Ministério Público abre duas novas ações contra a Vale, mas não vê necessidade de realocar moradores em Itabira

A Curadoria de Meio Ambiente do Ministério Público Estadual ingressou com mais duas ações contra a mineradora Vale, dessa vez para apurar as condições de estabilidade das barragens do complexo Conceição (Itabiruçu, Conceição e Rio de Peixe) – e também das Minas do Meio (Cambucal 1 e 2 e Três Fontes).

Com isso, já são quatro ações impetradas contra a mineradora na Comarca de Itabira– e todas correm sob sigilo, a pedido do próprio Ministério Público. As outras ações foram abertas para apurar as condições das barragens do Pontal (dique Minervino e cordão do Nova Vista, principalmente) – e também da barragem de Santana, que fica à margem da rodovia que liga Itabira a Santa Maria de Itabira.

Giuliana Fonoff, promotora de Justiça, pede à Justiça que Vale contrate auditores independentes (Fotos: Carlos Cruz)

Segundo a promotora Giuliana Talamoni Fonoff, as ações são preventivas. Foram motivadas pelo rompimento, em 25 de janeiro, da barragem de Córrego do Feijão, em Brumadinho – e que estava com a documentação em ordem, atestando a sua estabilidade.

“O objetivo das ações é obter informações mais fidedignas sobre a segurança dessas estruturas. O Ministério Público entende que as documentações e as informações repassadas pela Vale não são 100% críveis”, acentuou a promotora em entrevista a este site.

A barragem de Brumadinho tinha certificado de segurança emitido pela empresa alemã Tüv Süd, que também apresentou laudos de estabilidade das estruturas de contenção de rejeitos em Itabira.

Foi com base na documentação apresentada pela empresa certificadora, em 14 de março, que o Ministério Público inicialmente, como medida cautelar, recomendou à mineradora que cessasse as atividades de manutenção que possam provocar vibrações e falhas nas estruturas no dique do Minervino e no cordão Nova Vista, ambos localizados na barragem do Pontal.

A recomendação já foi revogada, permitindo à mineradora que retorne às atividades de manutenção. Para isso, o Ministério Público entendeu que não será preciso retirar os moradores das chamadas áreas de autossalvamento, que ficam a uma distância de dez quilômetros dessas estruturas – e que podem ser atingidas pela lama de rejeitos em menos de 30 minutos, em caso de rompimento.

“Entendemos que não temos em Itabira situação de perigo em nenhuma de suas barragens. Mas pedimos que a empresa contrate uma auditoria independente, que deve ser realizada por empresa que nunca prestou serviço à Vale. Essa empresa irá prestar compromisso em juízo para verificar as condições de segurança de todas as barragens e estruturas existentes em Itabira.”

Sem declaração

A decisão de não realocar os moradores deve permanecer, mesmo não tendo a mineradora obtido, nesse final de março, a renovação da Declaração de Controle de Estabilidade (DCE), para o dique 2, localizado na barragem do Pontal.

Com a não renovação da certificação de estabilidade, a segurança da estrutura passou para o nível 1, que, entretanto,  não exige a evacuação de moradores das zonas de autossalvamento.

Mas é certo que a mudança de nível de segurança preocupa ainda mais os moradores dos bairros que ficam abaixo da barragem do Pontal, principalmente depois do susto provocado pelo acionamento de sirenes, na noite de quarta-feira (27). Segundo a empresa, o acionamento ocorreu por erro técnico, sem que houvesse rompimento ou qualquer risco iminente.

Rota de fuga é um salve-se quem puder em caso de rompimento de barragem

Desde a atrocidade cometida em Brumadinho, há mais de 60 dias, a insegurança dos moradores em Itabira é crescente. Isso tanto pelas mais de 300 mortes, como também pelas informações desencontradas fornecidas pela empresa.  É que a Vale não tem sido transparente em seus comunicados, deixando, inclusive, de responder aos questionamentos da imprensa local.

A elevação do dique 2 para o nível emergência 1 é mais um fator que aumenta a insegurança dos moradores. A reclassificação ocorre quando é encontrado algum tipo de anomalia em fase inicial no corpo da barragem, ou ainda, no seu sistema de drenagem interno ou externo. São falhas que podem ser reparadas por meio de ações preventivas e corretivas.

O nível de emergência 2, pelo qual nenhuma estrutura existente em Itabira foi classificada, ocorre quando é identificado algum tipo de anomalia que coloque em risco a estabilidade da barragem. Nesse estágio, ainda é possível tomar medidas preventivas para impedir que ocorram rupturas. Se as medidas não forem suficientes, agravando-se as anomalias, é acionado o plano de emergência, situação em que pode ser incluída a evacuação prévia de moradores.

Já na classificação pelo nível 3, o risco de ruptura é iminente. Ocorre quando a empresa responsável pela barragem perde o controle da situação – e as medidas corretivas aplicadas não mais surtem o efeito desejado. Nesse caso, a legislação determina a remoção imediata dos moradores que podem ser atingidos pela lama, com a imediata aplicação do plano de ação emergencial.

Mais dúvidas

No caso das barragens de Itabira, somente o dique 2, localizado na barragem do Pontal, encontra-se classificado pelo nível 1. É certo que essa reclassificação é, por si, mais um fator que se soma às denúncias do engenheiro Antônio Carlos Felício Lambertini, que apontou falhas estruturais em todas as barragens da bacia do Rio de Peixe. É nessa bacia que se encontra a barragem do Itabiruçu, que está sendo alteada para receber mais rejeitos de minério. (leia aqui e aqui).

