“Quem vai fazer a Vale cumprir a lei?”, pergunta ativista ao cobrar atuação mais firme do MPMG na defesa dos moradores vizinhos do Pontal

A ativista Tuani Guimarães, do Comitê Popular dos Atingidos pela Mineração em Itabira e Região, cobrou dos representantes do Ministério Público Estadual (MPMG) ações mais concretas e incisivas para obrigar a mineradora Vale a tomar as medidas cabíveis, inclusive com a imediata remoção negociada de moradores que vivem o medo de rompimento de barragens.

A cobrança ocorreu na terceira reunião virtual, nessa terça-feira (25), com moradores dos bairros Bela Vista e Nova Vista. Ela cobrou a imediata negociações com as famílias que estão ameaçadas de despejo de suas residências e do comércio com a futura construção de barreiras de concreto para contenção de rejeitos, em caso de rompimento de estruturas internas (diques e cordão de contenção), no interior e no entorno da barragem do Pontal.

“Quem vai fazer a Vale cumprir a lei?”, perguntou a ativista aos promotores, citando a condicionante 46 da Licença de Operação Corretiva (LOC) das Minas de Itabira, que prevê a remoção – e que não está sendo cumprida.

“É insustentável viver abaixo e próximo dessas estruturas, nas zonas de alto risco de morte. As pessoas estão adoecidas, assustadas e com medo. Que a condicionante seja cumprida”, reivindicou a ativista com veemência, ao pedir mais efetividade nas ações de cobrança dos representantes do MPMG.

“João Batista está falando da realidade que é de muitos moradores”, disse a ativista, referindo-se ao morador da rua João Júlio de Oliveira Jota, no bairro Bela Vista, que “divide parede-meia” com o cordão Nova Vista, localizado a menos de 30 metros de sua residência.

Moradores e ativistas se reúnem pela terceira vez com representantes do MPMG (Fotos: Reprodução e Carlos Cruz)

Reassentamento

A condicionante 46 da LOC, aprovada em 2000 pela Câmara de Mineração do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), prevê o “reassentamento populacional, discutido com a comunidade e a administração pública, como medida preventiva a toda intervenção futura do empreendimento que implicar riscos às famílias, ou deslocamento compulsório da população”

Para isso, a empresa deve observar, no reassentamento, o Plano Diretor Urbano de Itabira. É o que aguarda há quase uma década o morador João Batista Carlos que, em diversas ocasiões apresentou à Vale o desejo de negociar a sua residência.

E que seja pelo valor anterior à desvalorização que o seu imóvel sofreu com o avanço da barragem em direção à sua residência, com a construção do cordão Nova Vista. “É um direito dele, está na condicionante”, acentuou a ativista Tuani Guimarães, na reunião virtual com os promotores.

João Batista leu na reunião uma correspondência que pretende encaminhar, mais uma vez, à Vale com cópia ao MPMG. “Há quase uma década venho sofrendo com constantes alteamentos no cordão Nova Vista, com trânsito de caminhões e máquinas, causando rachaduras pela intensa trepidação, comprometendo a estrutura, nos trazendo insegurança e desvalorização de nosso imóvel”, ele leu a correspondência na reunião com os promotores.

Depois de longa-vida de trabalho dedicado à empresa, consegui comprar um imóvel e transformá-lo em oásis urbano para dar o merecido conforto e segurança à minha família.  Fui criterioso na escolha do local, generoso em beleza, aliado à tranquilidade. O sonho se nublou com tal obra (cordão Nova Vista). Treinar a população para fuga e tocar sirene são artifícios enganosos. Estamos sendo figurantes de um filme de terror”, desabafou.

João Batista e sua mulher Maria Terezinha no “oásis” que ainda existe no quintal de sua casa. Ao fundo o cordão Nova Vista

Solapamento

Em abril de 2000, João Batista viu, assustado, esse filme pela primeira vez, mais precisamente na madrugada do dia 20 para o 21, quando ocorreu o rompimento do dique 2 da barragem do Pontal, que só agora está para ser descaracterizado com a retirada de rejeitos.

De acordo com relatório da Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam), que a reportagem deste site teve acesso, o rompimento ocorreu no braço 2 da barragem, no chamado “ponto de ciclonagem do ‘underflow’ dos rejeitos”.

