Por uma política pública pela saúde do trabalhador em Itabira
Leonardo Ferreira Reis*
Ana Carolina Demarque**
Segundo o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2016, existem 34 mil pessoas formalmente ocupadas em Itabira, que representam cerca de 30% da população total – e um robusto setor produtivo baseado, principalmente, na mineração.
Esse setor ganhou força e tornou-´se central no município com a implantação, em 1942, da empresa estatal de exploração de minério de ferro, a Companhia Vale do Rio Doce, hoje privatizada e com capital aberto na bolsa de valores.
A partir da renda dos trabalhadores e da arrecadação desse setor, o município de Itabira se desenvolveu em outras áreas, como a de serviços que emprega muitas pessoas, mas ainda mantendo grande dependência econômica com o setor minerário. Entender essa estrutura econômica é fundamental para pensar como o SUS pode atuar na prevenção de adoecimentos e promoção da saúde das trabalhadoras e trabalhadores itabiranos.
Para o SUS são considerados trabalhadores que recebem salário, ou trabalha por conta própria, ou estão empregados em servidores públicos, também os cooperativados, estagiários, aprendizes e até aqueles que estão involuntariamente fora do mercado de trabalho, como desempregados e aposentados.
Essa definição de trabalhador é muito mais ampla que a adotada pelo IBGE. Portanto, uma parcela maior de pessoas de Itabira e região podem ser contempladas por suas ações. Apesar da importância que a cidade possui na microrregião e da existência de grandes empresas no município, existem poucas políticas públicas voltadas especificamente para a saúde do trabalhador e da trabalhadora.
Dados divulgados pelo Observatório Digital de Saúde e Segurança no Trabalho (ODST), do Ministério Público do Trabalho, revelam alguns indícios do problema enfrentado pela cidade por ainda não possuir um sistema de vigilância e assistência diretamente voltado às doenças ocupacionais e acidentes de trabalho.
Somente em auxílios doença por acidentes de trabalho houve 502 registros entre os anos de 2012 e 2017, em Itabira, o que corresponde a um impacto previdenciário de R$2,6 milhões e quase 60 mil dias perdidos de trabalho durante este período.

Ainda segundo essa mesma base de dados, os principais motivos de afastamento são as fraturas ao nível do punho e da mão (86 ocorrências), fraturas da perna, incluindo tornozelo (47 ocorrências) e fraturas do antebraço (34 ocorrências). É importante salientar que esses dados são muito subnotificados, um dos motivos se deve a falta de informação entre os trabalhadores de seus direitos em casos de acidentes e doenças ocupacionais.
No entanto, o principal motivo que leva os trabalhadores a não registrarem o acidente de trabalho ainda é o medo de perder o emprego, uma vez que não existe segurança jurídica adequada ou uma política pública em Itabira e região que dê suporte ao trabalhador acidentado ou adoecido.
Cabe ressaltar a responsabilidade dos municípios na produção de informações necessárias para traçar o perfil epidemiológico das doenças ocupacionais, acidentes de trabalho e, mesmo das peculiaridades do contexto produtivos local. A estruturação de tais dados, por sua vez, possibilita o desenvolvimento e aprimoramento de políticas em saúde do trabalhador realmente eficazes e capazes de amparar a classe trabalhadora.
Em Itabira ainda é necessário aperfeiçoar o serviço de vigilância em saúde do trabalhador, hoje representada por uma superintendência dentro da Secretaria Municipal de Saúde, mas que deveria estar amparada por um Cerest. Essa entidade permitiria a realização de campanhas de melhoria das condições de trabalho, ações de vigilância em saúde da trabalhadora e do trabalhador no campo e na cidade.
E prestaria assistência médica e psicológica aos trabalhadores. Tendo uma unidade de referência em saúde do trabalhador em Itabira, a demanda pode ser atendia por equipe multidisciplinar de profissionais, prestando diversos serviços, como:
– Atendimento médico e acompanhamento fisioterápico para trabalhadores;
– Ações de vigilância em empresas do município, que visam à promoção e proteção à Saúde do trabalhador, através da identificação, intervenção e controle dos riscos presentes nos ambientes de trabalho;
– Estudos e pesquisas em saúde do trabalhador;
– Capacitação e treinamentos dos profissionais da rede SUS sobre saúde do trabalhador;
– Notificação de acidentes e doenças relacionados ao trabalho, para alimentação de Sistemas de Informação em Saúde (Sinan).
