Socióloga elogia estudo do Ilaese, mas critica lideranças por falta de iniciativa para reverter a dependência econômica à mineração

Que Itabira é altamente dependente da mineração já é sabido antes mesmo de surgir a poderosa Companhia Vale do Rio Doce, em 1942, no esforço de guerra para derrotar os nazifascistas de Hitler e Mussolini.

O município era e é tão dependente do minério de ferro incrustado na mina Cauê (já exaurida), na serra do Esmeril e Conceição, que antes mesmo de começar a explorar essa riqueza mineral, o itabirano cruzava os braços e deixava a vida passar devagar, como assinalou Carlos Drummond de Andrade, em 1933, na crônica Vila de Utopia.

“Se a vida passasse depressa, a estrada de ferro já teria posto os seus trilhos na orla da cidade; à sombra do Cauê, uma usina imensa reuniria 10 mil operários congregados em cinquenta sindicatos, e alguma coisa como Detroit, Chicago, substituiria o ingênuo traçado das ruas do Corte, do Bongue, dos Monjolos. Mas para que tanta pressa? Tudo virá a seu tempo.”

E é assim que segue Itabira, com calma, como se não fosse verdade que as reservas de minério de ferro estivessem mesmo chegando ao fim. ““Os homens olham para o chão. Os ingleses compram a mina. Só, na porta da venda, Tutu Caramujo cisma na derrota incomparável”, escreveu o poeta itabirano.

Cacá Amoroso espera que a cidade acorde e mobilize para reverter a dependência à mineração (Fotos: Carlos Cruz)

De tempo em tempo surge na cidade um ensaio de rebeldia, de querer mudar essa sina conformista. Falam até em rebelião, criam-se comissões para definir as tão propaladas e sempre adiadas alternativas econômicas para o município deixar de ser tão dependente da mineração. Tudo isso para dar em nada, como historicamente tem sido desde sempre.

Dezenas ou até centenas de estudos e diagnósticos já foram feitos para entender o que se passa na cidade toda de ferro para provocar tanta letargia, que a todos (ou quase todos) contamina.

“Estou cansada de ver surgir comissões de estudos. Criam comissões para o assunto ser engavetado”, é o que tem historicamente constatado a socióloga Maria do Carmo “Cacá” Amoroso Senra Moreira, que há dois anos acompanha as reuniões do legislativo itabirano.

Diagnóstico

Cacá tem frequentado as reuniões ordinárias da Câmara às terças-feiras, e também das comissões temáticas nas quintas-feiras. “Nessas reuniões, pela primeira vez vejo um material de tão boa qualidade”, avalia a socióloga.

Ela se refere ao estudo denominado Uma análise das finanças de Itabira, desenvolvido pelo Instituto Latino-Americano de Estudos Socioeconômicos (Ilaese), uma organização de pesquisa voltada para lideranças sindicais e sociais (leia mais aqui). O resultado comprova em números o alto grau de dependência do município à mineração.

Entretanto, a socióloga recebe esse estudo com um misto de empolgação e ceticismo. Otimismo por ver que alguma luz está surgindo, e que alguns itabiranos começam a sair da “caverna”. E ceticismo por não mais acreditar, como o poeta maior, nas palavras dos homens públicos de Itabira.

“Como cidadã gostaria que houvesse uma grande mobilização social, mas pelo tempo que estou em Itabira e pela falta de lideranças consistentes, não acredito que isso venha a ocorrer”, é o que ela observa.

Essa mobilização, para reverter o quadro, teria que ser semelhante com a que ocorreu no Vale do Ruhr, na Alemanha, quando na década de 1950 os moradores se rebelaram, cobraram leis dos políticos.

Em decorrência, as mineradoras foram obrigadas atender aos anseios das comunidades, construindo um final feliz para quando as minas de carvão começaram a exaurir (leia mais aqui).

“Se Itabira não mobilizar e lutar por seus direitos desde logo, pode ser que amanhã, quando não mais tiver minério, talvez seja tarde para reagir”, adverte a socióloga.

Uma mostra do que será Itabira sem a mineração pode ser sentida desde já, com os não repasses dos recursos de ICMS pelo governo estadual. Esse atraso já provoca uma crise de dimensão sem precedente nas contas do município.

