Café da manhã no sobrado do barão de Alfié

Convidado pelo secretário Ronaldo Lott, e com o engenheiro Altamir Barros, a reportagem deste site acompanhou um bate-papo com o arquiteto Jair Valera, coordenador do escritório de Oscar Niemeyer, no Rio, e com os escritores Humberto Werneck e Edmilson Caminha, que aqui estiveram para participar da abertura da exposição Drummond Fala, fala, fala, uma parceria do neto Pedro Drummond com a equipe de robótica Drummonster, da Unifei. A exposição prossegue no Centro Cultural até 15 de junho, no hall da Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade.

A conversa durante o café da manhã no sobrado que pertenceu ao fazendeiro Joaquim Carlos da Cunha Andrade, o barão de Alfié, título nobiliárquico conferido por decreto imperial em 19 de julho de 1879, como não poderia deixar de ser, versou sobre o poeta e a sua cidade natal. Uma das indagações foi de como será a quarta Itabira, já que está chegando ao fim a terceira Itabira, sobre a qual o poeta, na crônica Vila de Utopia, pergunta como será “com a exploração do seu bilhão e 500 milhões de toneladas de minério com um teor superior a 65% de ferro”.

“Haverá uma terceira e diversa Itabira? Meu Deus, como me doeria responder sim à pergunta, e confessar que em 1933 o antigo menino da rua Municipal foi encontrar a sua cidade habitada por um pelotão de velhos, que nada poderiam dizer, e por um exército de rapazes e meninas, aos quais não tinha nenhuma mensagem para dirigir.” Pois é a terceira Itabira que está chegando ao fim com a exaustão mineral próxima.

Com a quarta Itabira já se aproximando, é o caso de se perguntar: o que fizeram com a riqueza advinda da montanha e das serras pulverizadas para garantir a sustentabilidade do município sem a mineração? Esta é uma indagação recorrente deste site desde que paira nas “nuvens” de Itabira. (leia aqui, aqui e aqui).

Onde foram parar os mais de R$ 9 milhões, em valores não corrigidos, dos royalties emprestados a empresários da cidade e de fora para diversificar a economia local? Cadê a “conta-corrente” com os nomes e os respectivos valores devidos. Sumiu na Prefeitura e nos bancos, gato comeu, ninguém viu, como também não se cobrou. São as perdas incomparáveis que prosseguem.

Mas vamos ao bate-papo no sobrado do barão de Alfié, atual Hotel Itabira:

Da esquerda para a direita: Humberto Werneck, Edmilson Caminha, Altamir Barros, Jair Valera e Ronaldo Lott (Fotos: Carlos Cruz)

Altamir Barros: Itabira é a única cidade do mundo que terremoto tem hora marcada para acontecer, como dizia Aníbal Moura (cidadão itabirano, crítico da Vale, já falecido). É quando a Vale faz a dinamitagem para o desmonte de rochas de minério na mina. Aqui se ouve a sirene tocando na mina avisando que vai haver detonação. E vem o terremoto, tudo treme.

O professor Radamés (Teixeira, arquiteto urbanista, que projetou as principais avenidas de Itabira com o intuito de afastar a cidade das minas) conta que Israel Pinheiro (ex-presidente da Vale e governador de Minas Gerais) vinha a Itabira e enchia o avião de cabrito. Levava para preparar um assado no Rio. Radamés dizia também que o antigo aeroporto de Itabira viajou de trem para o Japão.

O pico do Amor é um lugar de silêncio contemplativo. Não é um local de barulho. Deveriam inclusive mudar os acessos para o palco construído abaixo. Aliás, já existem outros portais de acesso pela rua Santana, na Penha, pela avenida Carlos Drummond e também pelo bairro Santo Antônio. Memorial e palco podem ter acessos distintos. A única coisa que pode atrapalhar o silêncio no pico do Amor é o ruído das minas e os suspiros dos enamorados.

Carlos Cruz: Estamos discutindo no site Vila de Utopia como será a quarta Itabira, já que a terceira está chegando ao fim. E também estamos investigando o que fizeram com os recursos dos royalties do minério.

Ronaldo Lott: Itabira já arrecadou mais de R$ 1 bilhão de royalties. (na verdade, é muito mais Leia aqui). O que fizeram com isso? A Vale representa acima de 80% de tudo o que a cidade arrecada.

Carlos Cruz: Ela vai continuar em Itabira por muito mais tempo, mas sem a mineração. Vai trazer minério de outras cidades para processar aqui, mas aí não haverá mais royalties e o ICMS será só pela parte do beneficiamento. Em compensação, pode ter um dos maiores volumes de água disponível no estado, se o acesso aos aquíferos não for obstruído com a disposição de estéril e rejeito na encosta da serra do Esmeril.

Ronaldo Lott: Drummond é uma opção do turismo e para o desenvolvimento diversificado de Itabira. Ainda é pouco e mal-explorado. Turismo gera impostos municipais, trabalho e renda para o comércio e serviços na cidade.

