De “puxadinho em puxadinho” até que ocorra a transposição do rio Tanque, Saae regulariza o fornecimento de água em Itabira

A estiagem neste ainda inverno tem castigado quase todo o país, que vive a iminência de ter um apagão energético de consequências desastrosas para a economia e para o bem-estar da população por falta de planejamento e investimentos do governo federal, mas também em decorrência das mudanças climáticas.

Itabira há quase 80 anos sofre com o crescimento urbano desordenado e com a crônica falta de água desde que a mineração em larga escala se apossou dos recursos superficiais (Borrachudo, Camarinha, Três Fontes), “trocados” pelos minguados córregos da Pureza, que abastece a Estação de Tratamento de Água (ETA) homônima, e Pai João, que supre a ETA Gatos.

Como consequência, a população itabirana convive desde então com a escassez de água, problema estrutural que se agrava ainda mais com a seca prolongada.

Na semana passada, ao faltar o precioso e imprescindível recurso essencial à vida em vários bairros da cidade, o Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae) resolveu dar o grito e apontar quem seria a culpada pelo desabastecimento na cidade.

“O Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae) informa que devido à intermitência no fornecimento de água pela Vale, acordado através do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a mineradora, os reservatórios dos bairros Vila Santa Rosa, Juca Rosa, Praia, Colina da Praia, São Francisco, São Marcos, Santa Tereza, Gabiroba, Água Fresca, Aboboras, Conceição, Valência, Santa Ruth, Amazonas, Vila Sálica, Jardim dos Ipês, João XXIII, Nossa Senhora das Oliveiras, Vila São Geraldo e Panorama foram afetados, provocando desabastecimento.”

Ou seja, por interrupção de um dia no fornecimento de água captada dos aquíferos rebaixados pela mineração, e que foram prometidos como legados após a exaustão das minas itabiranas para o abastecimento público e atração de novas indústrias, quase toda a cidade ficou sem dispor de um pingo d’água nas torneiras.

Manobras

Manancial da Pureza tem significativa redução da vazão e há muito não dá conta de fornecer água para mais da metade da população itabirano, ficando à mercê de reforços na estiagem (Fotos: Carlos Cruz)

“O Saae aguarda um posicionamento da mineradora para retomada do fornecimento de água, para que o abastecimento na cidade seja normalizado gradativamente e não atinja outros bairros. Ao mesmo tempo, a autarquia também tem atuado com manobras para minimizar o impacto nas comunidades atingidas”, acrescentou a nota do Saae encaminhada à imprensa na semana passada.

Em resposta à reportagem, a Vale confirma que ocorreu a interrupção no fornecimento de água na quinta-feira (9), tendo sido necessária a paralisação para manutenção pontual e monitoramento de um dos poços que compõem o sistema de captação de água que é fornecida para o Saae de Itabira”.

Esse fornecimento de água captada em área da Vale tem sido imprescindível para reforçar os sistemas Pureza (ETA Rio de Peixe), Areão, Gatos e suprir o anel hidráulico,

A mineradora acrescenta que a paralisação foi previamente informada à autarquia itabirana. Diz ainda que o fornecimento de água foi restabelecido na manhã de sexta-feira (10). “A Vale reafirma o seu compromisso com as comunidades de Itabira e das localidades onde mantém suas operações”.

Prioridade

ETA dos Gatos também precisa de reforço e ainda não pode contar com acréscimo de água do rio Jirau por contaminação com manganês (Foto: Divulgação/PMI)

Acrescente-se que esse compromisso é decorrente do TAC firmado com o Ministério Público de Minas Gerais, cumprindo o que determina o Código das Águas que prioriza o consumo humano no fornecimento de água.

Mas em Itabira, historicamente, a prioridade tem sido a mineração que detém os aquíferos e toda água superficial que nasce nas encostas do que restou do Cauê, da serra do Esmeril e Conceição. A Vale detém a maioria das outorgas de água no município.

Portanto, restabelecer o fornecimento de água para a população conforme está pactuado, e que de forma alguma poderia ter sido interrompido, é obrigação muito mais que “compromisso com a comunidade itabirana.”

Embora a Vale afirme que o retorno do fornecimento de água para os sistemas de abastecimento em Itabira ocorreu já na sexta-feira, o Saae informou que somente na segunda-feira desta semana o suprimento em Itabira teve “considerável melhora”.

“No entanto, ainda existem problemas pontuais em bairros na parte mais alta da cidade que os técnicos da autarquia já estão engajados para solucionar.”

O Saae informou também que a Vale disponibilizou caminhões-pipa para suprir com água potável a demanda desses bairros, reforçando também no fim de semana a ETA Gatos com “manobras para atender às localidades prejudicadas.”

Paliativos

Ou seja, o reforço dos sistemas de abastecimento na cidade vem dos “puxadinhos” que parcerias entre Saae, Prefeitura e Vale veem historicamente fazendo em Itabira.

Tornaram-se necessários para abastecer com água potável a sua crescente população justamente em decorrência da mineração, sem que ainda se tenha um sistema definitivo de captação de longo prazo.

Situação que já deveria ter sido solucionada no início deste século, quando foram aprovadas as condicionantes da Licença de Operação Corretiva (LOC) do Distrito Ferrífero de Itabira.

Mas optaram, Prefeitura, Vale e Saae, por continuar com os “puxadinhos” sob a alegação de que sobraria água em Itabira após a exaustão mineral, o que ocorreria com “o bombeamento das águas de classe especial existentes nos aquíferos”.

Atualmente, somente os bairros Pará, Centro, Chacrinha e Moinho Velho são abastecidos com água dos poços profundos das Três Fontes. No Areão também é feito essa captação de poços profundos.

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Transposição

Só agora, mais uma vez por intervenção do MPMG, enfim a cidade terá essa “solução definitiva” com a transposição de água do rio Tanque, por meio de uma adutora com capacidade de transpor 600 litros por segundo, acima da demanda atual da cidade.

O excedente suprirá os complexos mineradores da Vale, que continuarão em operação mesmo após a exaustão das minas locais, concentrando itabiritos vindos de outras localidades. Mas essa “solução definitiva” ainda vai demorar.

Segundo relatou o líder do governo na Câmara, vereador Júber Madeira (PSDB), o prazo que era de quatro anos para concluir a captação e construir uma nova ETA, caiu para três anos e meio. Há de se considerar que já se passou mais de um ano desde que “a alta direção da Vale” assinou, no dia 21 de agosto de 2020, o TAC com o MPMG.

Enquanto a “solução definitiva” não vira realidade, o Saae ressalta a importância de a população fazer uso racional da água, acabando com o desperdício. Atitude que deve permanecer mesmo depois do fim da estiagem, com a chegada do período chuvoso.

Esse uso racional por parte da população precisa virar atitude permanente mesmo depois que a cidade deixar de contar com “puxadinhos” e dispor da “solução definitiva” para o abastecimento público com a transposição da água do rio Tanque.

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