Só que essa crise ainda pode ser vencida. Já a derrota incomparável, cismada por Tutu Caramujo desde o início do século passado, essa pode ser eterna se nada for feito desde agora.

Investimento na educação profissionalizante pública em Itabira é deficiente

Uma das saídas, dizem os políticos, é o município investir na educação como já tem feito com o campus da Unifei, com a Funcesi e outras faculdades que se instalam em profusão na cidade. São 3.450 alunos matriculados no município, sendo 54,3% na Unifei.

“Itabira sempre dependeu da mineração e só foi implantar cursos de engenharia em no máximo dez anos, com a Unifei”, lastima o vereador, para quem, antes, todo filho de Itabira que quisesse fazer engenharia tinha que migrar para outra cidade.

André Viana encomendou o estudo do Ilaese

“Não havia escola de engenharia em Itabira por amarra política. Vários políticos irresponsáveis e sem caráter fecharam as portas para cursos superiores de engenharia”, acusa André Viana.

Em consequência, diz, mais da metade dos cargos de chefia na Vale é ocupada por profissionais vindos de outras cidades. “Falta mão de obra especializada em Itabira. E muitos itabiranos foram para fora estudar e não mais voltaram.”

Escolas técnicas

Já o número de escolas técnicas, principalmente públicas, é também preocupante. Elas contam com apenas 1.070 alunos matriculados em 2017, menos de um terço das vagas ofertadas pelo ensino superior.

E o que é pior, a maioria dessas vagas (87,8%), encontra-se na rede privada, enquanto apenas 12,2% de vagas são oferecidas na rede pública estadual. “Em Itabira só pode estudar em escolas técnicas quem tem dinheiro. E nenhum governo se atentou para isso”, critica o vereador.

E mesmo a oferta de ensino técnico não está concentrada na área de mineração e ou industrial. O ensino técnico de enfermagem é o que oferece o maior número de vagas com 33,2%, enquanto o curso técnico de mecânica representa 10,3% da oferta, segurança do trabalho 7%, recursos humanos 5,3%, eletroeletrônica 4,7%.

Esse quadro se inverte quando se trata do ensino básico não profissionalizante. São 18,2 mil alunos matriculados no ensino básico, sendo 52,8% em escolas estaduais e 36% na rede municipal, totalizando 88,8%. O restante estuda em escolas particulares (11,2%), aponta a pesquisa do Ilaese.

Otimismo

Neidson está otimista com o futuro de Itabira e promete novidades

Mesmo diante desse quadro negativo apontado pela pesquisa, o vereador Neidson Freitas (PP) se mantém otimista. “Itabira já evoluiu bastante e precisa evoluir mais”, é a aposta que ele faz.

“Em breve iremos apresentar os primeiros resultados dos trabalhos já realizados pela comissão que estuda as alternativas para o município”, disse o presidente da Câmara, que representa o legislativo itabirano na comissão “de alto nível”, nomeada pelo prefeito para negociar o descomissionamento das minas com a Vale.

Negócios da China

“O prefeito está na China buscando parcerias de investimentos para o parque tecnológico, tão necessário para viabilizar as alternativas econômicas. Dez anos (na verdade são nove) podem parecer que é pouco tempo, mas buscando as parecerias certas, é tempo suficiente para mudar essa situação de dependência à mineração. Vamos superar esse momento de transição. Não vamos deixar que Itabira se torne apenas um retrato na parede”, promete Freitas.

Weverton Vetão espera que o prefeito faça um negócio da China

Para o vereador Weverton “Vetão” Santos Andrade (PSB) a viagem do prefeito Ronaldo Magalhães (PTB) e comitiva à China é importante, mas ele questiona se esse é o melhor momento, dada a crise que o município atravessa.

“O que assusta é o prefeito fazer essa viagem sem apresentar a agenda previamente definida. Vamos aguardar para ver o que essa viagem irá trazer de positivo para Itabira. Espero que seja mesmo um negócio da China”, disse ele, referindo-se ao adágio popular que é dito quando se consegue algum tipo de acordo bastante vantajoso.

 

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