A “santa” foi assentada em um espaço laico, público e histórico sem o consentimento do Conpahi. E lá permanece sem ao menos “ser benzida”

Carlos Cruz: Como maltratam as referências drummondianas em Itabira. O poço da Água Santa, que poderia ter secado com o rebaixamento dos aquíferos, mas que não ficou comprometido, ainda está poluído pelo esgoto de residências vizinhas. Ali se tomava banho pelado, tanto que as “mulheres de família” lá não iam. E os garimpeiros faziam a assepsia e curavam as suas feridas com a água térmica. Com o consentimento obsequioso da Prefeitura, colocaram uma imagem de “santa” lá. Aparentemente a intenção foi de incrementar o turismo religioso em um espaço que sempre foi laico, exaltado por Drummond, Batistinha, e tantos visitantes ilustres que aqui vieram, como o naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853).

Humberto Werneck: E a população não protestou, não reclamou?

Carlos Cruz: Quase nada. Ocorreram algumas manifestações contrárias nas redes sociais, como do memorialista Marconi Ferreira, que apontou, inclusive o risco de algum turista desavisado beber da água, que recebe coliformes fecais, acreditando que é santa e opera milagres. Uma pessoa, “não identificada”, simplesmente colocou um objeto religioso em um espaço público – e a prefeitura foi conivente e permitiu. A imagem da “santa”, que nem benzida deve ter sido, continua lá.

Edmilson Caminha: A área do patrimônio histórico permitiu? Não fez nada?

Carlos Cruz: Está também conivente. Não querem mexer para não ferir suscetibilidades religiosas. O Conphai (Conselho Municipal do Patrimônio Arquitetônico e Histórico) também está omisso. Aceitou essa intervenção absurda, em um espaço que faz, inclusive, parte do museu de território Caminhos Drummondianos.

Altamir: É um espaço muito mal aproveitado. A praça foi projetada por Luiz Márcio (arquiteto contratado pela Vale), seguindo a ideia de Batistinha que projetou um parque para aproveitar a beleza do lugar e a própria água do poço da Água Santa. Isso é lamentável. Ali era para ter mais um espaço cultural e turístico.

Carlos Cruz: Mudando um pouco de assunto, espera-se que a readequação do Memorial Drummond não seja só física.

Jair Valera, do escritório de Niemeyer, diz que o arquiteto tinha orgulho do monumento. “As readequações são pequenas e retornam com o projeto original.”

Ronaldo Lott: Itabira não tem uma política cultural drummondiana. Temos espaços físicos, mas não temos uma política cultural para esses espaços. Temos a fazenda, a casa e o Memorial. O turista vai ver o quê? A Fazenda representa a Itabira dos anos 1800, a casa o menino antigo e o Memorial junta em um mesmo espaço Drummond, que é do mundo, com Niemeyer, que é também modernista. O Memorial deve representar a Itabira do futuro para o mundo.

Edmilson Caminha: Eu ouvi dizer que o Memorial, o que foi construído, não corresponde a 100% com o que foi projetado por Niemeyer. Isso é verdade?

Orientações de Niemeyer para construção do Memorial: “Limitações econômicas impedem, muitas vezes, de se acrescentarem aos monumentos, complementos culturais desejados.”

Jair Valera: É verdade, houve algumas modificações, mas nada que comprometa – e que não possa ser corrigido agora com a readequação. A primeira vez que eu vim a Itabira, o Oscar me pediu para dar uma olhada, pois já havia sido comentado isso com ele. De fato, o que está errado é a entrada redonda, que não existe no projeto. A entrada projetada é mais sofisticada, ela tem uma parede que vai por trás, não se vê o portão de entrada. Quer dizer, tem toda uma história de Oscar Niemeyer na arquitetura, de como ele tratava esses detalhes. O lago é um pouco maior, tem um paisagismo em volta – tem um tanto de detalhes que precisam ser corrigidos para voltar ao projeto original. E mexer também, acrescentar aspectos que antes não foram considerados, como a questão de acessibilidade. Quando ele foi projetado não havia a lei de acessibilidade. Não há banheiros para portadores de necessidades especiais. E os banheiros não têm que ficar em lugar nobre, como estão hoje. Mas o próprio Oscar recomendou que o monumento fosse construído aos poucos, na medida que houvesse disponibilidade de recursos.

Edmilson Caminha: É de quando o projeto?

Altamir Barros: 1998. O Memorial neste ano completa 20 anos.

Ronaldo Lott: Eu participei na época da construção, como secretário de Obras no governo Jackson (Tavares, 1997-2000), o Altamir e eu. Foi uma doação de Niemeyer, a Prefeitura nada pagou pelo projeto.

