Zema quer que professores voltem às aulas, mas categoria resiste e mobiliza em defesa da vida com dignidade
Eduardo Martins Cruz
“O presidente pode exonerar ministro, mas a Constituição não permite que ele adote políticas genocidas”, assim falou o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Assim como o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) não pode afrontar a ciência, também em Minas Gerais o governador Romeu Zema (Novo) não pode cometer as mesmas políticas genocidas ao decidir, por conta própria e risco de todos, que as escolas estaduais voltem ao trabalho.
Em um desabafo, um professor escreve em sua página na internet:
“Colegas, não. Não voltem às aulas! Façam greve, façam qualquer coisa, mas não voltem! Mais uma vez este governo de mentira quer jogar a bomba para a escola. Não se justifica. Tantos parados em casa e por que logo os professores têm que voltar ao trabalho? Governador insano e covarde. Todos que trabalham na cidade administrativa, os deputados e ele próprio estão em casa, bem protegidos.
Por que o presidente e o governador, com o distanciamento necessário e sem estardalhaço, não visitam os hospitais, laboratórios, para verificarem o que os profissionais de saúde estão fazendo, expondo-se ao vírus e se virando como podem, sem máscaras e outros equipamentos de proteção individual?
Eles estão perdendo vidas por culpa da incompetência de governantes irresponsáveis. Nunca pensam na política de segurança pública, na saúde e na educação.
Neste momento, Romeu Zema precisa resolver um problema social e econômico dos pais dos alunos das escolas públicas que vivem à custa da merenda escolar para sobreviverem. Muitos pais não têm emprego, nem trabalho digno para educarem, alimentarem e darem aos sequer um teto onde se esconder do mau tempo e dessa pandemia que vivemos.
De acordo com o governador é mais fácil amontoarem os alunos e professores, muitos dos quais, já se encontram no grupo de risco, em escolas, creches, onde sequer existem instalações sanitárias adequadas, com constante falta de água. Internet nem se fala, que não tem disponibilidade na rede pública para todos.
Professores e demais servidores não têm treinamentos adequados para enfrentarem a pandemia sem insumos, condições físicas e sociais. É muito fácil, extremamente fácil resolver o problema do governo, ou do mercado como gostam de encher a boca para exaltar, passando a bomba para os professores. Sempre os professores.
Os diretores, vices não se manifestam. Entende-se. Afinal são cargos de confiança. Se chiarem, ou se manifestarem contrários à decisão do governo, perdem o cargo. É a velha política do toma lá, dá cá, ‘é dando que se recebe.’!
Veja o absurdo, agora dizem que estão preocupados com a educação, que os alunos não podem continuar sem aula. De repente é grande a preocupação com a educação, que tem sido medíocre por falta de recursos e de qualificação dos professores. Querem passar por paladinos em defesa dos menos protegidos. Balela. Nunca ligam a mínima!
Há anos os professores não têm aumento salarial. Recebem salários parcelados, não receberam o décimo terceiro salário do ano de 2019 e nem perspectiva de quando será pago tem. Então volto a perguntar, trabalhar para quê? Só resta crer que tudo não passa de um complô para eliminar a classe dos educadores e os filhos dos trabalhadores que precisam desta famigerada e falida escola pública de ensino fundamental e médio.
Professores, educadores, colegas, mais uma vez digam não!”
Educadores são historicamente perseguidos, mas resistem com muitas lutas
Em Minas Gerais, e no país, os professores sempre foram colocados em segundo plano. A luta dessa categoria é antiga. Certa vez um governador afirmou que todas eram mal casadas. E os acintes contra a categoria não param por aí.
Os professores sempre tiveram atrasos em seus vencimentos e nunca foram valorizadas enquanto profissional. E as suas jornadas de trabalho nunca finalizam em sala de aula, continuam quando os professores voltam para casa, seja fazendo planejamento, corrigindo provas. Isso em contar os afazeres domésticos que também não cessam com o eterno lavar roupas, pratos, cozinhar para a família, levar filhos à escola.
Na contramão dos insanos, o prefeito Alexandre Kalil (PSD) diz não ao Zema. Decreta a quarentena até o fim de abril. E vai doar cesta básica aos alunos matriculados nas escolas municipais, filhos de pais carentes. Devia ser seguido pelo governador e prefeitos de outras cidades, Itabira, por exemplo.
Muitos desses alunos não têm o que comer, não dispõem de computadores e nem meios para usufruírem de um ensino à distância como se é proposto. E mais, não têm moradias dignas e nem pais com conhecimento para realizarem as atividades escolares que serão propostas.
Perseguições
A história faz recordar tantas perseguições a professores, seja em Minas, em São Paulo e outros estados. Em muitas manifestações por melhores condições de trabalho e remuneração, não raro eles acabam sendo hostilizados pelos próprios pais de alunos, até houve caso de atirarem pedras nos professores em greve.
Alegam que seus filhos não podem perder o ano letivo. E vem todo um aparato policial para reprimir os professores, atirando com balas de borracha, além de agressões físicas e psicológicas.
