Cultivo de plantas medicinais e novo hospital constam, em 2013, do Plano de Descomissionamento das Minas de Itabira

Imagens: Reprodução

Por Carlos Cruz

No Plano Regional de Fechamento Integrado das Minas de Itabira (PRFIMI), de 2013, que a Tüv Süd Bureau de Projetos e Consultoria elaborou para a Vale para quando se encerrasse a extração de minério de ferro em Itabira, MG, consta a proposta do Ecoparque Cauê, cujo “driver indutor” deve ser a produção de insumos terapêuticos para hospitais e indústria farmacêutica, com cultivo de plantas medicinais nas pilhas de estéril dispostas nas cavas exauridas – e também no platô da pilha Convap.

O documento apresentado ao antigo Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM), e possivelmente também ao mercado, exceto para Itabira, faz referência à política já em curso de tornar o município polo macrorregional em saúde, com a diversificação e fortalecimento do setor de atendimento médico-hospitalar-farmacêutico.

“Procurou-se privilegiar, nesse ecoparque industrial, ênfase em áreas das ciências médicas que apresentem um alto potencial de retorno monetário, favorecendo, portanto, a reanimação da economia da cidade de Itabira após o encerramento das atividades de mineração”, frisa o documento, um calhamaço que Vila de Utopia compartilha para conhecimento geral aqui:

https://viladeutopia.com.br/wp-content/uploads/2022/01/Fechamento-Itabira-OS_16_RC-SP-046-13_R1_Vol_I-II-4.pdf

Projeções otimistas

Proposta de parque industrial ecologico na cava Cauê após a sua reabilitação

“Estimativas, da consultoria Global Industry Analysts, apontam que o mercado mundial de suplementos de ervas deve chegar a US$ 107 bilhões em 2017. Em 2011, as receitas chegaram a US$ 5,3 bilhões, somente nos Estados Unidos”, cita o documento.

No Brasil, o resultado do setor é mais modesto, acrescenta. “A Associação Brasileira de Empresas de Fitoterápicos estima um mercado interno para o segmento girando entre R$ 700 milhões e R$ 1 bilhão.”

É assim que os consultores internacionais da Vale vislumbraram, em 2013, um grande potencial de crescimento, uma oportunidade para a ocupação de áreas mineradas para o cultivo de plantas medicinais – e também a implantação de um novo complexo hospitalar.

“A maioria das empresas farmacêuticas instaladas no Brasil prefere importar a matéria-prima utilizada na fabricação de medicamentos, em função de problemas com qualidade e regularidades na oferta de produtos similares produzidos nacionalmente”, observam os consultores da Vale.

Leia mais aqui: Vale já prepara, pelo menos desde 2013, o Plano de Fechamento das Minas de Itabira

Complexo hospitalar

Perspectiva para um novo complexo hospitalar

Otimistas e ufanistas, os consultores da Vale salientam que, entre os diversos bens de consumo associados às áreas de medicina e saúde, os produtos farmacêuticos configurariam a indústria de maior robustez, movimentando um dos mercados econômicos mais lucrativos do mundo.

“O setor de tecnologia hospitalar, por sua vez, por estar fortemente atrelado a novas descobertas na área de tecnologia, apresenta uma evolução constante, resultando em produtos com um valor agregado bastante elevado.”

E mais: “Induz-se um vínculo umbilical com a proposta de implantação das fazendas de macrófitas aquáticas medicinais, em sistema de wetlands produtivas na barragem do Pontal, que irá agir como núcleo base do driver farmacêutico”, afirmam os consultores.

Seria, enfim a redenção de Itabira, com essas alternativas até então não vislumbradas? Ou será mais uma proposta mirabolante, como a história tem demonstrado nos últimos anos, com o fracasso até aqui da política de diversificação da economia local?

“A produção de plantas macrófitas medicinais e o complexo hospitalar atrairiam grandes projetos de investimento e encadeariam de forma maximal setores industriais para a produção de medicamentos e equipamentos hospitalares.”

Fazenda de macrofitas no Pontal: proposta está no PFM de 2013

Aval necessário

Mas para tudo isso acontecer, ressalvaram os consultores, é necessário obter o aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Ministério da Saúde. E, possivelmente, também do Ministério da Agricultura. Obtido o sinal verde, o próximo passo, diz o documento, é trabalhar para atrair as indústrias farmacêuticas.

“O roadshow deveria ser ampliado como instrumento de atração empresarial, elegendo os principais laboratórios nacionais e multinacionais com maior expressão e dimensão para engajamento na pesquisa, desde a fazenda experimental de macrófitas nos wetlands até compromissos de engajamento futuro, pelo inédito e inovador projeto de produção de medicamentos, como ponto de partida potencial”, recomendam os consultores internacionais da Vale para diversificar a economia itabirana.

Segundo eles, o “mercado de medicamentos em geral é estimado em mais de US$ 300 bilhões anuais e aproximadamente 40% dos remédios são oriundos direta ou indiretamente de fontes naturais (75% de origem vegetal e 25% de origem animal e de microrganismos). O mercado internacional de plantas medicinais apresenta tendência de crescimento.”