Altamir Barros: Foi um monumento construído dentro das possibilidades, para viabilizar o projeto de acordo com a verba disponível, daí as adequações. Os recursos foram bancados pela Fundação Vale. O lugar é simples, silencioso, não podia ser uma obra gigantesca.

Memorial Carlos Drummond de Andrade, encosta do Pico do Amor, Parque Municipal Natural do Intelecto

Jair Valera: Uma ideia interessante, que pode ser acrescentada, é um auditório-teatro, que ficou faltando. Quando eu voltei, comentei com o Oscar. “Olha, eles não fizeram o auditório-teatro.” E ele disse: “então, vão ter que fazer do lado de fora, não tem como fazer dentro desse prédio.” Vamos apresentar o projeto agora, mesmo que não seja executado de imediato. Vai ser inspirado em um projeto que Oscar fez para Foz do Iguaçu (PR), para servir como teatro e auditório. O fundo é uma parede de vidro, e aqui temos uma vista belíssima, pode ser feito assim, tendo a cidade como cenário. E não irá interferir com o monumento existente. Ficará atrás e na mesma altura. Essa é a grande obra que tem de ser feita. Para o restante, para se readequar ao projeto original, não vai ser preciso fazer uma obra grande. Só detalhes.

Acesso com esse contorno redondo não está no projeto original do Memorial e será adequado

Edmilson Caminha: Essas alterações ocorreram no decorrer das obras ou foram discutidas no projeto com Niemeyer?

Jair Valera: Entre fazer o projeto e o croqui inicial do Oscar, passar pelas estruturas e pelas instalações, essas alterações podem ter sido feitas no próprio projeto. São as adequações necessárias de acordo com o que tem de recurso disponível para investir. O próprio Oscar previu isso.

Esboço do Memorial, desenhado por Niemeyer

Ronaldo Lott: Na verdade, o projeto executivo foi sendo feito com a obra andando. É o que não queremos fazer agora na readequação. Queremos ter primeiro o projeto pronto para só então executar. A previsão era iniciar agora e concluir (a readequação) em outubro deste ano, quando o Memorial completa 20 anos. Mas não vai ser possível. Vamos provavelmente reinaugurar em outubro de 2019. Mas podemos fazer a assinatura da ordem de serviço no aniversário de 20 anos, é uma ideia. E é possível.

Edmilson Caminha: O Niemeyer veio a Itabira? Ou fez o projeto só com as informações levadas a ele?

Altamir Barros: Não veio, mas quis saber como era a posição do sol.

Jair Valera: Foi feita uma maquete do local, para ter a dimensão, além de fotos.

Edmilson Caminha: Oscar guardava os projetos ou mesmo os esboços?

Jair Valera: Guardava nada. Dava os desenhos para os clientes.

Altamir Barros: Do Memorial, temos os esboços que ele fez.

Edmilson Caminha: Pergunto isso, porque ele fez um croqui de uma casa que Carlos Drummond ia construir no Rio de Janeiro. Eu queria saber se existe algum esboço desse projeto.

Despedida na sala de jantar do barão de Alfié, hoje hotel Itabira

Jair Valera: Vou dar uma olhada para ver se acho alguma coisa. Às vezes aparece alguém com um desenho em papel manteiga. Oscar ficava conversando com o cliente, desenhava e passava o original. Tem uma capela aqui em Minas Gerais, perto de Belo Horizonte, belíssima. Ele a desenhou e passou, inclusive com a relação do material a ser empregado. Ele fazia muito isso.

Edmilson Caminha: Niemeyer foi ao auditório Nereu Ramos (na Câmara dos Deputados, em Brasília-DF) para receber uma homenagem, não sei a propósito de quê. E com o auditório lotado, ele começou a falar da construção de Brasília. E havia um cavalete com papel e ele ia desenhando enquanto falava. E tirava o que desenhava e jogava no chão. Minutos depois de terminar a homenagem, já tinha gente correndo para pegar os desenhos, as relíquias que ele deixou.

Carlos Cruz: E como está, Werneck, a biografia de Drummond que você está escrevendo? Sai quando?

Humberto Werneck: São muitos detalhes. O texto vai ser mudado até entrar na máquina de impressão. É um desafio enorme. Cada vez que leio algo de Drummond, eu aprendo uma coisa nova. Faço uma entrevista, é a mesma coisa, descubro algo novo. É um desafio que me motiva. A vida dele não foi uma vida sem importância, é um trabalho de pesquisa e vai até o último dia. Espero que seja concluído no próximo ano, quando devo entrar com o livro na gráfica.

 

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2 Comentários

  1. Não podemos depender da Cia Vale para sempre.O turismo é um dos passos importantes para o futuro de nossa Cidade, Temos vocação neste quesito.A revitalização e adequação do Memorial e´ de extrema necessidade. Se conseguirmos trazer os restos mortais do nosso poeta C.D.A. , simbolicamente, para o Pico do Amor através do consentimento do Pedro ( neto de Drummond) seria um grande passo.

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