E assim os professores sofrem com toda essa situação, quando deveriam ter plenas condições de ensinar e educar com liberdade em uma escola que deveria ser plural e de qualidade crescente.
Mas nessas inversões de valores que a sociedade brasileira vive, o que se vê é o menosprezo contra aqueles que têm a missão de educar, recebendo muito pouco pelo seu esforço. E que sofrem com repressão desmesurada sempre que a categoria se une em torno de suas históricas reivindicações e que invariavelmente não são atendidas em suas plenitudes.
Muitos professores trabalham em turnos, com aulas na parte da manhã, à tarde e algumas até à noite, para proverem as demandas de suas famílias. Não raro, são agredidos pelo próprio aluno. E quando isso acontece a culpa sempre é atribuída ao educador. Alguns pais vêem até as escolas para questionar, agredir e atacar a mestra e fica tudo na mesma, elas não têm quem as defenda.
Não existe política de valorização do professor neste país, com exceção do estado do Maranhão, que paga e valoriza o educador. Aqui em Minas Gerais nem o piso nacional do professor é comprido.
Greves e literatura em Itabira
Os professores sempre fizeram história, e não tem sido diferente aqui em Itabira. O ano de 1989 foi de efervescência política no país e também na comunidade itabirana.
A Faculdade de Ciências e Letras de Itabira (Fachi) promoveu a Semana da Literatura, uma iniciativa de seus professores. Trouxeram escritores renomados a esta urbe. Estiveram presentes Adélia Prado, Joana D’arc Torres, Branca de Paula, Oswaldo França Júnior, além de outros nomes da literatura brasileira.
Nesses encontros debateram sobre Drummond e ideias que estavam emergindo logo após a promulgação da Constituinte cidadã de 1988.
Na sequencia, os professores também se fizeram presentes na greve geral de 1989, convocada pela CUT e que culminou com a paralisação dos operários da Vale, em Itabira.
Outras greves foram deflagradas em todo o território nacional. Teve a campanha das Diretas Já para presidente da República, que não foi vitoriosa, mas mostrou a força do povo nas ruas.
Foi criado em Itabira uma sessão do Sindicato Único dos Trabalhadores do Ensino de Minas Gerais (SindiUTE-MG), que havia surgido no estado em 1979, no primeiro Congresso dos Educadores de Minas Gerais.
Esse congresso reuniu cerca de 500 delegados de 71 cidades mineiras na Faculdade de Direito, em Belo Horizonte, tendo sido um marco histórico no movimento sindical mineiro e brasileiro.
Como resultado da luta de trabalhadores que se mobilizaram nas escolas por melhores condições de vida e trabalho, veio a greve geral de 1989, da qual os professores de Itabira participaram ativamente.
Após os primeiros cinco dias de greve, uma assembleia é realizada com mais de 10 mil trabalhadores em educação da capital e do interior, no pátio da Assembleia Legislativa de Minas Gerais.
Mobilização e repressão
Paulino Cícero, então secretário de Estado da Educação, saiu dizendo que não reconhecia a greve por se tratar de “movimento anônimo e sem rosto”. Um episódio emblemático: durante concentração na Praça da Liberdade, policiais, a mando do governador, recebem os trabalhadores com jatos d’água, gás lacrimogêneo, cães e cassetetes.
Foi dura a repressão, mas os professores não esmoreceram. No final foram 41 dias de greve, com adesão de 420 cidades mineiras. Foram obtidas conquistas importantes, mas o grande saldo foi a organização dos professores e demais trabalhadores da educação, no ano em que se comemorou os dez anos da fundação da UTE.
O governo se viu obrigado a ceder e concede reajuste mínimo de 121% para os auxiliares de serviços gerais e reajustes entre 57% a 207% para o quadro permanente; 35% para professores em abril; 41% em maio e 10% de pó de giz.
Com isso, naquela conjuntura de inflação galopante, parte das perdas salariais são recompostas. E 7 mil auxiliares de serviços gerais são readmitidos.
No mesmo ano, o professor Paulo Freire é o convidado de honra para uma palestra, seguida de debate, no Minas Centro, com a presença de cerca de 2 mil trabalhadores do ensino. No mesmo ano é realizado o 12º Congresso da UTE, em Montes Claros, no período de 13 a 16 de setembro.
Foi um período de muita luta e mobilização dos trabalhadores. Enquanto isso, na presente conjuntura, o Congresso Nacional na calada da noite decretou o fim da CLT.
E como o trabalhador ainda empregado, e os desempregados que engrossam o exército de mão de obra de reserva, nada ou quase nada podem fazer, mais perdas certamente virão com o advento desse nada novo e nem admirável mundo que virá no pós-pandemia.
Em nome da recuperação da economia, certamente virão mais cortes de direitos e postos de trabalho. E o salário que já é ínfimo, será cada vez mais aviltado, com menos professores em sala de aula. Quem viver, verá.