Itabira vive uma situação muito delicada, por estar no seu horizonte próximo o fim da extração de minério, o que resultará queda drástica na oferta de empregos da região e, consequentemente, a geração de muitos problemas sociais, inclusive relacionados à saúde.
Por isso é necessário ter políticas de amparo ao trabalhador empregado e desempregado e que sejam fornecidas condições para a criação de novos postos de trabalho comprometidos com a promoção da saúde dos trabalhadores.
Assim, o primeiro passo para a obtenção de melhoria efetiva nas condições de trabalho é a implementação de políticas públicas já consolidadas em âmbito nacional, como aquelas preconizadas pela Renast.
A saúde do trabalhador itabirano está em jogo. É preciso defendê-la
Desde a década de 1980, com a Constituição cidadã e a criação das premissas que viriam a se tornar o Sistema Único de Saúde (SUS), discutia-se no Brasil a necessidade de desenvolver ações em Saúde do Trabalhador na rede pública, uma vez que as políticas existentes não eram capazes de atender toda a classe trabalhadora.
Dessa forma, a Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador (Renast) foi criada em 2002, sendo o setor referência em saúde do trabalhador, responsável por articular ações, discutir e promover saúde, além de ser o órgão fiscalizador dos Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerests), que atuam por meio da prevenção de doenças ocupacionais e vigilância nos municípios em que estão instalados.
As discussões para decidir as ações que devem ser tomadas dentro dos Cerests levam em consideração o contexto de trabalho dos municípios. E devem ser realizadas por comissões específicas sobre este tema, onde são traçados os planos de ações efetivos que atendam às necessidades dos trabalhadores e trabalhadoras.
Para este fim foram criadas as Comissão Intersetorial de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (Cistt), organismo subordinado aos Conselhos Municipais de Saúde (CMS). A Cistt é responsável por assessorar o CMS promovendo debates pertinentes em saúde do trabalhador, envolvendo diversos profissionais da área da saúde e da segurança do trabalho, além de usuários SUS e representantes dos trabalhadores de diferentes setores da economia. Ainda podemos citar a Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta, criada em 2011, para subsidiar o desenvolvimento de políticas públicas em saúde voltadas exclusivamente para as trabalhadoras e trabalhadores rurais.
As ações tomadas em saúde do trabalhador devem levar em consideração o perfil produtivo dos municípios, analisando-se quais são as maiores causas de acidentes e afastamentos em decorrência do trabalho. Essas análises podem ser feitas através de dados fornecidos pelo governo, como por exemplo, os níveis de renda e emprego, que indicarão o número de pessoas economicamente ativas e com emprego formal/informal ou desempregadas.
Uma vez que os trabalhadores estejam formalmente incluídos em bases de dados governamentais, é possível que se obtenha dados epidemiológicos, registros de acidentes de trabalho e de doenças ocupacionais por intermédio de um serviço de vigilância voltado especificamente à segurança dos trabalhadores. Algumas ações já existem em Itabira, mas é preciso criar um sistema público mais robusto, com orçamento próprio e ações direcionadas ao tema.
O que fazer para se ter políticas públicas de saúde do trabalhador em Itabira
A participação e o controle social sobre o processo de atenção à Saúde do Trabalhador é o eixo central dessa política pública. Portanto é preciso que a sociedade esteja engajada em todas etapas da sua criação, desde o estabelecimento de prioridades na aplicação dos recursos até a participação ativa nas ações de vigilância e promoção da saúde no trabalho.
Diferentes atores da sociedade civil possuem responsabilidade no processo de criação do Cerest-Itabira, a começar pelo poder público, que deve destinar recursos para a vigilância em Saúde do trabalhador e para a implementação das políticas públicas sobre o tema.