De acordo com as projeções de 2013, com base no relatório Form-20, encaminhado anualmente pela Vale à Bolsa de Valores de Nova Iorque, nos Estados Unidos, a atividade minerária em Itabira permaneceria apenas até 2025.

Essa projeção do horizonte de exaustão já foi dilatada, como vem ocorrendo a cada relatório.

Leia aqui: Previsão da exaustão do minério de Itabira tem mudado com o tempo nos relatórios da Vale

“Nas décadas de 2020 a 2030, considerando-se o porte urbano de Itabira e os investimentos constantes nos setores médico e educacional (principalmente com a expansão do campus da Unifei, e implantação do complexo hospitalar da Unimed Itabira), espera-se a consolidação do município de Itabira como polo microrregional de saúde, educação e serviços.”

Agronegócio, reflorestamento, turismo

Perspectiva de área de uso misto em Periquito é outra proposta constante do PFM

Ainda como propostas para a diversificação econômica de Itabira, os consultores da Vale apresentam alternativas para ocupação de áreas mais distantes da cidade, que podem ser utilizadas para o incremento da pecuária e agricultura.

“Nesse setor, concebe-se a atuação da Vale, introduzindo empresas ou comunidades nas áreas definidas para o agronegócio, tais como, sistemas agroflorestais, tree farming, arranjos produtivos locais, sempre embutindo conceitos atuais de desenvolvimento sustentável.”

São também relacionadas, no mesmo documento, áreas que podem servir ao setor comercial, turismo e recreativo, cultural. “As áreas que se adequam a esta proposta de uso futuro têm potencial para desenvolvimento de projetos de parques temáticos, complexos esportivos, espaços culturais para shows, galerias, museus.”

No setor corporativo, o relatório sugere atividades econômicas diversas, que possam ser praticadas em convênio com empresas da Vale, ou mesmo, associadas a programas socioambientais.

“Visam o desenvolvimento regional, como é o caso da Vale Florestar, que faz reflorestamentos com eucalipto de alta qualidade e recupera áreas de reservas legais no Pará e da Biopalma da Amazônia, empresa produtora de óleo de palma, matéria-prima do biodiesel usado pela Vale para alimentar sua frota de locomotivas.”

Expansão urbana

Proposta do Museu da Vale e Monumento Cauê

Para uso futuro urbano ao norte do centro da cidade, mais próximo da mina Cauê, o plano de 2013 prevê a instalação de um parque tecnológico ao lado de áreas urbanas de uso residencial e misto, com um parque urbano, Museu da Literatura Mineira. E também o Museu Cauê.

Já a sudeste do centro da cidade, próximo da mina Periquito, o relatório sugere a instalação de uma Usina de Geração de Energia Solar.

E a nordeste e sudoeste da cidade, além da instalação de Fazendas de Macrófitas (plantas aquáticas) e de Aquicultura, consta a implantação do Museu Vale Itabira a Céu Aberto.

E também a formação de um corredor ecológico interligando todas as minas exauridas.

Visando à valorização das áreas de uso misto sustentável, o plano propõe a instalação de um grande atrativo comercial, um shopping center, a ser instalado entre a rodovia BR-120 e o reservatório da barragem do Minervino, que será convertido em um parque urbano.

Outra área a ser destinada para o uso misto sustentável compreende as propriedades da Vale localizadas na porção sul da cidade, próximas ao entroncamento da rodovia BR-120 com a rodovia MG-129.

“Essa área configura uma opção secundária de expansão, localizada próxima aos acessos que levam a Belo Horizonte, em região na qual já está instalado um núcleo industrial do município, apresentando, portanto, um claro potencial de ocupação.”

Ufanismo 

Proposta de Museu da LIteratura Mineira para Itabira também consta do PFM

Otimista, como se todas essas propostas fossem exequíveis e houvesse vontade política e alocação de recursos necessários, o PFM para o complexo de Itabira sustenta que a dimensão dessa transformação seria de tal ordem que um novo eixo urbano seria privilegiado, polarizando o deslocamento espacial de habitação, comércio e negócios em direção a novos vetores de crescimento.

“Fica manifestada, desta forma, a crença de que o município de Itabira pode se diversificar economicamente, ter uma inserção regional maior em seu novo processo de desenvolvimento e, mesmo, situar-se como polo regional na prestação de serviços de mercado para uma região que atinge até 35 municípios, introduzindo-se expressivamente na economia regional com um novo conjunto de atividades econômicas e sociais”, é o que extrai do relatório ao qual este site teve acesso.

Para os consultores, a disponibilidade dessas áreas pós-mineração “traz a inovação do capitalismo sustentável e vanguarda tecnológica, refletindo a utilização máxima dos recursos, contraindo a estrutura de custos ambientais e eliminando sua internalização nos produtos, potencializando novas vocações para a mudança de ‘DNA socioeconômico’ de Itabira”, ufanizam-se.

E mais: “O principal impulso da Ecologia Industrial concentra-se na interconexão dos processos de produção em ‘ecodiversidade’ industrial e pretende convergir a um ponto em que as emissões, efluentes e rejeitos tendam a zero.”

