o ocaso, e um ocaso vergonhoso, por sem razão.
Coberta de ouro desde o alto pico que lhe está a cavalheiro, e que dá-lhe o belo nome original, até seus últimos confins de muitas léguas; nadando por todos os lados em um mar de ferro; possuindo em sua extensão a mais fértil terra para toda espécie de cultura; coberta das mais nutritivas e lindas pastagens; empório de todo o comércio do Norte; possuindo um povo laborioso e cheio de ambição, e assim mesmo morre!
Cidade populosa e, das do Centro, desde a capital, só inferior à Diamantina; industriosa, que em seu seio já pôde formar duas grandes fábricas de tecidos de algodão; não só, mas em toda outra indústria; contando sempre grandes trabalhos, e, no entanto, mesmo assim definha! Onde o segredo deste mal que tão atrozmente corrói-lhe a vida?
Há no indivíduo, um órgão, que obstruído, embora todos os outros em plena vida, esse indivíduo é cadáver; assim é também a sociedade, grande ou pequena. Esse órgão é a cabeça, o órgão que pensa; o órgão que do alto de sua posição domina todos os mais.
Pois a causa do aniquilamento desta futurosa terra é a falta desse órgão necessário. Tudo tem ela de sobejo, mas falta o elemento da vida ordeira e uma, e enquanto não o tenha caminhará sempre como o monstro para todos os lados menos para adiante.
Houve um tempo em que Itabira cresceu, foi justamente quando uma plêiade de homens sensatos e patriotas, à cuja frente se via monsenhor José Felicíssimo, que, cheios de união e desprezando os cômodos próprios, olharam para o benefício público.
Isso acabou-se, infelizmente, e com esses homens vai morrendo também a sua criação. Depois, uma política tacanha e miserável, o benefício só enquanto pegasse a pressão de voto.
Uma vista míope e egoísta olhando só de muito perto para si; um continuo bocejo da inercia confiada nos dinheiros públicos; o titubear da crença que só procura apoio para assegura-se, isto tudo começou o descalabro, que vai sendo completo dia para dia se alguém não pensar por esta pobre cidade digna de melhores destinos.
Hoje, então, causa dó a vertiginosa carreira em que avança Itabira para o abismo. Os seus destinos colocados em mãos inábeis e imberbes ou invejosas que vão pagando caro as críticas virulentas de passados homens ou de trânsfugas estragados, acostumados ao almocafe de empregado público, convidam-nos a tomar a luto do funeral. Não creio que haja neste vasto Estado localidade mais baixamente governada.
O mais boçal mandão de aldeia que por aí haja, com certeza pegará com menos desastre o timão de sua canoinha, temendo ao menos que se afunde.
Mas na Itabira, o instinto de conservação seria anomalia; falta lhe o órgão do pensamento. Desta tresloucada governação provém outra igual desordem: a falta de união. Esta falta parece proposital da parte desses que avocaram a si o mando ou influência; importa-lhes em muito arredarem-se os homens sensatos por que o instrumento próprio para o acrobata é a maromba.
Moralmente eram estes os primeiros degraus da queda desta cidade que foi boa e esperamos ainda alcance seus foros. Por acréscimo a esses males vem ainda o ludibrio com que tem ela sido tratada pelos poderes públicos. Parece mesmo que por colocar, onde merecem estar, as ridículas caricatas influencias, os homens que dirigem o país não as enxergam quando reclamam, ou não as ouvem.
Por isso tem a Itabira ficado sempre à margem nos favores gerais e benefícios dos governos. O único remédio que hoje pode salvá-la é a sua união com o mundo civilizado pela ferrovia.
A entrada de novo pessoal que não esteja afeito a essas lutas e intrigas baixas, o engrandecimento do comércio e meios de trabalho; a influência de todas as as produções que ora aí jazem apodrecidas por falta de possibilidade de oferta e procura, são com certeza bem segura base de esperança.
Ainda aqui tem esta cidade navegado contra o vento. Exultou de alegria uma vez quando viu bater-se a última baliza da Estrada Leopoldina, dentro de uma de suas praças; mas frustrou se bem depressa porque a companhia não quis e não veio.
Acendeu-se uma outra vez um lampejo de alegria. Foram feitos estudos para o prolongamento partindo de Ouro Preto, novamente frustrada a infeliz Itabira e todos os dias promessas! E todos os dias telegramas, e as promessas e os telegramas veem já fechados para irem à urna.
É certamente um cumulo de abuso e de ironia lançada à face desta cidade. No entanto para não repisar vantagens já conhecidas, basta considerar que as duas bem montadas fábricas de tecidos importam todo o algodão de seu consumo e exportam grande parte de seus tecidos, e quanto iria nisto de lucros para a estrada?
Demais, sobe a cem mil arrobas o café, que daqui é enviado ao mercado, já deste município, já dos municípios circunvizinhos, que terão aqui seu embarque cômodo e natural. E, não merece, uma cidade populosa, em geral composta de bons cidadãos e todos dados à indústria, com todos estes meios de riqueza a única coisa que pode arrancá-la do aniquilamento a que caminha?
Se me fora possível falar ou se minha voz pudesse ser ouvida, eu gritaria bem alto aos cidadãos que dirigem as rédeas deste Estado, senhores, não penseis que a Itabira é esse pugilo de homens que vós tão tristemente conheceis; vós sabeis qual a lei das efervescências, começai por serdes conscienciosos na escolha do pessoal que vos tem de representar nela; continuai por fechardes os olhos e tapardes os ouvidos a todos esses pretensos chefes ou influencias que só tem de real a fumaça, e acabai por vós convencerdes de que a Itabira em todo o sentido merece mais que nenhuma outra cidade de Minas toda a influência benéfica de um governo que deseje o engrandecimento deste Estado que parece talhado para em breve ser uma potência.
Nullus [A Ordem (MG), 22/11/1890. BN-Rio]
Em 1890 Itabira tinha 4.000 habitantes.
Em 1920, todo o município de Itabira, contando com os distritos Ipoema, Carmo, Santa Maria, Nova Era, Antônio Dias e adjacências tinha 20 mil habitantes.
Considerando que a capital Belo Horizonte em 1920, com todo o funcionalismo público, tinha 20 mil habitantes também.