O Conselho Municipal de Saúde (CMS) também possui suas responsabilidades, pois tem o dever de criar a Comissão Intersetorial de Saúde da Trabalhadora e Trabalhador (Cistt), o que já vem sendo feito por meio de uma comissão interna do CMS, criada em 2017, e que se encontra em desenvolvimento avançado.
Porém, esse conselho ainda precisa avançar no reconhecimento da centralidade da categoria trabalho como determinante da saúde populacional. Ou seja, a vigilância em saúde do trabalhador pode indicar caminhos para a prevenção de muitas outras ações de saúde, como tratamento do câncer, atendimento na saúde mental, atendimento de emergência e combate a epidemias, como dengue, chikungunya, zika, entre outros.
Outro ator importante nesse processo são as universidades, principalmente aquelas que possuem graduações voltadas para a área da saúde do trabalhador. Nesse sentido, a Unifei-Itabira, por intermédio do curso de Engenharia de Saúde e Segurança (ESS) tem colocado seu corpo técnico, docente e discente à disposição para a produção de conhecimento que possa subsidiar as ações do poder público e das entidades que representam os trabalhadores.
Para isso, já está sendo desenvolvido um Trabalho de conclusão de curso da aluna Ana Carolina Demarque, sob orientação do professor Leonardo Ferreira Reis, que assinam este artigo, com o objetivo de apresentar uma análise preliminar das empresas existentes em Itabira de acordo com o seu grau de risco.
A análise desses dados pode ajudar na formação da Cistt no município, pois, tomando ciência do grau de risco ocupacional que determinado setor da economia possui, somado a criação de políticas públicas poderão ser melhor direcionadas à real demanda do município, tornando mais eficiente o serviço.
Ainda nesse aspecto, o curso de Engenharia de Saúde e Segurança pode contribuir realizando estudos de caso em ambientes de trabalho. Isso para levantar detalhes sobre os riscos ocupacionais na cidade, assim como facilitar o diálogo entre o conhecimento dos trabalhadores e as práticas gerenciais das empresas, desenvolvendo dispositivos técnicos e organizacionais para promoção da saúde no trabalho.
Apesar da importância de todos esses atores, a peça fundamental nesse tabuleiro é a sociedade civil organizada, que, seja por meio dos sindicatos, partidos, movimentos sociais e associações existentes em Itabira e região, devem exigir a implementação de políticas públicas voltadas à saúde das trabalhadoras e trabalhadores.
Tem sido comum nos sindicatos a luta dos trabalhadores, por meio de assembleias, reuniões e até paralisações, reivindicando melhorias salariais, maior participação sobre os lucros das empresas e, recentemente, contra as perdas de direitos sociais dos últimos anos.
Ainda que sejam pautas justas, que devem continuar sendo debatidas por essas organizações, as entidades podem, também, colocar na pauta das reivindicações do trabalhador itabirano a necessidade de melhorar a proteção e a promoção à sua saúde. Só quem trabalha sob risco de adoecimento e de acidentes de trabalho pode ser protagonista nesta história.
Os argumentos que apresentamos mostram que essa discussão não só é necessária, como urgente em nosso município. A sugestão que deixamos aqui é que as trabalhadoras e trabalhadores comecem a organizar rodas de conversa nas associações de bairros, procurem seus sindicatos ou seus representantes para cobrar ações para promoção dessas políticas públicas.
É também importante que cada um conheça os espaços de discussão, como o Conselho Municipal de Saúde que se reúne toda primeira quarta-feira do mês. Imprescindível conhecer ainda os documentos já existentes sobre o tema, se informando sobre os seus direitos e deveres no ambiente de trabalho.
Quanto mais organizada e unida estiver a classe trabalhadora eem torno dessas reivindicações, mais avanços podem ser obtidos com a implementação das políticas públicas em Saúde do Trabalhador.
* Leonardo Ferreira Reis é professor do curso de Engenharia de Saúde e Segurança da Unifei – Itabira. leofreis@unifei.edu.br
**Ana Carolina Demarque é aluna do curso de Engenharia de Saúde e Segurança da Unifei – Itabira