Rodrigo Chaves, gerente-geral da Vale em Itabira

Indagado sobre essas denúncias, na reunião realizada na Câmara, no dia 19 de fevereiro, o gerente-geral do Complexo de Itabira e Águas Claras, Rodrigo Chaves, assegurou que todas as falhas nas estruturas dessas barragens foram corrigidas.

“O alteamento de Itabiruçu está sendo feito com a técnica mais avançada de engenharia, com um projeto bem feito e operação responsável. E o alteamento é a jusante, diferente das barragens que romperam e das que serão descomissionadas (fechadas com controle ambiental)”, disse ele.

“O alteamento irá aumentar a vida útil da barragem e haverá acréscimo em seu fator de segurança”, reafirmou o gerente da Vale. Essa mesma defesa a empresa apresentou nos processos que correm na Comarca de Itabira.

Entretanto, a promotora Giuliana Fonoff deve requerer à Procuradoria-Geral da União, em São Paulo, para que seja remetido aos autos todo o teor da denúncia do engenheiro Carlos Lambertini.

Estruturas a montante 

Ainda com relação à barragem do Pontal, o Ministério Público entende que mesmo sendo a barragem construída pelo método a jusante, esse mesmo modelo construtivo não foi observado nos diques e cordão do Nova Vista.

Segundo apurou a promotoria de Justiça, essas estruturas foram alteadas a montante, utilizando-se do próprio rejeito para construir o barramento.

“De forma preventiva, solicitei ao judiciário para que enquadre o complexo Pontal pela nova legislação estadual, para que essas estruturas a montante sejam descomissionadas, mesmo que a Vale não esteja mais lançando rejeito nesses locais.” Giuliana Fonoff se refere à lei estadual 3.676/2016, conhecida como Mar de Lama Nunca Mais.

Sirenes assustam moradores e perdem credibilidade

A promotora adiantou que irá abrir procedimentos investigatórios para apurar se o acionamento indevido de sirenes, supostamente por erro técnico, nos bairros localizados próximos à barragem do Pontal, teria acarretado danos à população vizinha.

“Os moradores estão assustados e com toda razão”, disse ela, que quer rever também todo o Plano de Ação de Emergência de Barragens de Mineração (PAEBM), apontado como sendo falho – e que em muitos casos leva a população em direção à lama, em caso de rompimento de alguma barragem.

“O PABM tem lacunas e omissões. Requeremos nas ações que a Vale apresente novos planos de forma mais coerente e efetivo, corrigindo as rotas de fuga e melhorando a comunicação com os moradores”, adiantou a promotora de Justiça. “Se não houver segurança total, outras medidas terão de ser tomadas.”

Testemunho

Willian Soares de Souza, morador do bairro Gabiroba, foi em socorro de familiares que moram no bairro Nova Vista: susto e falta de informações

O desempregado Willian Soares de Souza, morador do bairro Gabiroba, contou na reunião de quinta-feira (28), na Câmara Municipal, que na noite anterior saiu assustado em direção ao bairro Nova Vista, quando recebeu a notícia de que as sirenes foram acionadas na região da barragem do Pontal – um sinal, falso que seja, por erro técnico, de que alguma estrutura havia sido rompida.

“Foi um desespero geral, pessoas desmaiaram, outras até se acidentaram na correria. Foi um momento de muito susto e tensão, todo mundo ficou amedrontado”, disse ele, que se dirigiu ao bairro para socorrer seus familiares residentes no bairro Nova Vista.

“A Vale ainda nos deve explicação do que de fato ocorreu. Não dá para acreditar que tenha sido apenas um erro técnico”, disse ele, cobrando providências aos vereadores e às demais autoridades municipais.

“A empresa é culpada, mesmo que tenha sido uma falha técnica”, disse ele, que prometeu registrar boletim de ocorrência para também cobrar explicações e eventuais ressarcimentos pela empresa.

Na mesma noite do acionamento indevido, o gerente Rodrigo Chaves leu uma nota, tentando explicar o ocorrido. “O acionamento foi um erro técnico. Portanto não há uma situação de emergência nessa localidade e nem necessidade de que as comunidades da região sejam evacuadas”, salientou, mas sem conseguir tranquilizar os moradores.

Pois é justamente para apurar o que de fato teria ocorrido com o acionamento das sirenes que o Ministério Público deve persistir nas investigações. Questionada por esse site, a Vale até o fechamento desta reportagem também não respondeu se irá acatar a decisão da justiça para que sejam realizadas auditorias independentes em todas as suas estruturas de contenção de rejeitos no município.

Barragem de Piabas não está fora de controle, assegura mineradora

A empresa Vale rebateu a informação publicada pelo jornal Estado de Minas, nesse domingo, citando a barragem de Piabas, localizada no complexo do Cauê, em Itabira, como sendo uma estrutura alteada a montante – e que estaria fora “do radar das autoridades.”

Segundo nota da empresa encaminhada a este site, a barragem segue o mesmo método construtivo a jusante. E que a sua finalidade é conter sedimentos, assegurando que nessa estrutura não ocorre disposição de rejeitos.

Informou ainda que a barragem de Piabas foi construída na década de 1980, tendo passado por adequações no período de 2011 a 2014. “A barragem opera dentro de sua normalidade e apresenta fator de segurança de 1,65. Toda rotina de inspeção e monitoramento é realizada de forma a avaliar sua integridade periodicamente”, assegurou.

“O PAEBM está sendo implantado em toda a cidade de Itabira, incluindo a barragem Piabas. As torres com sirenes e vídeos de monitoramento estão em fase final de instalação para essa estrutura. A Vale, em conjunto com a Defesa Civil, está visitando as comunidades e realizando as orientações de emergência”, finalizou a nota da empresa.

 

 

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