Como exemplos, citam os casos de sucesso de ecoparques industriais instalados na Dinamarca, Holanda, Estados Unidos e China. “Um dos casos renomados é o da simbiose industrial que se estabeleceu, a partir da década de 1960, em Kalundborg, na Dinamarca, que se tornou referência na bibliografia sobre o tema”.

Se exequível a proposta, entre as plantas medicinais pode ser incluído, inclusive, o cultivo da cannabis sativa, que não consta no documento, mas fica como sugestão deste site. É que até a exaustão das minas de Itabira, possivelmente a partir de 2041, o Brasil já terá vencido o atraso e liberado a sua produção para fins medicinais e também recreativo.

O que diz a Vale

Procurada pela reportagem para esclarecer sobre o Plano de Descomissionamento da Área de Abrangência para Fechamento Integrado das Minas do Meio e Conceição, em Itabira, concluído em 2013, a Vale encaminhou à redação a seguinte nota:

“Conforme o Relatório 20F, o plano de exaustão das minas do Complexo Itabira foi ajustado para até o ano de 2031 (agora já é 2041, n.r) em função da revisão dos planos estratégicos de lavra e de produção da empresa.

Os estudos para aumento do aproveitamento das reservas minerais, bem como para os planos de fechamento de mina, estão em constante evolução. Eles levam em consideração aspectos tecnológicos, ambientais, legais e sociais.

Além disso, é importante ressaltar que a Vale tem se dedicado às ações que busquem o desenvolvimento de oportunidades para o município de Itabira dentro do conceito de visão sistêmica e integrada. 

Os projetos de fechamento de mina e uso futuro do território serão construídos com base nas diretrizes de sustentabilidade e no conceito de valor compartilhado, no qual a escuta ativa e o engajamento com a sociedade são fatores essenciais, além de considerar a aptidão do município.”

Resposta evasiva

Como se observa, a mineradora Vale é evasiva em sua resposta a este site, sem sequer explicar o motivo de não ter tornado público, em Itabira, esse importante documento que trata do descomissionamento de suas minas, com projetos que precisam ser discutidos previamente com a sociedade itabirana.

Isso enquanto a cidade, como já antecipou o seu maior cronista, o poeta Carlos Drummond de Andrade, na crônica Vila de Utopia, de 1933, permanece inerte, como se um poder maior a dominasse.

“A cidade não avança nem recua. A cidade é paralítica. Mas, de sua paralisia provêm a sua força e a sua permanência. Os membros de ferro resistem à decomposição. Parece que um poder superior tocou esses membros, encantando-os. Tudo aqui é inerte, indestrutível e silencioso. A cidade parece encantada. E de fato o é. Acordará algum dia? Os itabiranos afirmam peremptoriamente que sim. Enquanto isso, cruzam os braços e deixam a vida passar. A vida passa devagar em Itabira do Mato Dentro.”

De certo modo, essa inércia ainda acontece na Itabira atual, enquanto aguarda a derrota incomparável, como cismava o ex-prefeito de Itabira (na época, presidente da Câmara, 1869/72), Antonio Alves de Araújo, o Tutu Caramujo, imortalizado no poema Itabira.

“Os homens olham para o chão. Os ingleses compram a mina. Só, na porta da venda, Tutu Caramujo cisma na derrota incomparável”, vaticinou o poeta itabirano..

Tutu Caramujo simboliza, desde então, o ceticismo do itabirano em relação ao desenvolvimento do município, mesmo depois de ter sido anunciada, em 1908, em um congresso em Estocolmo, capital da Suécia, a existência em seu subsolo de mais de 1 bilhão de toneladas de pura hematita, no pico Cauê.

Atualmente, resta a Itabira apenas o itabirito compacto, que antes era considerado rejeito, viabilizado com investimentos em novas plantas de concentração, inagurando o que veio a ser o terceiro ciclo minerador na cidade.

Se esse será o último ciclo do minério de ferro em Itabira não se sabe, pois ainda restam os rejeitos das imensas barragens de contenção.

Já os itabiranos, acordarão algum dia? O prefeito da cidade afirma peremptoriamente que sim, mas os resultados ainda não apareceram para impedir a derrota incomparável.

 

Depois de ter sido anunciada…”

 

 

 

 

 

 

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4 Comentários

  1. Puxa vida, quantas ideias bacanas poderiam transformar em projetos para o descomissionamento das minas.
    Seria sensacional. Dá para fazer todos. Mas se tratando da Vale por Itabira, para mim, não vão passar de ideias e projetos mirabolantes.
    Assim como estão facilitando a abertura de novas minerações, para o encerramento não será diferentemente. Os órgãos licenciadores aceitarão uma simples reconstituição ambiental sem as devidas compensações sociais e etc.

  2. Obrigado, por compartilhar esse plano. Não tinha ouvido falar dele.

    A Vale tem uma política deliberada de não apresentar planos de fechamento de Minas.

    Nos países mineradores mais avançados o fechamento (e reabilitação de áreas) começa a ser feito durante a operação das minas ou complexos de Minas, garantindo-se que parte do financiamento ocorrerá durante o faturamento das operações.

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