Vale rica, cidade pobre. Assim caminha Itabira
O sindicalista e vereador Paulo Soares (PRB) fez as contas e errou por baixo ao mensurar o lucro da Vale em Itabira. Segundo ele, a mineradora deve ter um faturamento bruto de US$ 2,4 bilhões neste ano só com o minério do município.
“Esta cidade irá proporcionar para a mineradora um lucro líquido de 1,246 bilhão, mais que o dobro da receita que a Prefeitura arrecada em um ano”, comparou em pronunciamento na tribuna da Câmara, na sessão de ontem (15/8).
A premissa do vereador Paulo Soares pode ser verdadeira, mas ele erra na projeção do lucro da empresa, que pode ser bem maior. Primeiro, erra por ter feito as contas com o preço do minério a US$ 60 a tonelada. Já há algum tempo que está cotado acima de US$ 70.
Segundo, ao se referir a um lucro de R$ 1,246 bilhão, que seria mais de duas vezes maior que a receita anual da Prefeitura, conforme ele afirmou, erra por não ter feito a conversão do dólar para o real.
E em terceiro lugar, erra também na conta pelo fato de contabilizar uma produção de 40 milhões de toneladas, quando esse patamar deve aproximar de 50 milhões, assim que as revitalizadas usinas de concentração estiverem operando em plena capacidade. Se esse patamar não for atingido ainda neste ano, será alcançado em 2018, conforme informou o gerente da empresa, Fernando Carneiro, em entrevista a este site.
Lucro maior
Portanto, é preciso refazer os cálculos. Com o preço do minério a US$ 70 a tonelada e considerando o custo de produção divulgado pelo vereador sindicalista na casa de US$ 32 (incluídos os insumos, mão de obra, transportes e impostos), e mesmo considerando uma produção por baixo na casa de 40 milhões de toneladas, o lucro da empresa só em Itabira salta para US$ 1,5 bilhão – e não apenas R$ 1,246 bilhão apontado pelo vereador.
Fazendo a necessária conversão para a desvalorizada moeda brasileira, com o dólar a R$ 3,17, isso dá a fabulosa soma de R$ 4,8 bilhões. Ou seja, o lucro da Vale no ano em Itabira não deve ser equivalente a apenas duas vezes a receita do município, que deve aproximar de R$ 500 milhões neste ano, mas sim dez vezes maior. Se não for mais.
De tudo fica muito pouco
“A Vale gosta do minério, mas não gosta de Itabira, infelizmente”, é o que constata o vereador, que acrescentou: “Se gostasse, a cidade não estaria como está”, afirmou Paulo Soares, para quem a “Acita vive anunciando que a empresa fez isso e aquilo, que investiu na Unifei”. “É muito pouco o que fica para o município”, protestou.
Que Itabira é considerada uma pobre cidade rica, isso é fácil de mensurar. É só verificar os indicadores sociais para constatar que o município não está nada bem quando comparado com outros municípios com receitas infinitamente menores. A Prefeitura pode até ser rica – vá lá, mas a população é pobre e empobrece cada vez mais com o alto índice de desemprego.
Que a Vale investe pouco em Itabira é também fato, mesmo sendo a mineradora parceira do governo federal e da Prefeitura na implantação do campus da Unifei. Ou ainda, mesmo contabilizando os investimentos na captação e tratamento de água e em algumas poucas unidades de conservação, como o Parque Natural Municipal do Intelecto e o Parque Estadual Mata do Limoeiro, em Ipoema.
É pouco, muito pouco. E mesmo sendo pouco, tem-se ainda o agravante de que os recursos obtidos com o ICMS (que chega em volume menor do que é devido pelas perdas com a Lei Kandir), royalties e IPTU (que não incide sobre a maior parte de suas instalações, situadas na “zona rural”) são mal administrados e se perdem em obras e serviços superfaturados.
A avaliação do lucro da Vale feita pelo vereador, mesmo com ele errando para baixo, é importante que se faça sempre. Isso para que se cobre o que é devido de fato pela riqueza aqui extraída.
E, ainda mais, para que o município possa usufruir de eventuais benefícios adicionais, decorrentes de compensações pelos impactos ambientais e também pelas ações que podem advir do chamado papel social de uma empresa que se diz moderna e inserida participativamente no desenvolvimento sustentável de Itabira.
Sem isso, restará à Cidadezinha Qualquer permanecer na letargia descrita na crônica Vila de Utopia, de Carlos Drummond de Andrade. “Tudo aqui é inerte, indestrutível e silencioso. A cidade parece encantada. E de fato o é. Acordará algum dia? Os itabiranos afirmam peremptoriamente que sim. Enquanto isso, cruzam os braços e deixam a vida passar. A vida passa devagar em Itabira do Mato Dentro.”
Prossegue o poeta, projetando o que seria a cidade do futuro, a terceira Itabira, se de fato usufruísse de sua fabulosa riqueza: “Se a vida passasse depressa, (…) à sombra do Cauê uma usina imensa reuniria 10 mil operários congregados em cinquenta sindicatos, e alguma coisa como Detroit, Chicago, substituiria o ingênuo traçado das ruas do Corte, do Bongue, dos Monjolos. (…)”.
Nada disso ocorreu, felizmente até. Já imaginou se além das partículas em suspensão, a cidade sofresse também com a fumaça das siderúrgicas?
Mas assim caminha Itabira, pobre cidade rica, historicamente mal administrada e abandonada por sucessivos governos estadual e federal, que sempre consideram que a cidade não precisa de ajuda por ter a grande e poderosa Vale como a sua principal fonte de riqueza.
Consumada a última safra de minério, que não tarda a ocorrer, só restará lastimar a perda incomparável. “Lá vai o trem maior do mundo/ Vai serpenteando, vai sumindo/ E um dia, eu sei não voltará/ Pois nem terra nem coração existem mais.”
Além disso, o dinheiro do minério que chega à prefeitura serve a concentração de renda. Políticos corruptos e familias tradicionais vão se enriquecendo. Itabira cresce mas nao se desenvolve.