“A deposição formou um reservatório de água que se encontrava confinado entre o material depositado e as encostas naturais”, registrou os fiscais do órgão ambiental.

“Ocorreu uma saturação do solo constituinte da encosta natural, ocasionando um escorregamento/ruptura do talude remanescente, a jusante da estrada existente, cujo material atingiu o citado reservatório, causando a expulsão do volume d’água acumulada no local.”

“A estrutura da barragem do Pontal foi suficiente para amortecer o impacto provocado pela ruptura do dique, ficando o rejeito confinado na sua bacia”, registraram os fiscais da Feam.

“Entretanto, o volume de água que passou pelo sistema extravasor (vertedouro em tulipa) provocou o colapso de uma ponte a jusante, localizada nas proximidades da confluência do córrego dos Doze com o rio de Peixe, a jusante de uma das captações de água da cidade.” Leia mais aqui.

Erosão abaixo do cordão Nova Vista, no córrego que foi desviado para a construção da estrutura

Repetição

É por temer a repetição desse rompimento, em proporções ainda maiores e destrutivas, como o ocorrido em Mariana e Brumadinho, que João Batista e sua mulher Maria Terezinha Carlos não querem continuar morando em sua residência que já foi um “oásis urbano”.

“Não tenho mais sossego, a minha saúde mental está abalada. Já não estou mais no tempo de ficar esperando a Vale decidir quando e como irá negociar a nossa remoção. Até isso acontecer, já estarei no quadradinho debaixo da terra”, é o que ele teme.

“Que a Vale nos pague o que é justo, pelo valor de nossa casa antes da desvalorização, para que possamos comprar uma nova residência bem distante de suas barragens”, é o que João Batista vem reivindicando há quase uma década – e que a ativista Tuani Guimarães insiste para que o MPMG tome providências, cumprindo o que dispõe a condicionante 46 da LOC.

“Estou pensando em armar acampamento na porta da Vale e só sair de lá quando ela decidir negociar a minha casa, pagando o preço justo e de direito”, avisa João Batista, cansado das vãs tentativas de negociar com a mineradora, sua ex-empregadora.

Caminhões e máquinas pesadas estão em atividade, noite e dia, no cordão Nova Vista, vizinho de João Batista

Falta consenso

Mas esse desejo de João Batista, de imediata negociação com a mineradora para que ocorra a remoção, que a Vale diz ser preventiva, não é consenso entre os moradores do bairro Bela Vista.

A professora Cristina Ferreira, residente na rua José Marinho, vizinha de João Batista, não quer se mudar para outro lugar. “Eu me sinto segura e não estou incomodada com a barragem. Não vejo perigo, é tudo muito seguro”, ela acredita, mesmo depois do rompimento das barragens em Mariana e Brumadinho.

Ao seu lado, a dona de casa Jeane Cristina de Souza endossa a sua opinião. Elas moram em residências distintas, mas construídas no mesmo lote, herança da família.

“Será que com o dinheiro que a Vale vai nos pagar conseguiremos comprar novas casas nas mesmas condições das que hoje moramos?”, ela pergunta, cheia de dúvidas.

“Se a Vale nos pagar uma indenização, teremos que dividir com outros herdeiros que também têm direitos e não moram aqui. O dinheiro vai ser pouco para todos e podemos perder a segurança de nossa casa, sem ter como comprar outra residência”, é o que mais teme a professora

Jeane Souza e Cristina Ferreira são também vizinhas do cordão Nova Vista, mas não querem mudar: “somos muitos herdeiros e não estamos inseguras”

Consultoria técnica

De acordo com a promotora Shirley Machado, presente na reunião virtual com os moradores, a atuação do MPMG, juntamente com a Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Sociais (Cimos), deve ser no sentido de que as negociações entre os moradores e a Vale ocorram de forma coletiva, evitando-se a divisão entre os que residem nos dois bairros. Mas isso não impede que João Batista negocie separadamente com a Vale.

“Muitos moradores, por medo, tendem a aceitar a primeira proposta da empresa, como vimos em outras localidades. No caso de Itabira, isso pode ser diferente pois teremos tempo de identificar os danos ocorridos em outros territórios, para conseguir uma negociação coletiva, com a assessoria de uma consultoria especializada, que os moradores têm direito pela legislação”, disse a promotora, referindo-se à Lei Estadual n.º 23.795/21, que instituiu a Política Estadual dos Atingidos por Barragem.

O promotor Marcelo Mata Machado, da Curadoria de Mobilização Social do MPMG, contou aos moradores que a Vale se mostrou resistente, em um primeiro momento, à contratação de uma consultoria técnica especializada para assessorar os moradores nas negociações – e que por lei deve ser paga pela mineradora.

“O que sabemos é que a Vale tem necessidade de iniciar as obras do primeiro bloco e que para isso já terá de retirar algumas famílias da mancha de inundação. Por isso insistimos com a imediata entrada em campo da assessoria técnica e que ela seja custeada pela Vale”, disse Mata Machado.

Perguntas sem respostas

Segundo o promotor, a Vale prometeu agendar uma reunião com os moradores no mês de junho. “É para detalhar as obras e responder às dúvidas.”

Essas dúvidas são muitas e têm causado apreensões desde que o secretário municipal de Meio Ambiente, Denes Lott, comentou em reunião com o Comitê dos Atingidos, que a Vale terá de fazer a remoção para construir um dos muros de concreto de contenção de rejeitos em caso de rompimento de uma das estruturas ou da própria barragem do Pontal. Leia aqui.

Desde então, apesar de vários pedidos de informações deste site, da Prefeitura, do Ministério Público e do deputado Bernardo Mucida, a Vale nada informou que pudesse esclarecer e bem informar aos moradores e às autoridades locais.

O que se sabe é que terão de ser removidas 300 unidades imobiliárias e a remoção temporária de cidadãos residentes em 68 unidades imobiliárias, localizadas nos bairros Bela Vista e Nova Vista, conforme o procurador-geral de Justiça de Minas Gerais, Jarbas Soares Júnior informou em correspondência à deputada Áurea Carolina (PSOL). Leia aqui.

Resposta da Vale

Procurada mais uma vez por esse site para esclarecer as dúvidas, em especial sobre o pedido de aquisição imediata da residência de João Batista, a Vale não respondeu às perguntas formuladas pela reportagem.

Mas a empresa enviou a seguinte nota, que publicamos na íntegra:

“Em continuidade ao Plano de Descaracterização da Vale, divulgado em 2019, a empresa informa que vem discutindo com o Ministério Público de Minas Gerais e AECOM (auditoria externa indicada pelo MP) a forma mais tranquila e segura de cumprir a exigência legal no processo de descaracterização das estruturas construídas pelo método a montante do Sistema Pontal, do Complexo Itabira, em Minas Gerais.

A princípio, o processo deverá ser realizado em duas etapas, sendo a primeira delas a execução de atividades em área operacional da Vale. Essa primeira fase deve incluir o reforço dos diques 3 e 4, a descaracterização do dique 5 e a implantação de uma contenção a jusante da barragem Pontal, na região da Lagoa Coqueirinho.

A segunda etapa, ainda em estudo, prevê a descaracterização dos diques Minervino e Cordão Nova Vista, do Sistema Pontal, e a construção de uma segunda contenção.

Para esta fase, visando à segurança dos moradores, está sendo considerada a remoção de pessoas e imóveis nos bairros Bela Vista e Nova Vista. As ações serão definidas conforme resultados dos estudos, sempre considerando o menor impacto possível para as comunidades.

O Sistema Pontal possui Plano de Ação de Emergência para Barragens de Mineração (PAEBM), sistema de alerta sonoro em funcionamento e é monitorado, permanentemente, pelo Centro de Monitoramento Geotécnico.”

 

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4 Comentários

  1. Que justiça?
    O judiciário brasileiro está inflado de vaidade, dinheiro e poder. Ministério público, promotoria, os dôtos juízes, o STF, tudo uma grande farsa, corporativa. Essa gente é formada pelo direito positivista, punitivista. Eles não fazem justiça, eles fermentam ódio de classe.
    Toda essa gente do judiciário estará sempre do lado errado, do lado de poderosos, contra os inocentes. Basta olhar o que eles fizeram e fazem com o Brasil.
    Gente hipócrita. O povo mais vez perderá, morrerá.

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